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SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

DECLARAÇÃO
ACERCA DE ALGUNS PONTOS
DA DOUTRINA TEOLÓGICA
DO PROF.
HANS KÜNG
*

 

A Igreja de Cristo recebeu de Deus o mandato de guardar e defender o depósito da fé, para que os fiéis todos, sob a guia do sagrado Magistério, mediante o qual opera na Igreja a pessoa de Cristo Mestre, adiram indefectivelmente à fé transmitida aos crentes duma vez para sempre, com recto juízo penetrem nela mais a fundo e a apliquem mais plenamente na vida [1].

O Magistério da Igreja, portanto, a fim de cumprir aquele grave dever só a ele confiado [2], serve-se do contributo dos teólogos, sobretudo dos que na Igreja receberam da autoridade o encargo de ensinar e são portanto, também eles, constituídos dalgum modo mestres da verdade. Na sua investigação os teólogos, não diversamente dos cultores doutras ciências, gozam duma legítima liberdade científica, dentro todavia dos limites do método da sagrada teologia, esforçando-se por conseguir, da maneira que lhe é própria, o mesmo fim específico do Magistério: “conservar, penetrar cada vez mais profundamente, expor, ensinar e defender o sagrado depósito da Revelação; isto é, iluminar a vida da Igreja e da humanidade com a verdade divina” [3].

É necessário portanto que, no aprofundamento e no ensino da doutrina católica, resplandeça sempre a fidelidade ao Magistério da Igreja, porque ninguém pode construir teologia senão em estreita união com aquele encargo de ensinar a verdade, de que só a Igreja é responsável [4].

Faltando esta fidelidade, prejudicam-se todos os fiéis, que, sendo obrigados a professar a fé que receberam de Deus por meio da Igreja, têm o sagrado direito de receber incontaminada a palavra de Deus, e portanto esperam que sejam mantidos longe deles, com cuidado, os erros que os ameaçam [5].

Portanto quando acontecer que um mestre de disciplinas sagradas escolha e difunda, como norma da verdade, o próprio parecer e não o pensamento da Igreja e, apesar de terem sido usados consigo todos os meios sugeridos pela caridade, continue no seu propósito, até a honestidade requer que a Igreja ponha em evidência tal comportamento e estabeleça que tal pessoa já não pode ensinar em virtude da missão dela recebida [6].

Tal missão canónica, de facto, é testemunho de confiança recíproca: confiança da competente autoridade eclesiástica relativamente ao teólogo, que no seu encargo de investigação e de ensino se comporta como teólogo católico; e confiança do mesmo teólogo relativamente à Igreja, por cujo mandato cumpre a sua missão, e relativamente à doutrina íntegra da mesma.

* * *

Como alguns escritos do sacerdote Professor Hans Küng, difundidos em tantos países, e a sua doutrina produzem perturbação na alma dos fiéis, os Bispos da Alemanha e a própria Congregação para a Doutrina da Fé, de comum acordo, repetidamente o aconselharam e admoestaram pretendendo levá-lo a exercer a sua actividade de teólogo em plena comunhão com o Magistério autêntico da Igreja.

Com tal espírito, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, cumprindo a sua missão de promover e tutelar a doutrina da fé e dos costumes na Igreja universal [7], com público documento de 15 de Fevereiro de 1975 declarou que algumas opiniões do Professor Hans Küng se opõem, em diversos graus, à doutrina da Igreja que todos os fiéis devem seguir. Entre elas indicou, como de maior importância, o dogma de fé na infalibilidade da Igreja e a missão de interpretar autenticamente o único depósito sagrado da palavra de Deus, confiado só ao Magistério vivo da Igreja, e também a consagração válida da Eucaristia.

Ao mesmo tempo esta Sagrada Congregação avisou o mencionado Professor que não continuasse a ensinar tais doutrinas, mantendo-se entretanto à espera de que ele harmonizasse as próprias opiniões com a doutrina do Magistério autêntico [8].

Todavia nenhuma mudança houve até agora nas citadas opiniões.

Consta isto, em especial no que diz respeito à opinião, que põe peio menos em dúvida o dogma dá infalibilidade na Igreja ou o reduz a certa indefectibilidade fundamental da Igreja na verdade, com a possibilidade de erro nas doutrinas que o Magistério da Igreja ensina deverem ser cridas de maneira definitiva. Neste ponto Hans Küng nada se conformou com a doutrina do Magistério; pelo contrário, recentemente apresentou de novo, ainda mais expressamente, a sua opinião (em particular nos escritos Kirche-gehalten in der Wahrheit?, Editora Benziger 1979, e Zum Geleit, introdução à obra de A. B. Hasler com o título Wie der Papst unfehlbar wurde, Editora Piper 1979), embora esta Sagrada Congregação tivesse então afirmado que ela contradiz a doutrina definida pelo Concílio Vaticano I e depois confirmada pelo Concílio Vaticano II.

Além disso, as consequências de tal opinião, sobretudo o desprezo pelo Magistério da Igreja, encontram-se ainda noutras obras por ele publicadas, sem dúvida com detrimento de vários pontos essenciais de fé católica (por exemplo, os relativos a Cristo consubstancial com o Pai, e à Bem-aventurada Virgem Maria), pois é atribuído a esses pontos um significado diverso daquele que entendeu e entende a Igreja.

A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, no documento de 1975, absteve-se, na altura, de nova acção quanto às mencionadas opiniões do Prof. Küng, presumindo que ele as viria a abandonar. Uma vez porém que tal presunção já não se pode manter, esta Sagrada Congregação, em virtude do seu cargo, sente-se obrigada a declarar actualmente que o Professor Hans Küng se afastou, nos seus escritos, da integridade da verdade da fé católica, e portanto já não pode ser considerado teólogo católico nem pode, como tal, exercer o cargo de ensinar.

No decurso da Audiência concedida ao abaixo assinado Cardeal Prefeito, o Sumo Pontífice João Paulo II aprovou a presente Declaração, decidida na reunião ordinária desta Congregação, e ordenou que fosse publicada.

Roma, na Sede da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 15 de Dezembro de 1979.

Franjo Cardeal Šeper
Prefeito

Fr. Jérôme Hamer, O.P.
Arcebispo Titular de Lorium
Secretário


Notas

* L’Osservatore Romano, Edição semanal, 30 de Dezembro de 1979, Pág. 8 (AAS 72 [1980], 90-92).

[1] Cfr. Conc. Vat. I, Const. dogm. Dei Filius, cap. IV “De fide et ratione”: DS 3018; Conc. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, n. 12.

[2] Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. Dei verbum, n. 10.

[3] Paulo VI, Discurso ao Congresso Internacional da Teologia do Concílio Vaticano II, 1.10.1966: AAS 58 (1966), 891.

[4] Cfr. João Paulo II, Const. apost. Sapientia christiana, art. 70; Enc. Redemptor hominis, n. 19: AAS 71 (1979), 493; 308.

[5] Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, nn. 11 e 25; Paulo VI, Exort. apost. Quinque iam anni: AAS 63 (1971), 99 s.

[6] Cfr. Sapientia christiana, tit. III, art. 27, par. 1: AAS 71 (1979), 483.

[7] Cfr. Motu Proprio Integrae servandae, nn. 1, 3 e 4: AAS 57 (1965), 954.

[8] Cf. AAS 67 (1975), 203-204.