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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL
[12-21 DE OUTUBRO DE 1991]

ENCONTRO COM OS BISPOS BRASILEIROS NO «CENTRO DE CONVENÇÕES» DE NATAL

DISCURSO DO SANTO PADRE

Domingo, 13 de Outubro de 1991

Amadíssimos Irmãos no Episcopado

1. Saúdo a todos, nesta grande sala do Centro de Convenções “Governador Lavoisier Maia”, que nos vê fraternalmente reunidos neste dia, querendo expressar o “afeto na caridade” que une o sucessor de Pedro com os Pastores da Igreja no Brasil: Desejo a todos, com palavras do Apóstolo São Paulo, “graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor”(1Tm 1, 2).

“Congregavit nos in unum Christi amor”.

Dou graças a Deus porque me concede a possibilidade de estar novamente convosco e de poder cumprimentar a todos fraternalmente como verdadeiros e autênticos mestres da fé, pontífices e Pastores (Cfr. Christus Dominus, 2).

Dou graças também a Deus porque me concede compartilhar, nestes momentos de íntima comunhão, a solicitude pastoral com que cuidais do rebanho que vos foi confiado. Seria praticamente impossível nomear a todos os que formais hoje o corpo episcopal da Igreja no Brasil. No entanto, não poderia deixar de citar, no seu conjunto, os novos membros da recém empossada direção da Conferência Episcopal, representados aqui na pessoa de seu Presidente, o Arcebispo de Mariana, Dom Luciano Mendes de Almeida.

Este momento, que agora nos é concedido viver, tem para mim o sabor de um reencontro cordial. Tenho ainda bem presente a grata lembrança dos dias em que, por ocasião das últimas visitas ad limina, pude compartilhar com os Bispos do Brasil seus anseios pastorais, receber o conforto de sua sentida comunhão com o sucessor de Pedro, conhecer mais de perto a abnegada dedicação com que se entregam à sua missão, e estudar, juntamente com eles, alguns dos imensos desafios que a evangelização apresenta em vosso país.

Em todas estas ocasiões, pude constatar, mais uma vez, a árdua tarefa que vos cabe numa Nação que, à grandeza das suas dimensões territoriais e do coração de sua gente, alia os mais dolorosos contrastes, as mais prementes carências espirituais e materiais.

A própria realidade, as concretas circunstâncias humanas, religiosas e sociais, das comunidades que Deus confiou ao vosso pastoreio, constituem um vigoroso apelo para uma renovada evangelização, que faça irradiar, com a força transformadora do fermento (Cf. Mt 13, 33), a Boa Nova nos corações de todos e de cada um dos homens e mulheres desta terra, no seio das famílias, nas múltiplas manifestações da cultura e na justa ordenação da sociedade.

2. No mês de junho passado, Vossa Conferência Episcopal publicou o texto das “Diretrizes Gerais para a Ação Pastoral”, discutidas na última Assembléia Geral de Itaici. Agradou-me sumamente sua leitura, na qual se percebe o equilíbrio, o realismo e o senso de preocupação pastoral com que planejastes vossa ação para os próximos quatro anos. Neste texto, empregastes uma feliz expressão, de que já me fiz eco: desafios pastorais. Sei que não vos falta a fé nem a coragem para enfrentar os inúmeros desafios que se apresentam à vossa missão evangelizadora. Sei também que, ao considerardes a urgente tarefa que vos cabe, tendes plena consciência de que é na união com Cristo e na fidelidade ao Seu Evangelho, ao autêntico Magistério e à disciplina da Igreja, que encontrareis a força para superar tantas dificuldades e sacrifícios que, no mundo de hoje, o ministério episcopal comporta; o incentivo para dedicar-vos com maior entusiasmo ao rebanho que vos está confiado; e o segredo da eficácia do vosso generoso zelo apostólico.

É especialmente sobre esses motivos de conforto e de esperança que hoje queria deter-me, neste colóquio fraternal com os irmãos Bispos do Brasil.

3. Em primeiro lugar, cumpre-vos ter sempre presente, caríssimos irmãos, que a alma, a força e a vida da evangelização - desta evangelização renovada a que nos convida a proximidade do quinto centenário da proclamação da fé no continente americano - é a “Palavra da salvação” ( At 13, 26), isto é, a Verdade do Evangelho que é “força de Deus para a salvação de todo o que crê” ( Rm 1, 16).

Preocupa-vos, e com razão, o panorama da grave carência de doutrina, da ignorância religiosa, que deixa vosso bom povo - tão naturalmente inclinado para a transcendência e para os valores cristãos da piedade e da fraternidade - à mercê das influências dissolventes de um ambiente de deterioração moral - tanto social e pública, como privada - e o torna facilmente vulnerável à sedução das seitas e dos novos grupos religiosos. Sua expansão preocupante nestes últimos anos no Brasil, como em toda a América Latina, deveria ser objeto de uma séria tomada de posição de vossa parte. Bem sei que a promoção destas seitas e grupos conta com fortes recursos econômicos e que sua pregação alicia o povo com falsas miragens, ilude com simplificações distorcidas e semeia confusão, sobretudo entre os mais simples e carentes de instrução religiosa. É importante, pois, que vossa pastoral, com profundo sentido missionário, saiba ocupar os espaços onde elas atuam, despertando no povo a alegria e o santo orgulho de pertencer à única Igreja de Cristo que subsiste na nossa Santa Igreja Católica (Cf. Lumen Gentium, 8).

Toda esta realidade deve continuar a incentivar-vos a um profundo exame de consciência - como sei que recentemente fizestes - e, em decorrência do mesmo, a assumir com novos rumos a grande responsabilidade que vos incumbe de serdes Mestres da fé.

4. Os Bispos do Brasil têm demonstrado, há muitos anos, uma particular sensibilidade por dar uma resposta cristã à premente fome de pão e de justiça do povo brasileiro. Deus vos abençoe e vos ajude a prosseguir - de acordo com o coração de Cristo - nessa nobre preocupação. Mas não vos esqueçais de que este propósito será autêntico na medida em que for profundamente evangélico, ou seja, na medida em que haurir sua seiva na doutrina social católica - que faz parte da mais vasta e rica doutrina moral da Igreja -, sem ceder à tentação deste tipo de teologia da libertação, que não se coaduna com o autêntico Magistério da Igreja (Cfr. Congregação para a Doutrina da Fé, Libertatis Nuntius, Introd).

Sim, o Papa encoraja e abençoa vossa preocupação inspirada no “amor preferencial - nunca exclusivo nem excludente - e na solicitude para com os pobres e necessitados”, de que falava a Conferência de Puebla ( Puebla, 386). Mas, ao recordar-vos vossa indeclinável responsabilidade, como Mestres da fé, quer incentivar-vos a assumir agora, com maior plenitude, vosso munus docendi e, especialmente, a urgente tarefa catequética que as circunstâncias de vosso país impõem.

5. Na minha última visita ao Brasil vivia-se a tensão entre os dois grandes blocos do oriente e do ocidente, com tantas ressonâncias em todo o mundo. Parecia então que o destino da organização econômico-social de qualquer país teria que optar entre o modelo capitalista e o do socialismo marxista. Naquela ocasião estava em preparação a Encíclica Laborem Exercens que tanta repercussão teve no Brasil. Nela, procurava a Igreja superar a visão parcial e relativa desta tensão mundial, chamando a atenção para o elemento decisivo que é a primazia da pessoa humana, em especial na sua vocação para o trabalho. Acenava-se mesmo para o que então se chamou, uma “nova civilização do trabalho”.

Passaram-se onze anos. O Papa volta ao Brasil em outros tempos. A tensão leste-oeste praticamente se esvaziou e muitos querem ver, neste acontecimento, uma vitória da opção capitalista-liberal, com a qual o mundo poderá entrar numa nova era de paz, de prosperidade econômica e desenvolvimento social. Não me cabe fazer prognósticos. Mas devo dizer-vos minha preocupação. Os últimos acontecimentos, de todos conhecidos, no Oriente médio, na península balcânica e em outros lugares estão nos mostrando, dolorosamente, quanto a paz está distante. Permanece, e parece mesmo que se acentua, o fosso entre os países mais desenvolvidos e os outros países, quer em via de desenvolvimento como o Brasil, quer em estágio ainda muito precário.

A lógica da dominação econômica, de imposição de modelos sem respeitar a legítima autodeterminação de cada povo e outros fatores criaram mecanismos perversos que estão impedindo o acesso de países como o Brasil, no nível das nações mais desenvolvidas. É verdade que esses países muito têm a fazer, em âmbito interno, para uma organização mais racional de sua economia, para a recuperação inadiável da moralidade administrativa, para a criação nos setores mais favorecidos e dinâmicos de uma maior sensibilidade social. Sobretudo, é fundamental o desenvolvimento quantitativo e qualitativo da educação, não só escolar mas inclusive do comportamento social e da mentalidade do povo. O subdesenvolvimento, todos sabemos, é antes de tudo um problema cultural no seu sentido mais amplo. Mas é preciso que se diga, com veemência, para que se ouça em todo o mundo, que a dívida externa de um país não poderá nunca ser paga à custa da fome e da miséria de seu povo!

Nestes últimos anos, dois importantes documentos enriqueceram a doutrina social da Igreja: as encíclicas “Sollicitudo Rei Socialis” e “Centesimus Annus”.

Nelas se repete, mais uma vez, que a Igreja não possui uma proposta concreta de organização social ou modelo econômico. Não é seu papel, nem é tarefa dos Bispos. Mas ela nunca poderá ficar calada, seja diante de quem for, quando estiver em jogo a vida, a liberdade, a dignidade da pessoa humana, de todos os homens em todas as latitudes, de qualquer raça, condição social ou credo religioso! Cabe a ela, como Sacramento de Jesus Cristo, Redentor do Homem, lembrar sempre e a todos os princípios permanentes, os critérios de ação e as exigências morais que devem reger a vida social, política e econômica, em cada nação ou no contexto internacional. Dentro, porém, do contexto nacional, e em cada diocese, é da grande responsabilidade da Conferência episcopal e de cada Bispo, como Mestres da fé.

6. Nesta linha de responsabilidade como Mestres da fé, quero encorajar todos os vossos esforços para desenvolver uma pregação e uma catequese cada vez mais ampla e profunda sobre o panorama inteiro das verdades da fé e da moral católica. Basta pensar na urgente necessidade de expor com firmeza a doutrina sobre a unidade e santidade do matrimônio, sobre o sentido cristão da sexualidade e do amor humano, sobre o caráter intangível da vida humana desde o primeiro momento da sua concepção.

Lembro ainda a importância capital do ensinamento claro sobre a sacralidade do mistério eucarístico e do culto litúrgico - que nesse mistério tem o seu centro. Preocupa-me, neste sentido, as tentativas que se vêm observando no Brasil, em alguns grupos, de uma aculturação da liturgia da Santa Missa e dos Sacramentos, sem levar na devida consideração que esta deve ser sempre uma expressão inequívoca da integridade de nossa fé.

Outro aspecto importante é a santidade do sacerdócio e o valor do celibato, a necessidade vital da prática do Sacramento da Reconciliação em sua expressão normal que é a confissão auricular e secreta, tão fecunda para uma evangelização renovada.

Todos estes temas têm sido objeto de vossa atenção e, a seu tempo, sabereis colocá-los em lugar de destaque na pauta de vossas Assembléias Gerais, bem como das reuniões do Conselho Permanente e da Comissão Episcopal de Pastoral e de Doutrina da vossa Conferência.

Defendei, com confiança em Deus e humildade, a íntegra doutrina da fé, não descurando, ao mesmo tempo, o dever que vos recordava há onze anos atrás, de apontar, de modo sereno e firme os erros - bem como as ambigüidades e as releituras subjetivas da Sagrada Escritura -, propondo com precisão a verdade aos fiéis (Discurso aos Bispos em Fortaleza, 2, 10 de julho de 1980).

7. Referia-me, no começo deste encontro, às fontes de onde os Pastores hão de haurir a sua força - virtus Christi (2Cor 12, 9) - e encontrar o segredo da fecundidade da sua missão.

Além da fidelidade à Palavra, mencionava também - como expressão da união com Cristo - a vivência da comunhão.

A própria Igreja, Corpo de Cristo ( 1Cor 12, 27), como recordavam os Bispos latino-americanos em Puebla, é um mistério de comunhão, reflexo do mistério da comunhão trinitária, que é o manancial de onde promana toda a comunhão eclesial ( Puebla 167 e 220).

Permiti-me lembrar-vos agora que, na vida e missão do Bispo, este mistério de comunhão se manifesta numa tríplice e inseparável dimensão.

- Em primeiro lugar, como diz São João, “nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo” ( 1Jo 1, 3). Daí decorre o dever primordial de procurar, com todas as forças, a santidade pessoal, ou seja, a íntima identificação com Jesus Cristo, “Bispo e Pastor das vossas almas” ( 1Pt 2, 25). Sede modelos de oração e de adoração, de fé, de caridade, de humildade, de espírito de serviço, enfim, de todas as virtudes, de modo que, por vosso intermédio, a presença de Cristo se manifeste no seio das vossas comunidades eclesiais.

- Em segundo lugar, tende sempre presente que essa comunhão com o Pai em Cristo, no Espírito Santo, é inseparável da estreita união dos membros do Colégio episcopal, sucessor do único Colégio apostólico, com o Romano Pontífice que é, por instituição do próprio Cristo, “o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade e da comunhão” (Lumen Gentium, 18).

Quero evocar agora, com alegria, o afeto com que os Bispos participantes do encontro que teve lugar em Roma em março deste ano, me expressaram - em nome de todo o Episcopado brasileiro - “o vivo desejo de comunhão com o Sucessor de Pedro”. Eu vos agradeço esta manifestação de fé e de adesão à Sé de Pedro e peço a Deus que a faça florescer mais e mais em realidades fecundas.

- Em terceiro lugar, é necessária uma sólida comunhão entre os Bispos que integram a Conferência Episcopal, organismo que tem na vivência da comunhão sua principal finalidade.

Se nos perguntássemos pelos princípios que devem animar esta comunhão, creio que encontraríamos uma resposta cabal naquela antiga e verdadeira fórmula, que permanece sempre válida: in necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas.

À luz desta verdade, é evidente que a unidade nas coisas necessárias é o pressuposto indispensável para que seja legítima a liberdade, e é também condição para que a união entre os membros da Conferência episcopal constitua expressão da caridade.

8. Tendo como base esta tríplice comunhão, todos os Bispos e cada um deles, serão também, “individualmente, o visível princípio e fundamento da unidade em suas Igrejas particulares, formadas à imagem da Igreja universal” ( Lumen Gentium, 23). É certamente grande a responsabilidade que cabe a cada Bispo na sua comunidade eclesial. Uma responsabilidade que não pode ficar diluída e da qual o Bispo não pode abdicar.

9. Saúdo para terminar, o Senhor Arcebispo de Natal, Dom Alaír Vilar Fernandes de Melo, e seu Auxiliar, Dom Antônio Soares Costa como também aos senhores Bispos do Brasil aqui presentes, ou que não puderam comparecer a este encontro. O Bispo de Roma, Pastor da Igreja universal, vos abençoa e invoca à Divina Providência abundantes graças celestiais, para uma renovada coragem no desempenho do ministério que vos foi confiado. Gostaria de abraçar-vos fraternalmente a todos, para animar-vos a pôr renovada energia na construção do Reino de Deus, a serviço do rebanho da Igreja particular que está entregue aos vossos cuidados.

Ao encerrar este encontro, dirijo o meu olhar e a minha confiança à Mãe comum, Nossa Senhora Aparecida. Em suas mãos, sob a sua proteção, desejo colocar agora vossas preocupações apostólicas, vossas alegrias e vossas dores, vossos trabalhos e vossa sacrificada dedicação. Nestas mãos maternas, coloco também as esperanças dos homens e das mulheres do Brasil, que tão entranhadamente estão no coração do Papa. Seja penhor desses desejos e dos dons do Céu, para todos, a minha e a vossa afetuosa Bênção Apostólica.

 



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