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CONGREGAÇÃO PARA AS CAUSAS DOS SANTOS

HOMILIA DO CARDEAL JOSÉ SARAIVA MARTINS,
REPRESENTANTE DO SANTO PADRE,
NA CERIMÓNIA DE BEATIFICAÇÃO
DE TREZE MÁRTIRES MEXICANOS

Guadalajara, 20 de Novembro de 2005

 

1. Saúdo de modo especial os Eminentíssimos Senhores Cardeais, os Excelentíssimos Senhores Bispos, as Respeitáveis Autoridades, os sacerdotes e fiéis pertencentes às dioceses nas quais estes mártires nasceram ou derramaram o seu sangue. Dirijo, além disso, a minha saudação aos familiares destes novos beatos, e uno-me à sua acção de graças.

"O senhor é meu pastor: nada me falta" (Sl 22, 1). A Igreja proclama neste dia Jesus Cristo como Rei do Universo. A imagem do rei-pastor que o profeta Ezequiel apresenta, identifica-se plenamente com Jesus Cristo, o bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 10, 11), que tendo cumprido a sua missão, entrega o Reino ao seu Pai para que Deus seja tudo em todas as coisas (cf. 1 Cor 15, 24-28). Ele é o Pastor e Rei da humanidade que conduz o seu rebanho para prados verdejantes, demonstrando especial solicitude pelas ovelhas perdidas ou extraviadas.

Além disso, Cristo é Rei porque Ele é o "primogénito de toda a criatura, porque foi nele que todas as coisas foram criadas... Ele é anterior a todas as coisas... porque foi nele que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas (cf. Cl 1, 15.17-20), como afirma o Apóstolo são Paulo.

2. Esta Solenidade de Cristo Rei tem um significado muito especial para o povo mexicano. O Papa Pio XI, ao terminar o Ano Santo de 1925, proclamou esta festa para a Igreja Universal. Poucos meses depois, inicou nesta terra a perseguição contra a fé católica, e com o grito Viva Cristo Rei, morreram muitos filhos da Igreja, reconhecidos como mártires, dos quais hoje 13 são beatificados.

Os mártires são testemunhas privilegiadas da realeza de Cristo. Eles tinham consciência clara de que o reino de amor de Cristo devia ser instaurado, mesmo à custa da própria vida. De igual modo, a fé dos mártires é uma fé provada, como testemunha o sangue que por ela derramaram (Santo Agostinho, Sermão 329). Eles, juntamente com todos os santos, são os benditos que tomarão posse do Reino para eles preparado, desde a criação do mundo (cf. Mt 25, 34), como ouvimos no Evangelho há pouco proclamado.

3. Além disso, esta festa adquire neste dia um significado particular. Hoje a Igreja do México contempla com particular alegria a fé e a fortaleza destes 13 homens, que no reconhecimento do reino de Cristo, ofereceram as suas vidas de modo heróico entre os anos de 1927 e 1928. Em situações adversas e em diferentes Igrejas particulares, estes filhos fiéis da Igreja deram um testemunho louvável dos compromissos adquiridos no dia do baptismo, obtendo a força para derramar o sangue por amor a Cristo e à sua Igreja, que era injustamente perseguida.

Entre estes 13 novos beatos, é significativo que dez fossem leigos, originários dos Estados de Jalisco, Michoacán e Guanajuato. A maior parte destes leigos eram casados e formaram famílias cristãs; os demais, mesmo não sendo casados, eram membros de famílias cristãs piedosas e de costumes rectos.

Assim, este novo grupo de mártires conta três sacerdotes que morreram por desempenhar heroicamente o seu ministério sacerdotal e missionário, como foi o caso do missionário claretiano espanhol, André Solá Molist, C.M.F., que morreu depois de uma longa e penosa agonia, juntamente com o Padre José Trinidad Rangel e com o leigo Leonardo Pérez Larios, na terra do Estado de Guanajuato. De igual modo e em circunstâncias semelhantes, o sacerdote de Veracruz, Ángel Darío Acosta, que não poupou os melhores esforços para exercer o seu ministério sacerdotal num clima adverso e de perseguição, recebeu o martírio. A exemplo de Jesus Cristo, o Bom Pastor, estes sacerdotes, juntamente com os 22 sacerdotes mexicanos diocesanos canonizados em Roma durante o Grande Jubileu da Encarnação do Ano 2000, pelo Papa João Paulo II, são modelo e exemplo de caridade e zelo pastoral heróicos, principalmente para todos os sacerdotes mexicanos.

4. O primeiro na lista destes beatos é Anacleto González Flores, que derramou o seu sangue nesta cidade juntamente com os irmãos Jorge e Ramón Vargas González, e também com Luís Padilla Gómez. Com o grito"Eu morro, mas Deus não morre. Viva Cristo Rei!". AnacletoGonzález Flores entregou a sua vida ao Criador de uma vida de piedade intensa e de apostolado fecundo e audacioso. Durante a sua vida, depois de terem recebido uma sólida formação humana e cristã, dedicou-se à luta pelos direitos dos mais desprotegidos. Conhecedor fiel da Doutrina Social da Igreja procurou, à luz do Evangelho, defender os direitos elementares dos cristãos, numa época de perseguição.

Entre os direitos que mais defenderam Anacleto González e os seus companheiros mártires, encontrava-se o da liberdade religiosa; direito que provém da própria dignidade humana. Como destaca o Concílio Vaticano II: "Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coacção, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou de qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites" (Dignitatis humanae, 2).

Movidos por um profundo amor a Jesus Cristo e ao próximo, estes novos beatos defenderam pacificamente este direito, mesmo com o próprio sangue. Eles, longe de incentivar os confrontos sangrentos, procuraram o caminho pacífico e conciliador que lhes reconhecesse estes e outros direitos fundamentais que tinham sido negados aos católicos mexicanos. Ao contrário, Anacleto González e companheiros mártires procuraram ser, na medida das suas possibilidades, agentes de perdão e factores de unidade numa época em que o povo estava dividido.

5. Convencidos de que "viver é Cristo e morrer, um lucro" (Fl 1, 21) os nossos mártires alimentaram esse desejo mediante a participação frequente e a adoração da Sagrada Eucaristia. De facto, a profunda devoção eucarística é uma das características comuns destes treze mártires.

Todos eles, sacerdotes e leigos, mostraram um amor singular a Jesus Cristo na Eucaristia. Deve ser ressaltado de modo especial que três dos novos beatos, os irmãos Ezequiel e Salvador Hurta Gutiérrez, assim como Luís Magaña Servín, foram membros da Associação Nocturna de Adoração do Santíssimo Sacramento; Associação de grande tradição no povo mexicano. Da oração frequente e fervorosa diante do Santíssimo Sacramento, estes nossos irmãos obtiveram a fortaleza sobrenatural para suportar cristãmente o martírio, chegando até a perdoar os seus próprios algozes.

A intensa vida eucarística destes beatos deve ser para nós um exemplo e estímulo para incrementar cada vez mais a nossa própria vida eucarística. Poucos dias depois da conclusão do Ano da Eucaristia, e um ano após a jubilosa celebração do XLVIII Congresso Eucarístico Internacional, celebrado nesta querida cidade de Guadalajara, pedimos a intercessão destes fiéis filhos da Igreja para que nos ajudem a incrementar o respeito, a participação activa e a recepção digna de Jesus Cristo presente na Eucaristia. A eles pedimos também a graça de sermos adoradores humildes do Santíssimo Sacramento, como eles foram. Que o exemplo da sua vida de entrega até ao martírio, seja para nós um modelo privilegiado de espiritualidade autêntica e de profunda vida eucarística.

6. Pela sua coragem e pela sua tenra idade, merece uma especial menção o adolescente José Sánchez del Río, originário de Sahuayo, Michoacán que, com quatorze anos de idade, soube dar um testemunho valoroso de Jesus Cristo. Foi um filho exemplar, que se distinguiu pela sua obediência, piedade e espírito de serviço. Desde o início da perseguição ele sentiu o desejo de ser mártir de Cristo. Era tal a sua convicção de querer derramar o seu sangue por Cristo, que causava admiração em quantos o conheciam. Pôde receber a palma do martírio, depois de ter sido torturado e de dirigir aos seus pais estas últimas palavras: "ver-nos-emos no céu. Viva Cristo Rei! Viva a Virgem de Guadalupe!".

O jovem beato José Sánchez del Río deve estimular-nos a todos, principalmente a vós, jovens, a serdes capazes de dar testemunho de Cristo na nossa vida quotidiana. Queridos jovens, provavelmente Cristo não vos pede o derramamento de sangue, mas pede-vos, desde agora, que deis testemunho da verdade em vossas vidas (cf. Jo 18, 37), num ambiente de indiferença aos valores transcendentes e de um materialismo e hedonismo que procuram sufocar as consciências.

Além disso, Cristo espera a vossa abertura para poder receber e acolher um projecto vocacional por Ele preparado. Só Ele tem, para cada um de vós, as respostas às interrogações das vossas vidas; e convida-vos a segui-lo na vida matrimonial, sacerdotal e religiosa.

7. "Vinde benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo" (Mt 25, 34).

Os nossos mártires devem ser também para nós um modelo de amor incondicionado a Deus e ao próximo. O exemplo da sua vida e a sua intercessão devem ajudar-nos a viver generosamente a nossa vida, de cada um e de todos, recordando-nos sempre das palavras de Jesus: "Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer" (Mt 25, 45).

A caridade que estamos chamados a viver, o mandamento novo (cf. Jo 13, 34), supera qualquer limite imposto pela lógica humana e egoísta. Trata-se de uma caridade que se traduz em unidade, respeito, serviço, ajuda eficaz e efectiva ao necessitado; de uma caridade vivida, muitas vezes de modo heróico, no âmbito da mesma família e fora dela; de uma caridade que, a exemplo de Cristo e dos seus mártires, está sempre disposta a perdoar.

Assim também os nossos novos beatos merecem o reconhecimento de terem sido filhos fidelíssimos da Igreja Católica e da pessoa do Romano Pontífice. Pedimos-lhe, também para nós, uma fidelidade heróica à Igreja e à pessoa e ensinamento do Romano Pontífice, porque eles são para nós uma legítima expressão da frase que o Papa João Paulo II gostava de repetir: "México, sempre fiel!".

"Todos os tempos são de martírio" advertes. Agostinho de Hipona (Sermão 6) porque "todos os que quiserem viver a fé em Cristo serão perseguidos" (2 Tm 3, 12). Queridos irmãos: viver plenamente todos os dias a nossa entrega fiel a Cristo e por amor a Ele, a todos os homens, requer muitos sacrifícios e renúncias. Não obstante, Cristo está sempre disposto a dar-nos a força necessária para O podermos servir e amar nos nossos irmãos, principalmente nos mais desprovidos e necessitados do nosso amor, compreensão e perdão.

8. Finalmente, estes 13 filhos fiéis da Igreja tinham em comum outra característica. Além da sua intensa vida eucarística, distinguiram-se pela sua filial devoção à Mãe de Deus, com o seu título de Santa Maria de Guadalupe. A maioria deles, como os outros santos mexicanos já canonizados, morreram com o seu nome nos lábios. A ela pedimos a sua maternal protecção, de modo muito especial pelo povo mexicano, assim como por todo o continente, para que o entusiasmo seja preservado e incrementado.

Juntamente com Ela, a Mãe da Nova Evangelização, demos graças ao Pai por estes novos beatos. Do mesmo modo, damos graças pela Igreja do México, que não deixa de dar frutos de santidade. Cristo Rei, o Bom Pastor, reine no coração de cada um de nós. "Viva Cristo Rei"! Viva Santa Maria de Guadalupe! Amém.

 

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