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INTERVENÇÃO DA SANTA SÉ NA XXIV CONFERÊNCIA GERAL
DA AGÊNCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA ATÓMICA (AIEA)

DISCURSO DO CHEFE DA DELEGAÇÃO
MONS. MARIO PERESSIN

Viena, 22 de Setembro de 1980

 

Senhor Presidente

1. Permita-me, antes de tudo, apresentar as congratulações da Delegação da Santa Sé a Vossa Ex.cia por ocasião da sua eleição à Presidência desta importante Assembleia. Convencidos estamos de que a sua hábil liderança muito contribuirá para assegurar que seja frutuoso este encontro, dele resultando conclusões benéficas a povos e nações onde quer que se encontrem.

Senhor Presidente, a minha Delegação estudou com grande cuidado tanto o material e as publicações da Agência durante o ano passado, como os documentos da Agência para a XXIV Conferência Geral da Agência Internacional de Energia Atómica. Além disso, ponderou seriamente muitos tópicos focalizados no informe do proficiente Director Dr. Sigvard Eklund. Inteirou-se igualmente das muitas e interessantes declarações e propostas avançadas até ao presente no decurso do Debate Geral. Havendo reflectido sobre todo esse material, esta Delegação da Santa Sé gostaria de apresentar certos pontos à consideração de todas as distintas pessoas e nações aqui reunidas. Estes pensamentos baseiam-se nos trabalhos da Agência, mas derivam dos princípios antropológicos e sociais que se inspiram na nossa fé, e que foram expressos por Sua Santidade o Papa João Paulo II em alocuções à Organização das Nações Unidas em 2 de Outubro de 1979 e à Unesco em 2 de Junho do corrente ano.

2. Num mundo cada vez mais complexo e com exigências que requerem perícia científica e técnica, fazendo estarrecer a mente e a imaginação de tanta gente, homens e mulheres de ciência, bem como quem detenha posição de responsabilidade política, hão-de dar prova de sensibilidade cada vez maior face ao impacto que exercem sabre a vida dos cidadãos por este mundo fora, o avanço científico e as decisões políticas.

Existem muitas forças que podem ser usadas, e por vezes têm sido usadas com diversas manipulações para degradar a pessoa humana, controlar povos inteiros e criar uma sensação de alienação do ser humano frente ao seu verdadeiro significado (cf. Discurso à Unesco, n. 13). Sabemos que tal possibilidade não está ausente dos temas que nos interessam aqui. Incumbe, pois, a todos dentre nós que compartilham tamanha responsabilidade ou que dispõem dessa perícia, ter consciência autocrítica dos papéis que desempenhamos e dos objectivos que nos propomos a respeito deste elemento importante da vida humana. O Papa João Paulo II abordou esta questão de modo bem sucinto na sua alocução à Unesco, quando acentuou o seguinte: "Damo-nos conta, Senhoras e Senhores, de que o futuro do ser humano e do mundo está radicalmente ameaçado, a despeito das intenções, certamente nobres, das pessoas de cultura, das pessoas de ciência... Embora seja a ciência chamada a servir a vida humana, constitui facto frequente que seja ela subordinada a finalidades que destróem a real dignidade do ser humano e da vida humana" (Discurso à Unesco, n. 21).

O fantasma dos passados abusos da ciência assombram a humanidade hodierna, o potencial de mau uso dos progressos científicos para fins de fabricação ou de maior sofisticação de armas nucleares aumenta a apreensão que se apodera de tanta gente. Cônscios disto, todos nós aqui reunidos temos a tarefa primordial de garantir que o material por nós manipulado, seja efectivamente empregado só e exclusivamente para benefício da humanidade. Cabe-nos igualmente a tarefa de informar o público, com veracidade e honestidade, a respeito do significado dos objectivos e das implicações das opções que surjam de uma Assembleia como esta.

3. Relativamente ao primeiro problema, a saber, o de evitar-se o mau uso e abuso do poderio que temos, toma a peito esta Delegação recordar a todos aqui, como o tem feito no passado, que a ameaça de destruição nuclear mediante o uso de ogivas atómicas, constitui grave situação que vai de encontro ao bem-estar da humanidade. O Papa João Paulo II, na sua já mencionada alocução à Unesco, levantou a questão de se saber se hoje poderemos estar certos de que o estremecimento do delicado equilíbrio sobre o qual repousa o relacionamento internacional "não levaria à guerra, e a uma guerra que não hesitaria em recorrer às armas nucleares". E acrescentava: "Armas nucleares de qualquer ordem de grandeza ou de qualquer tipo que sejam, estão sendo aperfeiçoadas mais e mais cada ano, e estão sendo acumuladas nos arsenais de um número crescente de países. Como poderemos nós estar seguros de que o uso de armas nucleares, mesmo para fins de defesa nacional ou de conflitos circunscritos, não levará a uma inevitável escalada que iria dar numa devastação que a humanidade jamais poderá encarar ou aceitar?" (n. 21).

Infelizmente, a situação política corrente não dá garantias de progresso na via do desarmamento nuclear. Infelizmete, o apelo em prol de uma redução sistemática e recíproca dos armamentos em nome da humanidade, feito pelo Papa em 1 de Janeiro deste ano (cf. Homilia para o Dia Mundial da Paz), apelo este que ecoou na consciência de líderes religiosos e de grupos religiosos por todo o globo, não logrou alertar as pessoas responsáveis a um grau suficiente para tranquilizar um mundo que tem justificadas reservas quanto à situação presente.

4. Nesse clima é grande a nossa responsabilidade aqui. A utilização pacífica da energia nuclear, se é que haja razão de empregá-la, deve ser claramente separada, e vista como bem separada, do uso de materiais atómicos para fins de destruição. A tarefa e o empenho de todos aqui devem ser de cientistas e de estadistas devotados à ciência "ao serviço da vida humana". Para este escopo, gostaria de chamar a vossa atenção para uma dúplice consideração: a de uma visão e a de um meio.

A visão de que falo, está de facto num princípio normativo das nossas acções e decisões. Apela, em certos casos, para uma conversão de visual e de mentalidade. Hão-de se achar os motivos e nutrir as atitudes que inspirem esperança, esperança para a humanidade, esperança para esta terra, esperança para o futuro. O Papa João Paulo II falou da esperança, dizendo: "Esperança não é um desejo. Não é um sentimento vago. É uma categoria nascida da nossa experiência histórica e acalentada pelos nossos comuns anelos para o porvir... É um porvir a construir-se envidando, unidos, esforços para assegurar o bem comum mediante mútua cooperação e colaboração" (Mensagem à XI Sessão Especial das Nações Unidas, n. 16). Essa esperança, a que alude o Papa, não é de tipo ingénuo. Não ignora o facto de que existem tremendos problemas e dificuldades a serem enfrentados. Mas assevera que devemos compartilhar, como povos e nações neste minúsculo planeta, visão e atitude comuns que miram à defesa da humanidade, que procuram montar as estruturas necessárias, que embasam a disposição de trabalhar juntos para o bem de todos, repudiando o míope interesse egoísta de uns poucos.

A essa visão positiva de esperança pelo bem comum deve aliar-se a vontade política de alcançar tal meta. Vontade política é o meio principal para realizar esse ideal. Em muitos foros internacionais, e já por vários anos, através dos trabalhos e das pesquisas desta Agência, chegámos ao conhecimento de quais sejam os problemas que se nos deparam, e quais as soluções disponíveis. A chave para abrir a porta ao progresso é a vontade política que somente os que detêm responsabilidades nas suas respectivas nações são capazes de demonstrar. Se aqui buscamos providências para um futuro melhor para todos os povos desta terra, então só o poderemos efectivar na medida em que, realisticamente, nos empenharmos em montar estruturas que correspondam à vontade política dos dirigentes e das nações.

5. Na recente Conferência realizada em Genebra para rever o Tratado de Não-Proliferação, o representante da Santa Sé chamou a atenção para com esta Agência e o relevante papel que desempenha. Repetiu ele que as iniciativas desta Agência merecem encorajamento e aplicação (cf.. Intervenção da Santa Sé em L'Osservatore Romano, 20 de Agosto de 1980). Esta é a posição que a Santa Sé tem mantido já de algum tempo a esta parte e que esta Delegação deseja hoje repisar. Quanto mais esta Agência aprofundar o nosso conhecimento de como materiais atómicos possam ser empregados para o bem dos povos, tanto maior será o serviço que esta Agência estará prestando em vista de se fazerem opções benéficas em prol dos que delas precisam e as desejam, e tanto mais estará contribuindo para retemperar as forças da vida para o bem-estar de todos. O mundo não pode renunciar ao átomo. Mas deve ele garantir que o átomo será usado para o bem de todos. Deseja esta delegação recomendar aqueles programas da Agência que efectivam justamente isto. A possibilidade de conservação de alimentos mediante a Radiologia como meio de protecção às colheitas, as várias aplicações pioneiras na medicina, a pesquisa genética, o programa atinente à biologia marinha e à vida marinha de hoje, todos estes assuntos e tantos outros deveriam constituir razão de ufania e de bom desempenho por parte desta Agência.

No entanto, todos esses programas hão-de ser sempre conduzidos com senso de equidade e disponibilidade para com todos os Estados-Membros de acordo com as suas verdadeiras necessidades, e não meramente na medida do seu poderio e influência. Esta Agência e os seus Estados-membros estão comprometidos com o princípio de equidade contido na carta da AIEA e no Tratado de Não-Proliferação. O bem-estar das gerações presentes e futuras dos países industrializados não se há-de obter à custa do bem-estar das gerações presentes e futuras dos países em vias de desenvolvimento. A Agência pode fazer muito neste sentido mantendo os responsáveis a par das informações disponíveis e ajudando os que têm menos recursos a usarem essa informação para planejar o seu próprio futuro de maneira razoável e adequada.

6. Neste ano a Avaliação Internacional do Ciclo Energético Nuclear (INFCE) completou os seus três anos de actividade. A Agência constituiu parte imprescindível em todos esses estudos que culminaram nos volumes editados. Para peritos e líderes políticos, esses informes é de se esperar propiciem meios de reforçar "a segurança de abastecimento nuclear, ao mesmo tempo que minimizem o risco de proliferação de armas nucleares" (Boletim AIEA, vol. 22, n. 2, p. 32). Não seria talvez possível que a Agência simplifique alguns destes materiais ou dos seus similares, e encete um programa que torne disponível mais prontamente uma informação sólida e real para um público que precisa conhecê-la? A Agência tem preparado uma série de bons documentos acerca da segurança e do preparo em caso de emergência ou acidentes. Não seria este um meio útil para aprofundar a compreensão por parte de um público que quer saber de que se trata? Um desses documentos (Documento SG-G6 IAEA: "Preparo das Autoridades Públicas para Emergências em Centrais Nucleares", p. 34) sugere que se informe o público acerca das medidas a serem tomadas para a sua segurança... em encontros públicos, encontros entre a organização operativa e os representantes das autoridades locais". Posicionamento constante desta Delegação tem sido o de que manter bem informado o público é uma necessidade e de que, juntos, temos a obrigação e a responsabilidade de contribuir para uma informação sadia, bem apresentada, compreensível nos devidos níveis, para a gente de toda a parte.

7. Há dois anos, numa mensagem à Sessão Especial das Nações Unidas sobre o desarmamento, o Papa João Paulo II conjugou três problemas de maior monta: "Desarmamento, uma nova ordem mundial e desenvolvimento são três obrigações que estão indissoluvelmente ligadas entre si e que, pela sua essência, pressupõem uma renovação da clarividência política" (Mensagem, n. 8).

Estas palavras bem se poderia endereçá-las hoje a este órgão. Todos estes três assuntos interessam aos nossos trabalhos. Todos os três demandam empenho da nossa parte. A Agência deve tomar posição pelo desarmamento, deve colaborar com todo o esforço para pôr cobro à guerra nuclear. Deve a Agência colaborar com outrem rumo a uma nova ordem mundial, garantindo que os avanços neste sector da ciência e da tecnologia se tornem disponíveis de maneira adequada, com equidade e sem egoísmo consumístico, a todos os povos e nações, de acordo com as legítimas necessidades. E deste modo estará a própria Agência comprometida com o desenvolvimento, um desenvolvimento de todos os povos, um desenvolvimento de todas as nações, um desenvolvimento que "plasmará o futuro do género humano e construirá o grande e duradouro 'edifício da paz" (Mensagem XI Sessão Especial das Nações Unidas, n. 9).

Obrigado, Senhor Presidente.

 

 

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