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ARTIGO DO PAPA BENTO XVI
PARA O JORNAL INGLÊS «FINANCIAL TIMES»

20 de Dezembro de 2012

 

«Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» foi a resposta de Jesus quando lhe perguntaram o que pensava sobre o pagamento dos impostos. Obviamente, os que o interrogavam desejavam preparar-lhe uma armadilha. Queriam obrigá-lo a tomar uma posição no debate político inflamado sobre a dominação romana na terra de Israel. E o que estava em jogo era ainda mais: se Jesus era realmente o Messias esperado, então certamente ter-se-ia oposto aos dominadores romanos. Portanto, a pergunta era calculada para o desmascarar como uma ameaça para o regime ou como um impostor. A resposta de Jesus leva habilmente a questão a um nível superior, atestando com fineza contra a politização da religião e a deificação do poder temporal, e contra a incansável busca da riqueza. Os seus interlocutores deviam entender que o Messias não era César, e que César não era Deus. O reino que Jesus vinha instaurar era de uma dimensão absolutamente superior. Como respondeu a Pôncio Pilatos: «O meu reino não é deste mundo».

As narrações de Natal do Novo Testamento têm a finalidade de expressar uma mensagem semelhante. Jesus nasceu durante um «recenseamento do mundo inteiro», desejado por César Augusto, o imperador famoso por ter levado a Pax Romana a todas as terras submetidas ao domínio romano. E no entanto, este menino, nascido num obscuro e distante recanto do império, estava para oferecer ao mundo uma paz muito maior, verdadeiramente universal nas suas finalidades e para além de qualquer limite de espaço e de tempo.

Jesus é-nos apresentado como herdeiro do rei David, mas a libertação que ele trouxe ao próprio povo não dizia respeito à vigilância dos exércitos inimigos; ao contrário, tratava-se de vencer o pecado e a morte para sempre. O Menino Jesus, vulnerável e débil em termos mundanos, tão diverso dos dominadores terrenos, é o verdadeiro rei do céu e da terra.

O nascimento de Cristo desafia-nos a reconsiderar as nossas prioridades e valores, o nosso modo de viver. E enquanto o Natal é sem dúvida um tempo de grande alegria, é também uma ocasião para uma reflexão profunda, aliás, um exame de consciência. No fim de um ano que significou privações económicas para muitos, o que podemos aprender da humildade, da pobreza, da simplicidade da imagem do presépio?

A narração do Natal pode introduzir-nos a Cristo, tão indefeso e tão facilmente abordável. O Natal pode ser o tempo no qual aprendemos a ler o Evangelho, a conhecer Jesus não só como o Menino da manjedoura, mas como aquele no qual reconhecemos o Deus que se fez Homem.

É no Evangelho que os cristãos encontram inspiração para a vida diária e para o seu envolvimento nas questões do mundo — quer isto aconteça no Parlamento quer na Bolsa. Os cristãos não deveriam fugir do mundo; ao contrário, deviam ter zelo por ele. Mas a sua participação na política e na economia deveria transcender qualquer forma de ideologia.

Os cristãos combatem a pobreza porque reconhecem a dignidade suprema de todos os seres humanos, criados à imagem de Deus e destinados à vida eterna. Os cristãos lutam por uma partilha equilibrada dos recursos da terra porque estão convictos de que, como administradores da criação de Deus, temos o dever de zelar pelos mais débeis e vulneráveis, agora e no futuro. Os cristãos opõem-se à avidez e à exploração, convictos de que a generosidade e um amor abnegado, ensinados e vividos por Jesus de Nazaré, são o caminho que leva à plenitude da vida. A fé cristã no destino transcendente de cada ser humano implica a urgência da tarefa de promover a paz e a justiça para todos. Dado que tais fins são partilhados por muitos, é possível uma grande e frutuosa colaboração entre os cristãos e os outros. Todavia, os cristãos dão a César só o que é de César, mas não o que pertence a Deus. Às vezes ao longo da história os cristãos não podiam aceitar as exigências feitas por César. Desde o culto do imperador da antiga Roma até aos regimes totalitários do século que acabou de transcorrer, César procurou ocupar o lugar de Deus. Quando os cristãos rejeitaram ajoelhar-se diante dos falsos deuses propostos nos nossos tempos, não foi porque tinham uma visão antiquada do mundo. Pelo contrário, isto acontece porque estão livres dos vínculos da ideologia e são animados por uma visão tão nobre do destino humano, que não possa aceitar comprometimentos em relação a nada que o possa ameaçar.

Na Itália, muitos presépios são adornados com ruínas dos antigos edifícios romanos como pano de fundo. Isto demonstra que o nascimento do Menino Jesus marcou o fim da antiga ordem, o mundo pagão, no qual as reivindicações de César pareciam impossíveis de desafiar. Agora temos um rei novo, o qual não confia na força das armas, mas no poder do amor. Ele traz esperança a todos os que, como ele mesmo, vivem à margem da sociedade. Traz esperança a quantos são vulneráveis nos destinos mutáveis de um mundo precário. Desde a manjedoura, Cristo chama-nos a viver como cidadãos do seu reino celeste, um reino que cada pessoa de boa vontade pode ajudar a construir aqui na terra.

 

L'Osservatore Romano, edição em português, n. 51, 22 de Dezembro de 2012

  

 



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