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INTERVENÇÃO DO SECRETÁRIO PARA AS RELAÇÕES COM ESTADOS
NA 72ª SESSÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS

DISCURSO DO ARCEBISPO PAUL RICHARD GALLAGHER

Nova York, 25 de setembro de 2017

 

«Prestando atenção às pessoas:
 trabalhando em prol da paz e de uma vida digna
para todos num planeta sustentável»

 

Paz num planeta sustentável

Senhor Presidente, em nome de Sua Santidade o Papa Francisco, é-me grato congratular-me com Vossa Excelência pela sua eleição como Presidente desta ilustre Assembleia e felicitá-lo pela escolha do tema deste Debate geral: «Prestando atenção às pessoas: trabalhando em prol da paz e de uma vida digna para todos num planeta sustentável».

É um tema congenial à Santa Sé. O Papa Francisco nunca se cansa de insistir que em primeiro lugar estão as pessoas, especialmente as que sofrem, as excluídas, as marginalizadas, as abandonadas. A Igreja exprime assim o significado de prestar atenção às pessoas: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens [e das mulheres] de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo», pois «não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração» (Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 1).

Prestar atenção às pessoas não significa apenas protegê-las contra crimes atrozes, mas dar-lhes também a precedência em relação a quaisquer interesses nacionais e geopolíticos, cumprindo todos os compromissos políticos internacionais assumidos na história das Nações Unidas, relativos ao desenvolvimento social e económico, a partir daqueles contidos na Carta das Nações Unidas (Carta das Nações Unidas, parágrafo 4 do Preâmbulo, artigo 1.3 e capítulo IX).

Implementação da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável

Senhor Presidente!

Colocar sempre as pessoas em primeiro lugar significa salvaguardar, em cada fase e circunstância, a dignidade do indivíduo, assim como os seus direitos humanos e as suas liberdades fundamentais e, de modo específico, o direito à vida e à liberdade de religião, dos quais derivam todos os demais direitos, e que portanto constituem as bases comuns dos pilares da paz e da segurança, bem como do desenvolvimento humano integral. Estes dois direitos humanos são inseparáveis dos outros direitos e das liberdades fundamentais, ligados a uma vida espiritual, material e intelectual digna para todos os cidadãos e para as suas famílias como, entre outros, o direito à comida, o direito à água, o direito a um alojamento, o direito a um ambiente seguro e o direito ao trabalho (cf. Papa Francisco, Discurso aos Membros da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, Sede da ONU, 25 de setembro de 2015).

Com a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e com o Acordo de Paris sobre o clima, a comunidade internacional assumiu o compromisso de tomar medidas eficazes para erradicar as causas essenciais de vários males e indignidades que atualmente muitas pessoas no mundo padecem. Alguns instantes antes que esta Assembleia adotasse a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, o Papa Francisco definiu-a um «importante sinal de esperança» (ibidem).

Uma das razões fundamentais desta esperança é que os líderes mundiais concordaram «um programa de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade», decidido a «acabar com a pobreza e a fome, em todas as suas formas e dimensões», e a assegurar «que todos os seres humanos possam realizar o seu potencial em dignidade e igualdade, e num ambiente sadio» (cf. Organização das Nações Unidas, Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, Preâmbulo). A sua decisão comum de «não deixar ninguém para trás» manifesta a essência desta atenção às pessoas.

No que se refere aos compromissos políticos, o Papa Francisco alertou também esta Organização e a comunidade internacional a não cair naquilo que se poderia definir «nominalismo declaracionista». Por isso, devemos estar atentos contra as «consciências tranquilizadas» e o «sentir-se bem» somente porque a Agenda 2030 e outros importantes acordos foram adotados. Ao contrário, não podemos estar em paz enquanto os compromissos jurídicos não tiverem sido realmente respeitados e as promessas políticas não forem mantidas na vida das pessoas. Isto exige uma consideração atenta e honesta dos principais desafios que os povos do mundo devem enfrentar hoje e deverão enfrentar amanhã. Tendo isto em mente, respeitar de maneira responsável a Convenção-quadro sobre o clima e o Acordo de Paris, bem como pôr em prática a Agenda de ação de Adis Abeba da Agenda 2030, poderia ser uma forma de levar todos os países e as organizações internacionais a trabalhar juntos a favor da paz, deixando de lado o perigoso jogo de trocar ameaças.

É nesta perspectiva que a Santa Sé vê a iminente «reforma e adaptação do sistema de desenvolvimento das Nações Unidas» (António Guterres, Secretário-Geral designado, Observações à Assembleia geral no momento do juramento, 12 de dezembro de 2016) como uma ulterior oportunidade para inserir as pessoas e as suas exigências no centro das nossas ações. Ao fazê-lo, como nos recordou aqui há dois anos o Papa Francisco, devemos «permitir-lhes ser dignos atores do seu próprio destino» (Papa Francisco, Discurso aos Membros da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, Sede da ONU, 25 de setembro de 2015).

O cuidado da nossa casa comum

Senhor Presidente!

As Igrejas cristãs, em particular a ortodoxa e a católica, no dia 1 de setembro celebram juntas o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, com a finalidade de aumentar a consciência pública da responsabilidade compartilhada de cuidar da nossa casa comum e contribuir para inverter a degradação ambiental. Este ano, para celebrar o Dia Mundial de Oração, o Papa Francisco e o Patriarca ecuménico Bartolomeu publicaram uma Mensagem conjunta que reza assim: «A terra foi-nos confiada como dom sublime e como herança, cuja responsabilidade todos nós compartilhamos (...). A dignidade e a prosperidade humanas estão profundamente ligadas ao cuidado por toda a criação» (Mensagem conjunta do Papa Francisco e do Patriarca ecuménico Bartolomeu para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, Vaticano e Fanar, 1 de setembro de 2017; cf. também Papa Francisco, Carta Encíclica Laudato si’, n. 261; Papa Francisco, Carta para a instituição do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, 6 de agosto de 2015).

Este convite à preservação responsável adquire uma urgência especial perante as condições de degradação da nossa casa comum e de uma visão do mundo muitas vezes puramente utilitarista em relação àquilo que nos circunda. Cada dano causado ao meio ambiente é um prejuízo provocado à humanidade de hoje e de amanhã. Por conseguinte, o uso inadequado e a destruição do meio ambiente são acompanhados também por um interminável processo de exclusão, porque a degradação do planeta atinge, antes de tudo e em primeiro lugar, os biliões de pessoas que, no mundo inteiro, vivem aprisionadas na pobreza e em condições de tensão ambiental. Esta trágica realidade de exclusão e desigualdade deve impelir todos nós a examinar as nossas responsabilidades comuns e individuais. O apelo urgente e o desafio a cuidar da criação convidam a humanidade inteira a comprometer-se sem hesitar a favor de um desenvolvimento sustentável e integral.

Melhorar as condições climáticas e o meio ambiente natural só será possível se aceitarmos a necessidade de modificar a maneira de compreender o mundo e se mudarmos o modo de nos relacionarmos com ele. Por mais que a nossa casa comum continue a decair, podemos inverter a tendência da degradação ambiental. Com efeito, como o Papa Francisco salientou na sua Carta Encíclica Laudato si’, não obstante sejamos capazes do pior, contudo somos capazes do melhor, superando-nos a nós mesmos, escolhendo novamente aquilo que é bom e recomeçando do início (cf. Laudato si’, nn. 13, 58 e 205).

Diplomacia preventiva e responsabilidade de proteger

Senhor Presidente!

O dever de prevenir guerras e conflitos violentos constitui uma parte essencial da responsabilidade de proteger. Por conseguinte, a Santa Sé aprecia a ênfase explícita e vigorosa dada pelo Secretário-Geral à diplomacia preventiva e concorda com a sua opinião, segundo a qual «a falta mais grave» de «toda a comunidade internacional é a frequente incapacidade de evitar crises» (António Guterres, Secretário-Geral designado, Observações à Assembleia geral no instante juramento, 12 de dezembro de 2016). A prevenção exige, antes de tudo, que se restabeleça a confiança na capacidade que os homens têm de dialogar. É particularmente necessário um ambiente de confiança. Todos os países deveriam dar um passo urgente e decisivo para trás em relação à atual escalada de preparativos militares. As nações maiores e as que têm uma tradição mais forte de respeito pelos direitos humanos deveriam ser as primeiras a realizar generosos gestos de pacificação. É preciso lançar mão de todos os instrumentos diplomáticos e políticos de mediação para evitar o indizível.

Senhor Presidente!

Permita-me recordar o apelo lançado pelo Papa Pio XII a todas as nações, na vigília da segunda guerra mundial: «É com a força da razão, não com a das armas, que a Justiça progride (...) O perigo é iminente, mas ainda há tempo. Nada se perde com a paz. Tudo pode ser perdido com a guerra. Que os homens voltem a compreender-se. Recomecem as negociações. Tratando com boa vontade e com respeito os direitos recíprocos, dar-se-ão conta de que a negociações sinceras e eficazes nunca está fechado um sucesso excelente» (Papa Pio XII, Radiomensagem dirigida aos governantes e aos povos, no iminente perigo da guerra, 24 de agosto de 1939).

Neste contexto, gostaria de recordar que já passaram doze anos do histórico encontro dos líderes mundiais nesta mesma sala, para a assembleia mundial de 2005. Prestando atenção às pessoas, os chefes de Estado e os membros de Governo desta Organização alcançaram um consenso sobre a responsabilidade de proteger as populações contra o genocídio, crimes de guerra, purificação étnica e delitos feitos à humanidade (Documento final de 2005, 138-139). Não há dúvida alguma que é preciso um consenso político coletivo, mas é necessário promover também uma reflexão sobre os artigos 2.7 e 39 da Carta das Nações Unidas.

Por conseguinte, a Santa Sé apoia todas as iniciativas destinadas a facilitar o respeito pelas obrigações que estão na base da responsabilidade de proteger, mas gostaria de recordar mais uma vez à comunidade internacional que, sem um quadro jurídico e sem o respeito leal pelo Estado de direito internacional, a aplicação de tal Princípio não é praticável.

A guerra no Yemen provoca uma catástrofe humanitária de proporções apocalíticas. A tragédia da guerra na Síria continua a aumentar dia após dia. Os atores comprometidos deveriam sentar-se à mesa das negociações da Organização das Nações Unidas, com o único requisito prévio de respeitar as normas e os princípios do direito humano e de permitir o acesso e a assistência humanitária. Ao mesmo tempo os Estados, de maneira particular aqueles que, num determinado momento da história recente, participaram direta ou indiretamente no conflito, devem recorrer a todos os meios para alcançar o cessar-fogo, que é um primeiro passo rumo à paz.

A Santa Sé está particularmente preocupada com as divisões políticas, com a instabilidade na Venezuela e com a sua crise humanitária. Além disso, as complexas tensões políticas e diplomáticas na península arábica e a violência, juntamente com as variegadas situações humanitárias no Médio Oriente, devem ser enfrentadas de maneira adequada pela comunidade internacional. Todos devem buscar o fim da violência e a obtenção de «uma solução que permita tanto ao povo palestiniano como ao povo israelense viver finalmente em paz, dentro de fronteiras claramente estabelecidas e reconhecidas internacionalmente, tornando real a “solução de dois Estados”» (Papa Francisco, Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 12 de janeiro de 2015). A violência persistente e a tensão política intensa na República Democrática do Congo requerem um esforço urgente e eficaz de todas as partes, com a finalidade de encontrar uma solução para a crise constitucional. Além disso, é necessário promover uma consciência pública autêntica a respeito de algumas situações de conflito constante, em vista de alcançar uma solução negociada e pacífica, especialmente na Ucrânia, no Sudão do Sul e na República Centro-Africana, entre outros.

Como afirmou o Papa Francisco, nesta mesma linha existe «outro tipo de conflitualidade, nem sempre tão explícita, mas que silenciosamente comporta a morte de milhões de pessoas. Outra forma de guerra que muitas das nossas sociedades vivem com o fenómeno do narcotráfico» (Papa Francisco, Discurso aos Membros da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, Sede da ONU, 25 de setembro de 2015). O narcotráfico acrescentou-se a outras modalidades de corrupção, penetrando «nos diferentes níveis da vida social, política, militar, artística e religiosa, em muitos casos gerando uma estrutura paralela que põe em perigo a credibilidade das nossas instituições» (ibidem).

De maneira análoga, a Santa Sé enfrenta os desafios a fim de combater a corrupção e o terrorismo, assim como se compromete na promoção de uma paz estável e de um desenvolvimento sustentável em numerosos países do mundo. A Santa Sé deseja salientar mais uma vez que o terrorismo pode ser contrastado unicamente através de medidas mais harmoniosas e coerentes a nível internacional. Dad0 que o terror não conhece confins, a comunidade internacional deve agir no seu conjunto (cf. Missão Permanente da Santa Sé na Organização das Nações Unidas em Nova Iorque, Declaração na sexta Comissão da Assembleia Geral, tema em agenda n. 108, 5 de outubro de 2016).

Migrantes forçados refugiados e pessoas internamente deslocadas

Senhor Presidente!

A plena proteção das pessoas só é possível mediante uma paz duradoura. No entanto, a salvaguarda das populações civis deve ser garantida também durante as guerras. Os conflitos recentes e aqueles que se vão gangrenando, além de debilitar a ordem internacional, revelam as suas carências, provocando inexplicáveis sofrimentos, deslocamentos de massa, flagrantes violações dos direitos humanos universais e das liberdades fundamentais, assim como pobreza extrema. Não existem piores crises, causadas pelo homem, do que os conflitos violentos. Eles obrigam as pessoas a migrar ou a tornar-se refugiados. Geram atrocidades de massa e delitos contra a humanidade. Com efeito, como afirmou o Papa nesta Assembleia: «A guerra é a negação de todos os direitos» (Papa Francisco, Discurso aos Membros da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, Sede da ONU, 25 de setembro de 2015). A situação deplorável das centenas de milhões de migrantes e de refugiados que fogem de guerras, perseguições, catástrofes naturais e pobreza extrema, especialmente na Nigéria, Myanmar, Somália e alguns países da região subsariana, entre outros, constitui uma enorme responsabilidade para todos, sem excluir ninguém.

A nossa comum humanidade exorta-nos a todos — como sugeriu o Papa Francisco — a acolher, proteger, promover e integrar quantos fogem de semelhantes condições adversas (cf. Papa Francisco, Discurso aos participantes no Fórum internacional “Migrações e paz”, 21 de fevereiro de 2017). Estas quatro ações estão fundamentadas na proposição segundo a qual, não obstante os numerosos desafios reais ou imaginários, os migrantes representam um bem para a sociedade, mas também no princípio de solidariedade para com os necessitados. Elas exprimem de modo particular a nossa comum responsabilidade pelas vítimas de genocídio, crimes de guerra, purificação étnica e delitos contra a humanidade, que a comunidade internacional não conseguiu prevenir nem impedir, em evidente violação dos princípios do direito internacional.

A Santa Sé trabalhará vigorosamente a fim de que estes quatro conceitos sejam incluídos e refletidos no futuro Global Compact para uma migração segura, ordenada e regular, e no Global Compact para os refugiados. A Santa Sé considera que os processos que estão na base das Nações Unidas oferecem uma oportunidade singular para enfrentar juntos os desafios através da cooperação internacional e de uma responsabilidade compartilhada. A Santa Sé exorta a comunidade internacional a superar o atual impasse político e a ir além dos sentimentos negativos que enfrentamos ao abrir caminhos seguros, ordenados e regulares para a migração. Com a finalidade de alcançar o resultado almejado, é indispensável a contribuição das comunidades políticas, das sociedades civis e de todas as partes interessadas, cada qual segundo as próprias responsabilidades.

Enquanto alguns migrantes podem ser impelidos pelo desejo legítimo de melhorar a própria situação já aceitável, a maior parte deles preferiria não imigrar, se pudesse beneficiar da paz e da segurança económica no seu país de origem. Viver na própria pátria é um direito humano fundamental, mas só será um direito eficaz se as causas essenciais que obrigam as pessoas a migrar — como as guerras e os conflitos, as atrocidades e as perseguições de massa, assim como as situações desesperadas nos campos da economia e do meio ambiente — receberem soluções adequadas. Efetivamente, se puderem gozar das necessárias condições fundamentais, as pessoas não serão forçadas a deixar as próprias habitações, tornando a migração governável e voluntária. Portanto, na negociação dos Compacts, não podemos limitar-nos a frisar que os migrantes devem ser impedidos no seu caminho, que os refugiados devem ser detidos em campos, mas é preciso enfrentar as causas que os proíbem de viver com dignidade, obrigando-os a realizar viagens durante as quais arriscam a vida. O nosso objetivo deveria ser este. E deveria ser também um elemento fulcral do Global Compact para a migração.

O tráfico de pessoas

Senhor Presidente!

Outro grande desafio que a comunidade internacional deve enfrentar é o tráfico de pessoas. Na base deste tráfico e de outras formas contemporâneas de escravidão existem guerras e conflitos, pobreza extrema, subdesenvolvimento o exclusão, escassez de educação, falta de oportunidades de trabalho e também catástrofes ambientais. No entanto, devemos reconhecer que ao lado da exigência deste tráfico criminoso existe também um egoísmo rude, que alcança níveis inimagináveis de irresponsabilidade moral quando se refere ao tráfico de crianças, de órgãos, de tecidos e de embriões, e ao chamado turismo dos transplantes. Este comércio execrável é exacerbado pela corrupção de funcionários públicos e até de pessoas comuns, dispostas a fazer de tudo em troca de um lucro económico. Efetivamente, as crises da migração e dos refugiados continuam a favorecer o aumento do tráfico de pessoas, assim como de outras formas contemporâneas de escravidão.

A Santa Sé e a Igreja católica já se têm pronunciado desde há muito tempo contra o mal do tráfico de seres humanos, e através do trabalho duro de numerosas pessoas e instituições, procuraram combater as causas que estão na base do mesmo, cuidar das vítimas, suscitar consciência a propósito deste problema e trabalhar com todos e cada um, para procurar eliminá-lo. O Papa Francisco define o tráfico de seres humanos «uma chaga no corpo da humanidade contemporânea» (Papa Francisco, Discurso aos participantes na Conferência internacional sobre o tráfico de pessoas humanas, 10 de abril de 2014) e «um flagelo atroz que, em vasta escala, está presente no mundo inteiro» (Papa Francisco, Celebração com vários líderes religiosos, para a assinatura da Declaração conjunta contra a escravidão, 2 de dezembro de 2014).

No entanto, no fulcro deste mal encontram-se a perda total de respeito pela dignidade humana e a indiferença completa diante dos sofrimentos dos outros seres humanos. A escravidão moderna verifica-se quando os seres humanos são «tratados como objetos», e isto faz com que, em seguida, eles sejam «enganados, violentados, frequentemente vendidos várias vezes para diferentes finalidades, e acabam por ser assassinados ou contudo arruinados no corpo e na mente, e por fim descartados e abandonados» (Papa Francisco, Discurso a um grupo de Embaixadores, por ocasião da apresentação das Cartas Credenciais, 12 de dezembro de 2013). Voltar a centrar a atenção nas pessoas, colocá-las em primeiro lugar no trabalho geral desta Organização, deveria ajudar a contribuir de modo determinante para o combate contra o tráfico de pessoas e outras formas contemporâneas de escravidão.

O Papa Francisco convida todos, de maneira especial as autoridades competentes, a enfrentar este crime brutal através de instrumentos jurídicos eficazes, em vista de punir quantos obtêm lucro disto, para ajudar a curar e a reintegrar as vítimas e para erradicar as causas que estão na base do mesmo. A nossa resposta deve ser proporcional a este grande mal da nossa época.

O desarmamento em particular o desarmamento nuclear

Senhor Presidente!

O mundo está inundado por todos os tipos de armas, quer pelas nucleares quer pelas pequenas e pelas ligeiras. O comércio de armas, tanto legal como ilegal, continua a aumentar. A proliferação de armas, incluindo as de destruição de massa, entre os grupos terroristas e outros agentes não estatais, tornou-se um perigo concreto.

Estas tendências são deveras preocupantes, mas ainda mais inquietante é o profundo abismo que separa os compromissos das ações no campo do desarmamento e do controle de armas. Enquanto todos condenam os graves efeitos da proliferação de armas, na realidade nada mudou concretamente porque, como observou o Papa Francisco, «nós pronunciamos as palavras “nunca mais a guerra!” mas, ao mesmo tempo, construímos armas e vendemo-las... àqueles que já estão em guerra uns contra os outros» (cf. Papa Francisco, Entrevista ao semanário católico belga «Tertio», 7 de dezembro de 2016).

Isto deve mudar. A proliferação de armas simplesmente agrava as situações de conflito, provocando sofrimentos humanos e custos materiais inimagináveis, e minando profundamente o desenvolvimento, os direitos humanos e a busca de uma paz duradoura. Sem uma maior cooperação internacional e regional, de maneira particular entre os Estados fabricantes de armas, para controlar e limitar de modo severo a produção e o movimento de armas, um mundo livre de guerras e de conflitos violentos certamente continuará a ser apenas uma ilusão.

Quando dirigiu o seu discurso a esta Assembleia, há dois anos, o Papa Francisco chamou a atenção para a urgente necessidade de «trabalhar por um mundo sem armas nucleares aplicando plenamente, o Tratado de não-proliferação, na letra e no espírito, para se chegar a uma proibição total destes instrumentos» (Papa Francisco, Discurso aos Membros da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, Sede da ONU, 25 de setembro de 2015). Na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017, o Papa Francisco voltou a lançar um apelo a favor do desarmamento e «da proibição e abolição das armas nucleares» (Papa Francisco, Mensagem por ocasião da celebração do Dia Mundial da Paz, 1 de janeiro de 2017). Infelizmente, a proliferação de armas nucleares faz aumentar as tensões internacionais, como testemunha a península coreana. A história demonstra que os tratados regionais e bilaterais de não-proliferação de armas nucleares foram eficazes na criação de regiões inteiras livres deste tipo de armas. Neste sentido, parece ainda mais urgente investir na construção de circunstâncias que podem facilitar a redação de novos tratados bilaterais e regionais.

A Santa Sé assinou o Tratado sobre a proibição de armas nucleares e já depositou a sua ratificação, dado que a considera uma importante contribuição para o compromisso geral em vista da não-proliferação nuclear e do desarmamento total, um progresso rumo à assunção do compromisso dos Estados-membros do Tratado de não-proliferação a «concluir em boa fé as negociações sobre medidas eficazes em vista de uma próxima cessação da corrida aos armamentos nucleares e do desarmamento nuclear», e de um passo rumo à negociação de um «desarmamento geral e completo, sob rigoroso e eficaz controle internacional» (Tratado de não-proliferação nuclear, art. VI, 1 de julho de 1968).

Não obstante ainda haja muito a fazer a fim de que o Tratado de proibição das armas nucleares faça deveras a diferença e mantenha plenamente aquilo que promete, a Santa Sé considera que ele constitui mais um golpe na bigorna em vista do cumprimento da profecia de Isaías: «Das suas espadas forjarão relhas de arados, e das suas lanças, foices. Uma nação não levantará mais a espada contra a outra, e deixarão de se preparar para a guerra» (Is 2, 4).

Obrigado, Senhor Presidente!