DURANTE A CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA POR OCASIÃO DO CONGRESSO DOS NOVOS BISPOS ORDENADOS NOS ÚLTIMOS DOZE MESES Ateneu "Regina Apostolorum" Queridos Irmãos no Episcopado! Reunidos em volta do altar, gostaria antes de tudo de vos saudar e dar graças ao Senhor pelo dom que, na sua bondade misericordiosa, quis fazer a cada um de vós e, através de vós, à Igreja, chamando-vos para serdes guias e pastores do rebanho que lhe pertence. Cada doação exige também uma responsabilidade, e por isso me uno de bom grado a vós ao invocar o amparo do Espírito Santo, para que possais levar a cumprimento a missão que vos foi confiada. Nestes dias de oração comum, de reflexão e de intercâmbios de experiências tendes a possibilidade de enlaçar entre vós relações de conhecimento recíproco e de amizade, e ao mesmo tempo, podeis receber informações e conselhos que serão certamente úteis e oportunos para o vosso ministério episcopal. Provindes de diversos continentes trazendo no vosso coração as expectativas e as esperanças, assim como os desafios e as preocupações, das comunidades confiadas aos vossos cuidados pastorais. Tudo colocamos hoje, como em cada Celebração eucarística, no altar para que da escuta da palavra de Deus e da comunhão no Corpo e no Sangue de Cristo, possamos haurir aquela luz interior e aquele apoio sobrenatural indispensáveis para sermos, como gosta de repetir o Santo Padre Bento XVI, "servos humildes" da vinha do Senhor. Ao aprofundar o valor e a importância desta nossa missão são-nos de grande ajuda as leituras que há pouco foram proclamadas. Na primeira leitura, tirada da primeira Carta de São Paulo a Timóteo, pudemos ouvir um elenco das qualidades exigidas a quantos são chamados para desempenhar tarefas de responsabilidade no âmbito do Povo de Deus: "bispos" e "diáconos". Trata-se de um elenco reproduzido num esquema estereotipado que no ambiente greco-helenista servia para o retrato do candidato aos cargos públicos, e que correspondem ao ideal do homem honesto e estimado. Temos assim um conjunto de valores humanos, que podemos situar em três âmbitos fundamentais: o da maturidade ou da honestidade pessoal, o das relações sociais e por fim o da responsabilidade pública. No final, trata-se de qualidades humanas de base: o "bispo" observa o Apóstolo deve ser um homem honesto, de bom senso, sociável e estimado. Dele não se pretendem particulares capacidades gerenciais, nem capacidades próprias de um leader ou títulos académicos e de prestígio. No texto oferecido à nossa meditação, São Paulo admite que o Bispo tenha esposa (cf. 1 Tm 3, 2), e faz uma referência clara a uma exemplar vida conjugal e familiar. Sabemos bem como a tradição eclesial sucessiva tenha chegado a definir a lei eclesiástica do celibato como um dos princípios da disciplina e da espiritualidade do presbítero e do bispo. Muitos Padres e escritores eclesiásticos, na antiguidade cristã, testemunharam a difusão quer no Oriente quer no Ocidente da prática livre do celibato nos ministros sagrados. No que se refere à Igreja do Ocidente, desde o início do séc. IV, mediante a intervenção dos vários concílios provinciais e dos Sumos Pontífices, esta prática foi alargada e sancionada. Foram sobretudo os supremos pastores que promoveram, defenderam e restabeleceram o celibato eclesiástico, nas épocas sucessivas da sua história, mesmo quando se manifestavam oposições no próprio clero e os costumes da sociedade não eram favoráveis a este estado de vida. Numa época como a nossa, na qual de vez em quando se pretende pôr em questão esta já secular disciplina eclesial, é oportuno como nunca reafirmar o valor e a importância do celibato, compreender as razões profundas para o viver de modo sereno e convicto, contando sem dúvida sempre com a constante ajuda divina. A este propósito, parecem-me particularmente significativas duas referências muito autorizadas. A primeira tiro-a da Carta encíclica Sacertotalis caelibatus do inesquecível Servo de Deus, Paulo VI, que sobre o celibato escreveu páginas de extraordinária profundidade espiritual e pastoral num período histórico muito atormentado também no interior da Igreja. "Uma ajuda validíssima e insubstituível afirma Paulo VI referindo-se precisamente ao celibato - para a observância mais fácil e feliz dos deveres assumidos, os nossos caríssimos sacerdotes têm o direito e o dever de o encontrar em vós, veneráveis irmãos no episcopado... Toda a ternura de Jesus pelos seus apóstolos manifestou-se com toda a evidência quando ele os fez ministros do seu corpo real e místico, e também vós, em cuja pessoa está presente no meio dos crentes o Senhor Jesus Cristo, sumo pontífice, sabeis que o melhor do vosso coração e das vossas solicitudes pastorais as deveis aos sacerdotes e aos jovens que se preparam para tal" (n. 92). Em segundo lugar, apraz-me recordar aqui, devido à sua importância e expressividade, as palavras que o Santo Padre Bento XVI dirigiu à Cúria Romana em Dezembro do ano passado, na tradicional apresentação dos bons votos de Natal. "O verdadeiro fundamento do celibato disse naquela ocasião pode ser contido só na frase: Dominus pars Tu és a minha terra. Só pode ser teocêntrico. Não pode significar permanecer privados de amor, mas deve significar deixar-se invadir pela paixão por Deus, e aprender depois graças a um mais íntimo estar com Ele para servir também os homens". "O celibato acrescenta deve ser um testemunho de fé: a fé nele torna-se concreta naquela profunda forma de vida que só a partir de Deus tem sentido. Basear a sua vida sobre Ele, renunciando ao matrimónio e à família, significa que acolho e experimento Deus como realidade e por isso o posso levar aos homens. O nosso mundo que se tornou totalmente positivista, no qual Deus entra em jogo no máximo como hipótese, mas não como realidade concreta, tem necessidade deste basear-se em Deus do modo mais concreto e radical possível". E concluía: "Por isso o celibato é tão importante precisamente hoje, no nosso mundo actual, mesmo se o seu cumprimento nesta nossa época está continuamente ameaçado e posto em questão. É necessária uma preparação cuidadosa durante o caminho rumo a este objectivo; um acompanhamento persistente da parte do Bispo, de amigos sacerdotes e de leigos, que amparem juntos este testemunho sacerdotal. É necessária a oração que invoca sem tréguas Deus vivo e se apoia nele tanto nos momentos de confusão como nas horas da alegria" (Discurso de apresentação de bons votos de Natal, 22 de Dezembro de 2006). O próprio Bento XVI afirma assim na bela exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum caritatis: "É necessário reiterar o sentido profundo do celibato sacerdotal, justamente considerado uma riqueza inestimável... Com efeito, nesta opção do sacerdote encontram expressão peculiar a dedicação que o conforma a Cristo e a oferta exclusiva de si mesmo pelo reino de Deus. O facto de o próprio Cristo, eterno sacerdote, ter vivido a sua missão até ao sacrifício da cruz no estado de virgindade, constitui o ponto seguro de referência para perceber o sentido da tradição da Igreja Latina a tal respeito. Assim, não é suficiente compreender o celibato sacerdotal em termos meramente funcionais; na realidade, constitui uma especial conformação ao estilo de vida do próprio Cristo. Antes de mais, semelhante opção é esponsal: a identificação com o coração de Cristo Esposo que dá a vida pela sua Esposa" (n. 24). Voltemos agora à página evangélica que ouvimos atentamente, e que comentámos numerosas vezes nas nossas homilias. É um dos episódios, descritos com dever de pormenores e com tanta humildade pelo evangelista Lucas, que mostram com uma evidência extraordinária a bondade e o poder de Jesus (cf. Lc 7, 11-17). O Senhor vai a uma cidade da Galileia chamada Nain e, quando está próximo das portas da cidade, depara com um cortejo fúnebre: um jovem está a ser levado para o sepulcro, o qual é filho único de uma mãe viúva. Uma situação verdadeiramente triste que provoca em Jesus uma reacção de profunda compaixão! No texto original, para expressar os sentimentos de Cristo, Lucas usa o verbo esplanchnísthe cuja raiz significa "entranhas, coração", portanto poderia ser traduzido: "Comoveu-se profundamente". É o mesmo verbo que se repete noutros trechos do Evangelho: pense-se na parábola do bom samaritano (cf. Lc 10, 33); na narração da multiplicação dos pães (cf. Mt 14, 14; Mc 6, 34); na cura do leproso (cf. Mc 1, 41); no cântico de Zacarias (cf. Lc 1, 78), e ao qual se refere também o Papa no seu recente livro, ao escrever: "o Evangelho usa a palavra que em hebraico indicava originalmente o seio materno e a dedicação materna" (Gesù di Nazaret, pág. 234). Portanto, um verbo que indica o amor apaixonado de Deus e de Jesus pelo homem. Esta é a atitude característica de Jesus: ele está cheio de compaixão para com quem sofre. E é precisamente esta mesma compaixão que nós, seus colaboradores, somos chamados a testemunhar com a nossa existência e a nossa missão. Na Exortação apostólica pós-sinodal Pastores gregis, o saudoso Servo de Deus, João Paulo II escrevia: "Os fiéis devem poder contemplar, no rosto do Bispo, aquelas qualidades que são dom da graça e que nas bem-aventuranças constituem quase o auto-retrato de Cristo... Os fiéis hão-de poder ver, no seu Bispo, o rosto também daquele que continua a compaixão de Cristo pelos atribulados" (n. 18). Eis aqui traçado, queridos irmãos o estilo com que devemos levar a termo a tarefa empenhativa que nos foi confiada. Seguindo as pegadas de Cristo, cultivemos portanto um coração que saiba amar: um amor "virgem", isto é, totalmente plasmado por Cristo, e um amor "misericordioso", que seja capaz de tratar todos, em cada momento, com os seus próprios sentimentos. É-nos de encorajamento mais uma vez e, ainda mais, o exemplo do Santo Padre Bento XVI. Na Encíclica Deus caristas est, ele indica de facto a caridade, que tem origem em Deus e se derrama sobre os irmãos, como a fonte genuína de todo o agir cristão. Nesta luz, também o nosso ministério pastoral deve ser visto e exercido como um peculiar "serviço da caridade" (n. 19): um amor exclusivo a Deus, que se reflicta no acolhimento generoso antes de tudo aos nossos colaboradores mais estreitos, os presbíteros e os diáconos, e depois alcance cada pessoa que encontramos no nosso ministério quotidiano. Por isso, cultivemos um constante clima interior de contemplação e de contacto com Cristo e dirijamo-nos com confiança à intercessão da Virgem Maria, Mãe misericordiosa da Igreja e Rainha dos Apóstolos. Nossa Senhora, que no cenáculo ampara a oração do Colégio apostólico, nos obtenha a graça de nunca faltar à recomendação do amor que Cristo nos confiou, para a salvação da humanidade inteira. Assim seja!
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