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MENSAGEM DO CARDEAL SECRETÁRIO DE ESTADO,
EM NOME DO SANTO PADRE, AOS PARTICIPANTES
NA IV CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE
«O NOSSO OCEANO, UM OCEANO PARA A VIDA»

[MALTA, 5-6 DE OUTUBRO DE 2017]

 

Sinto-me feliz por transmitir as cordiais saudações de Sua Santidade o Papa Francisco a quantos estão reunidos para esta Quarta Conferência Internacional sobre O nosso oceano, um oceano para a vida.

A vossa Conferência trata questões complexas e correlatas como a saúde dos oceanos e a coordenação e a gestão de diversas atividades na superfície e no fundo dos mares. Sua Santidade aproveita esta ocasião para encorajar um esforço concertado a fim de enfrentar uma série de questões urgentes relativas diretamente ao bem-estar de muitíssimos homens e mulheres: o tráfico de seres humanos, o trabalho escravo e as condições desumanas de trabalho associados à indústria da pesca e à pesca comercial, o padrão de vida e as oportunidades de desenvolvimento nas comunidades litorâneas e nas famílias de quantos se dedicam à pesca, bem como a situação das ilhas ameaçadas pela elevação do nível dos mares.

Inevitavelmente, a reflexão sobre tais questões leva a duas conclusões. A primeira é o reconhecimento do nosso dever de assumir o cuidado dos oceanos como parte de uma visão integrada do desenvolvimento humano. A segunda diz respeito à necessidade de uma governação multilateral, dirigida à busca do bem comum e preparada para trabalhar a nível global e regional, guiada pelo direito internacional e inspirada pelo princípio de subsidiariedade e respeito pela dignidade de cada pessoa humana (cf. Laudato si’, 174).

Os oceanos são o património comum da família humana. Só com um profundo sentimento de humildade, admiração e gratidão podemos dizer que são “nossos”. Assumir o cuidado deste património comum inclui necessariamente a rejeição de modos de agir cínicos ou indiferentes. Não podemos fingir ignorar os problemas da poluição dos oceanos, causada por exemplo, pelo plástico e microplástico, que entram na cadeia alimentar e provocam graves consequências na saúde da vida marinha e humana. Nem podemos permanecer indiferentes diante da perda de barreiras coralinas, lugares essenciais para a sobrevivência da biodiversidade marinha e a saúde dos oceanos, enquanto assistimos à transformação de um maravilhoso mundo marinho num cemitério subaquático, sem cor nem vida (cf. Laudato si’, 41).

Os oceanos unem-nos e chamam-nos a trabalhar juntos. Como observou Sua Santidade na Laudato si’, “Tudo está interligado”. O nosso mundo hoje deve compreender que os oceanos são um recurso fundamental na luta contra a pobreza e a mudança climática, as quais estão intrinsecamente ligadas entre si (cf. Mensagem do Santo Padre ao presidente da 22ª sessão da Conferência dos Estados Parte na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas Cop22, 10 de novembro de 2016). São necessárias novas tecnologias para antecipar os diversos problemas relativos a uma gestão adequada dos oceanos, mas também uma mudança no nosso modo de viver e a proposta de novos modelos de produção e de consumo, a fim de promover um desenvolvimento humano integral e autêntico que aprecie a boa gestão e a assuma responsavelmente.

Por demasiado tempo pensava-se que a mera vastidão dos oceanos teria consentido a negligência, a eliminação de detritos tóxicos e a liberdade do controle das autoridades. Durante demasiado tempo não se demonstrou interesse algum pelos graves efeitos sobre os ecossistemas marinhos e litorâneos da exploração, muitas vezes não regulamentada, de alguns recursos dos oceanos. Penso por exemplo nos complexos e invasivos meios para extrair recursos minerais do fundo do mar que, graças aos progressos na tecnologia, são cada vez mais realizáveis e competitivos. Por demasiado tempo a atenção concentrou-se em situações de crime e tragédia humana no mar, sem enfrentar as suas causas de modo corajoso e adequado, as quais frequentemente estão na terra firme. É hora de trabalhar com maior responsabilidade para salvaguardar os nossos oceanos, a nossa casa comum e os nossos irmãos e irmãs, hoje e no futuro.

O livro do Génesis ensina-nos que no princípio “o espírito de Deus pairava sobre as águas” (1, 2). Este versículo recorda-nos que os oceanos têm uma particular importância para muitas religiões. A espiritualidade pode oferecer fortes incentivos para a proteção dos oceanos e, mais em geral, para o cuidado de toda a criação (cf. Laudato si’, 216). «A ciência e a religião, que fornecem diferentes abordagens da realidade, podem entrar num diálogo intenso e frutuoso para ambas» (Laudato si’, 62).

Os oceanos recordam-nos a necessidade de educar para a aliança entre a humanidade e o meio ambiente (cf. Laudato si’, 209-215). Por conseguinte, é preciso comprometer-se para formar os jovens a assumir o cuidado dos oceanos, mas também, onde for possível, ajudá-los a crescer no conhecimento, no apreço e na contemplação da sua vastidão e grandeza. De facto, a contemplação da criação pode dar-nos ensinamentos preciosos e ser uma fonte inesgotável de inspiração (cf. Laudato si’, 85).

Com a garantia do meu profundo interesse pessoal pelas deliberações desta Conferência, tenho a honra de confirmar os orantes bons votos do Papa Francisco e de transmitir a sua bênção.