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DECLARAÇÃO DA DELEGAÇÃO DA SANTA SÉ
 NA CONFERÊNCIA DEMOGRÁFICA EUROPEIA
 SOB O PATROCÍNIO DO CONSELHO DA EUROPA

Estrasburgo, 21-24 de Setembro de 1982

 

1. A Santa Sé sente-se feliz de participar nesta Conferência Europeia de 1982 sobre a população, para tratar do tema "Tendências demográficas e respostas políticas". Os documentos preparatórios da Conferência interessaram-se por um grande número de assuntos e fornecem muitas e úteis informações sobre os acontecimentos e as tendências demográficas nos países membros do Conselho da Europa. O programa e as reuniões anuais da Comissão directiva para as questões demográficas (CDDE), nas quais a Santa Sé participou como Observador, trouxeram uma contribuição muito útil ao exporem a situação da demografia europeia e na preparação da referida Conferência.

2. O interesse que a Santa Sé dedica ao tema da população não é simplesmente um interesse pelos acontecimentos demográficos, mas apoia-se sobre a geral preocupação da Igreja pela pessoa, isto é, tanto pela vida espiritual como pelo bem-estar material de cada ser humano. A informação demográfica é importante porque nos fornece dados sobre os resultados e as tendências referentes à vida e à segurança futura das gerações de hoje e de amanhã, e reconhece a importância do crescimento e/ou da regressão demográfica no estabelecimento de estratégias para o desenvolvimento humano e social. O debate e a exactidão da informação demográfica e sociológica ajudam as respostas políticas, habitualmente sob a forma de políticas demográficas nacionais.

3. As políticas demográficas devem tomar em consideração não só a informação científica e política, mas também as perspectivas éticas e morais. Por isso, as políticas demográficas deveriam basear-se num reconhecimento da dignidade e dos direitos da pessoa, como também do bem-estar e do futuro da sociedade humana.

4. A dignidade do homem baseia-se no facto que cada ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, e que possui não só uma história pessoal mas também um destino eterno. Deste modo, a pessoa não deveria ser considerada simplesmente como um objecto da política demográfica, mas como um participante activo cujos direitos humanos fundamentais devem ser respeitados.

O primeiro destes direitos humanos é o direito à vida em si mesma, que deveria ser sustentado pela sociedade e salvaguardado pela lei e pelos programas das autoridades públicas. Por conseguinte, uma política demográfica que respeita a vida do homem não pode aprovar nem o aborto nem a eutanásia. Pelo contrário, os governos deveriam encontrar os meios para tornar os homens — os jovens sobretudo — capazes de agir com toda a responsabilidade no que diz respeito à paternidade e à sexualidade; eles deveriam ajudar e apoiar os pais como também os seus filhos, durante todo o tempo da gravidez e da primeira infância. A paternidade não é apenas um facto particular que toca a um indivíduo, mas implica relação entre um homem e uma mulher, e diz respeito à vida e ao desenvolvimento humano de uma criança, como também ao futuro da sociedade. Normalmente, de maneira natural, tornam-se pais no seio da família e as políticas demográficas deveriam ajudar de modo consciente a família e reforçar a qualidade da vida familiar. Pois "à família estão ligados os valores fundamentais, que não se podem violar sem incalculáveis prejuízos de natureza moral" (Homilia de João Paulo II na igreja dedicada ao Santíssimo nome de Jesus, 31 de Dezembro de 1978).

5. O exercício da paternidade responsável baseia-se no valor da família e na natureza da pessoa, responsável do domínio de si no comportamento sexual, que deve ser livre de aceitar o matrimónio e de assumir os privilégios e as responsabilidades da paternidade, e "... de acolher, com alma grande, uma prole mais numerosa" (Gaudium et spes, 50).

Portanto, as decisões sobre o espaçamento dos nascimentos e o número de filhos deveriam ser tomadas pelo casal à luz das suas múltiplas responsabilidades para com Deus, para consigo mesmos e para com a família que já existe e a sociedade da qual o casal faz parte, e tais decisões devem respeitar a ordem moral que governa as relações das pessoas entre si e as dos indivíduos com a sociedade (cf. Populorum progressio, 37; Gaudium et spes, 87; Humanae vitae, 10).

6. A família, contudo, não vive num vazio. Toda a família sofre as influências sociais, económicas e políticas, pois cada uma é parte de numerosas outras comunidades, tais como a família de origem, as vizinhas, a nação, a Igreja. Isto comporta responsabilidades recíprocas.

O Concílio Vaticano II assim declarou:

"Com relação ao problema da população, na própria nação e dentro dos limites da própria competência, tem o governo direitos e deveres; assim, por exemplo, no que se refere à legislação social e familiar, ao êxodo das populações agrícolas para as cidades, à informação acerca da situação e necessidades nacionais" (Gaudium et spes, 87).

Ao falar amplamente deste argumento, João Paulo II escreveu na Exortação Apostólica Familiaris consortio:

"A família e a sociedade têm certamente uma função complementar na defesa e na promoção do bem de todos os homens e de cada homem. Mas as sociedades, e mais especificamente o Estado, devem reconhecer que a família é uma 'sociedade' que goza de direito próprio e primordial, e portanto nas suas relações com a família são gravemente obrigados ao respeito do princípio de subsidiaridade... As autoridades públicas, convencidas de que o bem da família constitui um indispensável e irrenunciável valor da comunidade civil, devem fazer o possível por assegurar às famílias todas aquelas ajudas — económicas, sociais, educativas, políticas, culturais — de que têm necessidade para fazer frente de modo humano a todas as suas responsabilidades" (n. 45).

7. A luz dos problemas particulares dos Estados membros do Conselho da Europa e dos problemas considerados nos documentos preparatórios da presente Conferência Demográfica Europeia de, 1982, a Santa Sé oferece as seguintes recomendações específicas:

— Os governos deveriam manter e preservar o valor do casamento e da vida familiar, ressaltando os benefícios que cada casal e a sociedade tiram da estabilidade do casamento e do estabelecimento de políticas sociais que protegem a família;

— deveriam proteger e preservar o valor da criança desde a sua concepção, pois a criança é um benefício para os seus pais e para o futuro da sociedade;

— deveriam garantir a liberdade de coacção sobre as decisões referentes à paternidade responsável, inclusivamente a coacção um tanto subtil invocada cm certas políticas demográficas e programas de planificação familiar;

— deveriam esforçar-se por eliminar a injustiça e as causas da pobreza, das doenças, da fome e da dependência económica que influenciam seriamente as famílias e colocam em perigo o seu bem-estar e a sua capacidade de agir; — deveriam reconhecer a importante contribuição dada pelas mulheres ao bem-estar da sociedade no desempenho do seu papel de mãe, e deveriam estabelecer políticas que assegurem a equidade financeira às mães de família desejosas de não trabalhar fora para cuidar dos seus filhos;

— deveriam proteger os casais contra as pressões psicológicas que favorecem unicamente as famílias limitadas e as sem filhos, e aprovar e encorajar de maneira adequada os casais que preferissem ter uma família relativamente mais numerosa.

8. De outra parte, a família também tem responsabilidades, de modo particular as de:

— dedicar-se a várias obras de serviço social (cf. Familiaris consortio, 44);

— assistir os deserdados, os doentes e as pessoas idosas (cf. Gaudium et spes, 66);

— dedicar-se às actividades com finalidade política, a fim de garantir que as leis e as instituições do Estado não só não ofendam mas sustentem e defendam positivamente os seus direitos e deveres (cf. Familiaris consortio, 44);

— criar uma influência positiva sobre as estruturas culturais, económicas e jurídicas, a fim de poderem ser satisfeitas de maneira apropriada as profundas necessidades de grupos específicos de famílias, tais como as dos emigrantes e as de quantos são obrigados a longas ausências (cf. Familiaris consortio, 77).

9. Como foi dito antes, o trabalho da Comissão directiva para as questões demográficas (CDDE) e os documentos preparatórios da Conferência forneceram muitas informações de natureza científica e política. A Santa Sé pede com insistência que uma igual atenção seja dada às perspectivas éticas — isto é, aos valores da dignidade humana, da justiça social e do bem comum — em todas as discussões sobre as tendências e as políticas demográficas.

Concluiremos as nossas observações recordando as palavras de João Paulo II referentes ao nosso domínio sobre o mundo criado e sobre os acontecimentos humanos, domínio que "consiste na prioridade da ética sobre a técnica, no primado da pessoa sobre as coisas e na superioridade do espírito sobre a matéria" (cf. Redemptor hominis, 16).

 

 

 

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