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MENSAGEM PONTIFÍCIA
DO CARDEAL AGOSTINO CASAROLI
 POR OCASIÃO DA V ASSEMBLEIA GERAL
DO MOVIMENTO INTERNACIONAL DE APOSTOLADO
DOS MEIOS SOCIAIS INDEPENDENTES (MIAMSI)
 REALIZADA NO RIO DE JANEIRO

 

Senhor Presidente

É em nome do Santo Padre que tenho a alegria de me dirigir a Si e, por seu meio, aos responsáveis do MIAMSI, aos assistentes eclesiásticos e aos delegados dos diversos países, por ocasião da V Assembleia Geral. do Movimento, para manifestar toda a estima que o Papa João Paulo II lhes dedica e expressar os melhores votos por que este encontro dê numerosos frutos.

Reunida no Rio de Janeiro de 27 de Setembro a 5 de Outubro, esta Assembleia representa um tempo forte de oração e conversão, um sinal visível de comunhão eclesial e de catolicidade. É também momento privilegiado para reflectirdes sobre os compromissos tomados e revê-los em conjunto à luz da fé; e é ponto de partida para uma participação mais intensa na missão evangelizadora de toda a Igreja.

Jesus, presente pelo Seu Evangelho e na Eucaristia, acolhido na Igreja pela fé, anunciado pela palavra e pelo testemunho a todos os homens de todas as nações e, em particular, dos meios sociais que vos propondes evangelizar, seja para vós "o Caminho, a Verdade e a Vida", aquele que anime e guie o compromisso de todo o Movimento como de cada um dos seus membros.

Na tradição de toda a família dos movimentos de Acção católica especializada, o MIAMSI coloca-se num meio em geral privilegiado no plano do ter, do poder e do saber. A sua acção apostólica dirige-se portanto aos diferentes meios sociais que possuem um nível de vida e cultura elevados, e exercem funções importantes na sociedade. Sois assim chamados a tomar a vosso cargo numerosas tarefas e a responder a necessidades múltiplas. O que se pode chamar idolatria da riqueza, do poder e da razão, manifesta-se frequente e fortemente, vindo a parar numa crise; e vós mesmos observastes quanto esta idolatria caracteriza o vosso meio social. Cria miragens sedutoras que afectam o desenvolvimento do mundo moderno.

Há idolatria da riqueza quando todo o projecto de vida de pessoas, famílias, grupos sociais e povos, para além de uma busca legítima de segurança e progresso, se orienta para a acumulação e para o gozo de bens materiais; quando as pessoas se apoiam mais nestes do que noutros meios para resolver os problemas humanos ou simplesmente para atingir uma felicidade que se limite à satisfação dos instintos, ao hedonismo e nada mais; quando estes bens constituem a medida privilegiada do progresso e do desenvolvimento; quando os modelos de cultura de uma sociedade de consumo insaciável produzem uma escravização; quando, quem está a gozar uma opulência escandalosa; desperdiça, insensível aos apelos da grande miséria que aflige numerosas partes do mundo.

Devemos certamente alegrar-nos com o progresso económico que manifesta o domínio crescente do homem sobre a natureza, segundo a vontade do Criador, e é preciso animar todos os que oferecem contribuição para o desenvolvimento que se tornou o novo nome da paz. Mas o homem "não pode tornar-se escravo das coisas, escravo dos sistemas económicos, escravo da produção e escravo dos seus próprios produtos. Uma civilização de aspecto puramente materialista condena o homem a tal escravidão, mesmo que, bem claro, isto aconteça às vezes contra as intenções e os princípios dos seus pioneiros" (Enc. Redemptor hominis, 16). Se é nas riquezas que o homem coloca o seu coração, estas não podem senão gerar servidões e opressões em cadeia, quando ao contrário, administradas segundo os princípios éticos superiores, podem servir para responder equitativamente às necessidades materiais dos homens e dos povos. "Bem-aventurados os pobres" disse o Senhor; as bem-aventuranças chamam-nos a viver autenticamente as exigências do Evangelho, para além das retóricas inconsistentes, mas testemunhando de maneira coerente o Cristianismo no meio em que vivemos e trabalhamos.

Pode ainda falar-se da idolatria do poder quando este não é a expressão de um serviço para o bem comum; quando se concentra sob formas totalitárias, limitando ou violando as liberdades e os direitos inerentes à dignidade do homem e dos povos; quando tudo se julga segundo etiquetas políticas sem critério de bem nem de mal, de verdade nem de falsidade; quando se dominam pessoas; quando o fim justifica os meios; quando se considera um absoluto a transformação das estruturas, muitas vezes legítima e necessária, sem a fundar todavia numa verdadeira conversão do coração; quando se utiliza a violência como meio político; quando todo o compromisso se reduz exclusivamente a uma politização opressora.

Bem sabido é que Deus chamou os homens, os povos e as nações a serem protagonistas do seu próprio destino, participando no funcionamento da vida pública. Certas afirmações retóricas contra todo o poder parecem exprimir uma tendência masoquista à impotência e levariam a uma perigosa anarquia. Mas o "poder" deve ser considerado como instrumento para "poder servir", para "poder repartir" e para "poder amar" mais eficazmente. É por fim o bem do homem — digamos, da pessoa na comunidade — que, sendo factor fundamental do bem comum, deve constituir o critério essencial de todos os programas, sistemas e regimes (cf. Enc. Redemptor hominis, 17).

Há por fim urna idolatria do saber humano, quando, por orgulho, a razão se julga auto-suficiente; quando se reduz a um racionalismo que pretende ser o caminho único de aproximação quanto à realidade e à verdade, desconhecendo a riqueza da dimensão efectiva, cultural e religiosa do homem; quando o saber humano se quer, limitar aos frutos da razão prática, da ciência e da sua aplicação técnica; ou ainda, quando as pessoas se gabam de formar o escol ilustrado da sociedade, desprezando os pequenos, os humildes e os famintos a quem o Senhor trouxe socorro (cf. Lc 1, 50-53); quando o saber chega a opor-se à fé, a um modo de conhecimento supra-racional, de outra ordem que não a da razão humana, que, sem a contradizer nem a ela se substituir, a pode promover em plenitude.

Não se trata nisto de antigas idolatrias que, sob formas modernas, animam as linhas de força do secularismo, do materialismo e de um ateísmo antropocêntrico, cuja forte influência se exerce sobre os diferentes modelos de sociedade industrial e estão na base das tendências desumanas deste "humanismo" (cf. Exortação Evangelii nuntiandi, 53)?

Mas quando a noite parece muito escura, aparecem também sinais positivos, prenúncios da aurora. No lodaçal das civilizações tecnicamente avançadas mas moralmente ameaçadas, aparecem em claro-escuro sinais de exigência, de esperança e de afirmação de uma nova civilização, a "civilização do Amor".

Permiti-me evocar, agora estes sinais dos tempos na perspectiva do fim deste milénio, que nos abre vastíssimos horizontes.

Não se assiste a uma tomada de consciência crescente e a uma reivindicação da dignidade de toda a pessoa humana; da soberania dos povos, do desenvolvimento e da afirmação de diferentes culturas, não por isolamento patrioteiro, mas para enriquecer o património cultural da humanidade inteira? Não se assiste também à tomada de consciência do valor de uma vida, que não se mede pelo ter mas pela qualidade do ser, pelo desenvolvimento de todas as dimensões do homem? Não se nota a busca intensa do sentido fundamental e unificante na vida tanto pessoal como colectiva e, em particular, a afirmação, a exigência e mesmo a necessidade de vida religiosa nas pessoas e nos povos? Para um crente, isto não surpreende, pois o próprio Cristo mantém-se activo: "Pela Encarnação do Filho de Deus uniu-se em certo modo a todo o homem" (G.S. 22)... Jesus, Cristo torna-se, em certo modo, novamente presente, apesar da aparência de todas as suas ausências, apesar de todas as limitações da presença e da actividade institucional da Igreja. "Jesus Cristo torna-se presente com a potência da verdade e com o amor que se exprimiram n'Ele com uma plenitude única e irrepetível" (Enc. Redemptor hominis, 13).

Não se trata nisto de um salto no vácuo, de uma utopia, nem de um delírio de fim de século. Devemos ser capazes de discernir, com lucidez e realismo, os sinais anunciadores desta nova civilização; e, tomando em conta os períodos necessários, a complexidade e o enredo das situações, devemos tornar-nos, cada vez mais, protagonistas da sua edificação progressiva e paciente.

Estejamos convencidos que só por um reconhecimento, comum da paternidade divina encontrará a fraternidade humana a sua origem e o seu sentido profundo, poderá desenvolver-se plenamente tendo como frutos a caridade, a paz, a justiça, o progresso integral e solidário dos homens e dos povos. Dada a universalidade da mensagem cristã que nos convida a todos — homens e mulheres, de todas as raças, de todas as classes sociais e de todos os países —  a proclamarmos Jesus Cristo como Senhor da história e Cabeça do Corpo Místico, Sua Igreja, ninguém está excluído desta obra de evangelização.

A vós portanto, que participais na acção apostólica do MIAMSI, pede-se-vos de maneira especial que sejais discípulos e testemunhas da Boa Nova do Evangelho, para cooperar, pela luz e força que dela se desprendem, na conversão da consciência individual e colectiva dos homens, do vosso próximo e do vosso próprio meio social. Requer isto união profundíssima a Jesus Cristo, na meditação da Sua palavra, na oração, na participação nos sacramentos e na vida da Sua Igreja, para ser Ele quem opere em vós, para que seja a Sua caridade a expressar-se por meio de vós.

O Santo Padre ora especialmente por esta intenção e envia-vos a sua Bênção Apostólica, pedindo ao Espírito Santo que fecunde os trabalhos da vossa Assembleia e inspire cada um dos membros do MIAMSI.

Com o prazer de transmitir esta mensagem, peço-lhe que aceite, Senhor Presidente, a expressão de todo o meu afecto.

 

AGOSTINO Cardeal CASAROLI

 

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