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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ
NA I CONFERÊNCIA DE EXAME
DA CONVENÇÃO SOBRE A PROIBIÇÃO
DAS MINAS ANTI-HOMEM

DISCURSO DE SUA EX.CIA D. GIAMPAOLO CREPALDI

Nairobi, 30 de Novembro de 2004

Senhor Presidente

A Santa Sé sente-se muito feliz por participar nesta Conferência de Nairobi e agradece ao Governo do Quénia a sua generosa hospitalidade.

Tendo sido um dos primeiros Países que ratificou a Convenção de Otava, a Santa Sé contribuiu com o seu total apoio para este importante acordo sobre as questões humanitárias. O Papa João Paulo II falou da necessidade deste instrumento legal em várias ocasiões, sendo a mais recente a sua Mensagem enviada a esta nobre Assembleia.

É evidente o significado da proibição das minas anti-homem como instrumento jurídico, que compromete os Estados membros a jamais recorrer, armazenar, produzir ou transferir estas armas. Ao mesmo tempo, a aplicação da Convenção exige, não só palavras, mas sobretudo acções, principalmente no que concerne à extracção de minas e à assistência às vítimas. Se não se passa das promessas feitas em Oslo e em Otava, à realização nas capitais nacionais e nas regiões atingidas pelas minas, a Convenção não passará das melhores das intenções rascunhadas em folhas de papel.

Eis por que esta Conferência constitui uma ocasião para determinar as coordenadas acerca da realização solenemente prometida pelos Estados membros, aos quais compete a responsabilidade primária pelas minas anti-homem nas áreas sob a sua jurisdição ou o seu controle. Esta Conferência serve também para evidenciar os vários desafios futuros para os próximos cinco anos.

Sejam quais forem os critérios com os quais ela se confronta, o progresso feito em continuidade com os quatro maiores objectivos da Convenção é impressionante. O Projecto de exame da Operação e do Estatuto da Convenção apresenta estas realizações nos âmbitos da destruição das minas anti-homem, da extracção das minas, da assistência às vítimas, e da aceitação universal da proibição destas armas. O facto que merece maior realce é que todos os Estados membros cujo prazo para a destruição da armazenagem terminou, anunciaram que completaram este compromisso. Mas os outros Estados membros que ainda estão sob a obrigação de destruir os seus armazenamentos nos próximos anos dispõem de um número elevado de minas, sem falar dos Estados que não aderiram à Convenção os quais, segundo os cálculos, dispõem de mais de 180 milhões de minas anti-homem nos seus armazéns.

Em relação a isto, merecem especial relevo os compromissos específicos apresentados no Projecto do Plano de Acção de Nairobi 2005-2009. Examinar os desafios de universalização apresentados pelos Estados que não são membros obriga-nos a considerar as preocupações pela segurança destes Estados e a encorajá-los a encontrar alternativas ao uso das minas anti-homem, sobretudo no Médio Oriente e na Ásia, onde a aceitação da Convenção permanece num nível baixo. Uma justa consideração destas preocupações poderia igualmente promover formas de multilateralismo mais efectivas.

O Projecto do Plano de Acção menciona também medidas legislativas nacionais e a integração da Convenção em doutrinas militares. A minha delegação deseja recordar as palavras do Papa João Paulo II acerca da importância de um "corpus jurídico", chamado "direito internacional humanitário". Este corpus também se pôde desenvolver graças à maturação dos princípios que estão no centro da mensagem cristã" (João PauloII, Mensagem aos capelães militares, 24 de Março de 2003, n. 2). O Papa realçou também a necessidade de que os capelães militares dêem a sua "contribuição para uma educação adequada do pessoal militar para os valores que animam o direito humanitário e fazem com que ele seja não só um código jurídico, mas sobretudo um código ético" (Ibid., n. 3). Outra disposição do Projecto do Plano de Acção consiste em que as organizações não governamentais armadas que actuam nas jurisdições dos Estados membros também devem conformar-se com as disposições da Convenção.

É significativo que os níveis de financiamento global para ajudar os Estados no prosseguimento dos objectivos da Convenção tenham permanecido significativamente constantes num total de mais de 2,2 biliões de dólares. Como observa o Projecto de exame, trata-se de um facto importante, considerando que a consciência pública em relação a esta questão tinha atingido o seu máximo em 1997. Isto foi possível graças às doações feitas pelos 40 Estados membros, assim como numerosos Estados não membros e a organizações internacionais, e manifesta o espírito geral de cooperação relativa à Convenção. Para os próximos cinco anos, os Estados membros em condições para o fazerem deverão demonstrar antecipadamente a vontade de ajudar os Estados membros envolvidos pelas minas. Uma tal assistência geralmente é entendida em termos financeiros ou técnicos, mas ela deveria também evidenciar em grande medida as necessidades dos seres humanos atingidos pelas minas e não apenas as próprias armas.

Como é costume, a Santa Sé chamou a atenção para o flagelo das vítimas das minas e para a necessidade da sua reintegração social e económica. A capacidade destruidora pura e simples destas armas "de pequeno calibre" continua a manter pessoas na pobreza privando as vítimas dos seus membros, as crianças do seu futuro e os agricultores das suas terras. As vítimas das minas não se limitam unicamente aos indivíduos, mas incluem também famílias e comunidades locais.

Infelizmente, como exprime o Projecto de exame, muitos Estados membros atingidos pelas minas vivem uma situação de subdesenvolvimento e possuem sistemas de saúde mínimos, sendo incapazes de fornecer os serviços necessários de reabilitação física dos problemas. Em particular, o exame elenca 22 Estados membros (1), com centenas, milhares, e por vezes dezenas de milhar de sobreviventes de minas, onde os desafios da assistência às vítimas e da sua integração são mais sentidos. Um compromisso particular do Plano de Acção de Nairobi que merece ser mencionado é desenvolver e fortalecer as capacidades nacionais de recolha de dados acerca das vítimas, que tendem a não comparecer nesses Estados. Mais em geral, faz-se sentir uma urgente necessidade de preencher a distância que existe entre os programas de ajuda humanitária e o desenvolvimento nestes países atingidos pelas minas, que geralmente se encontram assolados por conflitos. De facto, sem o desenvolvimento, a reintegração social e económica é quase impossível.

De igual modo, sem a possibilidade de reintegração, a reconciliação torna-se cada vez mais difícil. Com muita frequência, depois de qualquer tipo de conflito armado, a desconfiança e a suspeita persistem entre os ex-combatentes e torna-se difícil a concretização da paz. É necessário interromper este ciclo reconhecendo a dignidade humana para todos, incluindo os deficientes, e a capacidade de perdão, que "está na base de cada projecto de uma sociedade futura mais justa e mais solidária... A paz é a condição do desenvolvimento, mas uma verdadeira paz torna-se possível somente com o perdão" (João Paulo II, Mensagem para a Jornada Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2002, n. 9).

Senhor Presidente!

O Prefácio da Convenção de Otava realça "o papel que a consciência pública desempenha no progresso dos princípios humanitários como confirma a chamada a uma proibição total das minas anti-homem". Manifestado por uma sociedade civil sempre maior, o poder da consciência pública transcende as fronteiras nacionais e os interesses dos Estados. A cooperação e a ajuda internacional são os caminhos que permitem realizar os objectivos da Convenção; interesses divergentes podem cooperar, o que já fizeram, para apoiar os nossos esforços. Esta cooperação e assistência constituem testamentos para a unidade da família humana e para a dignidade humana que a Santa Sé nunca se cansará de promover.

Obrigado, Senhor Presidente.

***

1)Afganistão, Albânia, Angola, Bósnia e Herzegovina, Burundi, Camboja, Croácia, República Democrática do Congo, El Salvador, Eritreia, Guiné-Bissau, Moçambique, Senegal, Sérvia e Montenegro, Sudão, Tajiquistão, Tailândia, Uganda e Iêmen.

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