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VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA
31 DE OUTUBRO - 9 DE NOVEMBRO DE 1982

CELEBRAÇÃO DA PALAVRA NO SANTUÁRIO
 DE NOSSA SENHORA DE GUADALUPE

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Guadalupe, 4 de Novembro de 1982

 

Queridos Irmãos no Episcopado
Queridos irmãos e irmãs

1. Acabámos de ouvir a palavra de Javé dirigida a Abraão: "Deixa a tua terra, a tua família e a casa do teu pai, e vai para a terra que Eu te indicar. Farei de ti um grande povo" (Gén 12, 1 s.). Abraão respondeu a esta chamada divina e enfrentou as incertezas de uma longa viagem que iria converter-se em sinal característico do povo de Deus.

A promessa messiânica feita a Abraão está unida ao mandato de abandonar o seu país natal. No seu caminho para a terra prometida, começa também o imenso cortejo histórico da humanidade inteira em direcção da meta messiânica. A promessa cumprir-se-á precisamente entre os descendentes de Abraão, e por isso coube a eles a missão de preparar, dentro do género humano, o lugar para o Ungido de Deus, Jesus Cristo. Fazendo-se eco destas imagens bíblicas, o Concilio Vaticano II explica que "a comunidade cristã compõe-se de homens que, reunidos em volta de Cristo, são guiados pelo Espírito Santo em peregrinação para o reino do Pai" (Gaudium et spes, 1).

Ouvida aqui, junto do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, esta leitura do Antigo Testamento evoca a imagem de tantos filhos da Estremadura e da Espanha inteira que partiram, como emigrantes, da sua terra de origem para outras regiões e países.

2. Na Encíclica Laborem exercens sublinhei que "este fenómeno antigo" dos movimentos migratórios continuou ao longo dos séculos e adquiriu nos últimos tempos maiores dimensões devido às "grandes implicações da vida contemporânea" (n. 23).

O trabalhador tem o direito de abandonar o próprio pais em busca de melhores condições de vida, como também de a ele voltar (ibid.). No entanto a emigração comporta aspectos dolorosos. Por isso foi chamada "um mal necessário" (ibid.), pois constitui uma perda para o país que vê partir homens e mulheres na plenitude da sua vida.

Eles abandonam a sua comunidade cultural e vêem-se transplantados num ambiente novo com tradições diferentes e às vezes também com língua diferente. Atrás de si deixam talvez lugares condenados a um envelhecimento rápido da população, como acontece nalgumas províncias espanholas.

Seria muito mais humano se os responsáveis da ordem económica, como indicava o meu Predecessor o Papa João XXIII, procurassem que o capital estivesse em função do trabalhador e não vice-versa, "para oferecer a muitas pessoas a possibilidade concreta de se criarem um futuro melhor, sem se verem obrigadas a passar do seu próprio ambiente para outro diferente, mediante uma transplantação quase impossível de se realizar sem rupturas dolorosas e sem períodos difíceis de adaptação humana e de integração social" (Pacem in terris, 46).

Tal objectivo representa um verdadeiro desafio à inteligência e eficácia dos governantes, para procurarem evitar graves sacrifícios a tantas famílias, obrigadas a uma separação forçada que põe às vezes em perigo a estabilidade e a coesão da família, e com frequência as coloca diante de situações de injustiça" (Aos Bispos da Galiza, em visita "ad limina", 14 de Dezembro de 1981). Um desafio para os responsáveis da ordem nacional ou internacional, que devem preparar programas de equilíbrio entre regiões ricas e pobres.

3. Deve-se ter em conta que o sacrifício dos emigrantes representa também um contributo positivo para os lugares que os recebem e também para a pacífica convivência internacional, pois abre possibilidades económicas a grupos sociais deprimidos e alivia a pressão social que o desemprego produz, quando alcança quotas elevadas.

Infelizmente, a reorganização da mão-de-obra não é muitas vezes impelida por propósitos nobremente humanos, nem busca o bem da comunidade nacional e internacional; responde apenas, frequentemente, a movimentos incontrolados segundo a lei da oferta e da procura.

As regiões ou países que recebem esquecem-se com demasiada frequência que os trabalhadores imigrantes são seres arrancados, devido às necessidades, da sua terra natal. Não foram movidos pelo simples direito de emigrar, mas pelo jogo de alguns factores económicos alheios ao próprio emigrante. Em muitos casos trata-se de pessoas culturalmente sem valor, que devem passar graves dificuldades antes de se adaptarem ao novo ambiente, do qual provavelmente ignoram até mesmo a língua. Se se as submete a discriminações ou vexames, cairão vítimas de perigosas situações morais.

Por outro lado, as autoridades políticas e os próprios empresários têm a obrigação de não colocarem os emigrantes a um nível humano e de trabalho inferior ao dos trabalhadores do lugar ou pais que os recebe. E a população em geral deve evitar manifestações de hostilidade ou de recusa, respeitando as peculiaridades culturais e religiosas do emigrante. Às vezes ele é forçado a viver em casas indignas, a receber retribuições salariais discriminatórias ou a suportar uma segregação social e afectiva penosa, que o leva a sentir-se cidadão de segunda categoria. Deste modo, passam-se meses, e mesmo anos, até que a nova sociedade lhe mostre um rosto verdadeiramente humano. Esta crise existencial incide fortemente na religiosidade dos emigrantes, que facilmente se aniquilam num clima adverso.

4. Perante estes perigos e ameaças, a Igreja deve procurar oferecer a sua colaboração para que se obtenha uma resposta eficaz.

As soluções não dependem principalmente dela. No entanto ela pode e deve ajudar mediante o trabalho coordenado da comunidade eclesial do lugar de destino. Eu mesmo, nos anos passados, tive a oportunidade de me encontrar com muitos compatriotas meus emigrados em vários países do mundo; e pude comprovar quanto os ajuda e consola uma assistência religiosa vinda com o calor da pátria longínqua.

Considero por isso fundamental que os emigrantes se sintam acompanhados por capelães, se possível do seu próprio lugar ou país, sobretudo nos sítios onde existe a barreira linguística: o Sacerdote constitui para os imigrantes, sobretudo para os recém-chegados, uma referência confortante e além disso pode-lhes dar orientações valiosas nas inevitáveis situações iniciais. A este propósito, quero também encorajar o esforço que a Igreja na Espanha realiza, por meio dos secretariados de pastoral especializada, para integrar a comunidade cigana e eliminar qualquer vestígio de discriminação.

Às autoridades da nação ou lugar de origem, compete prestar todo o apoio possível aos cidadãos emigrados, especialmente se partiram para países estrangeiros. Uma grande percentagem dos emigrados no estrangeiro, mais tarde ou mais cedo regressarão à pátria, e nunca devem sentir-se desamparados pela nação a que pertencem e para a qual tencionam voltar. Entre os meios imprescindíveis para a realização deste contacto com a pátria, destacam-se as distribuições de material informativo, o sistema de ensino bilíngue para as crianças, a facilidade no exercício do voto, as visitas bem organizadas de grupos culturais ou artísticos e outras iniciativas semelhantes.

Porém, mais que ninguém, os responsáveis do país que recebe devem dirigir generosamente as suas iniciativas em favor dos emigrantes, com auxílios de trabalho, económicos e culturais, evitando que se convertam em simples rodas de engrenagem industrial, sem referência a valores humanos. Para medir a verdadeira estatura democrática de uma nação moderna, não há um sinal mais eficaz do que ver o seu comportamento com os imigrados.

5. Daí, compete também ao emigrante, por sua parte, um esforço leal para a convivência do novo ambiente, no qual se lhe oferece a possibilidade de trabalho estável e justamente retribuído. Muitas vezes, depende do seu comportamento dissipar dúvidas e lançar pontes de diálogo e simpatia.

Com particular cuidado, o emigrante e as autoridades locais devem coordenar a sua conduta, no caso de famílias que, provenientes de outra região espanhola, tenham intenção de se estabelecer definitivamente naquele território. As dificuldades podem aparecer quando, entre o lugar de origem e o que recebe, existe diferença de língua.

O emigrante deve aceitar com lealdade a sua situação real, expor a sua vontade de permanência e procurar inserir-se nos modos culturais do lugar ou região que o acolhe. Por seu lado, as autoridades não devem forçar o ritmo de inserção destas famílias, mas oferecer a possibilidade de uma entrada gradual e serena no novo ambiente, mostrar vontade pública de não discriminar por motivos de idioma, oferecer as facilidades escolares necessárias para que as crianças não se sintam desamparadas ou humilhadas na escola, dando-lhes o ensino bilíngue, sem imposições, e apoiar iniciativas que permitam aos emigrados conservar a seiva cultural da sua região de origem. Deste modo, evitam-se oposições penosas e inúteis, e o património cultural, ao mesmo tempo que dá, enriquecer-se-á silenciosamente com matizes trazidos de outros ambientes.

Uma especial palavra merece o novo drama causado aos emigrantes pela crise económica mundial, forçando-os a regressar à pátria por terem sido despedidos antes do tempo. A nações poderosas devem um justo tratamento a estes trabalhadores, que com grande sacrifício contribuíram para o desenvolvimento comum. Foram especialmente úteis, muito mais do que aquilo que se possa pagar com um simples salário. Eles, que são os mais fracos, merecem uma atenção particular que evite encerrar um capitulo da sua vida com um fracasso.

Ao pensar em tantas pessoas que se encontram longe dos seus lares, vem-me ao pensamento a situação dos detidos nos centros penitenciários. Muitos deles escreveram-me antes da minha viagem à Espanha. Desejo enviar-lhes a minha cordial saudação e assegurar-lhes a minha oração por eles, pelas suas intenções e necessidades.

6. A liturgia da palavra — como ouvimos antes — coloca-nos diante da figura de Abraão, nosso pai na fé. E também de Maria, que se põe a caminho de Nazaré para a Galileia, para "uma cidade de Judá" chamada Ain Karin, segundo a tradição. Ali, ao entrar "em casa de Zacarias, saudou Isabel", que pronunciou as palavras da conhecida bênção.

Juntamente com os homens, juntamente com as gerações desta terra da Estremadura e da Espanha, caminhava também Maria, a Mãe de Cristo. Nos novos lugares de habitação Ela saudava, no poder do Espírito Santo, os novos povos que respondiam com a fé e a veneração à Mãe de Deus.

Desta maneira, a promessa messiânica feita a Abraão difundia-se no Novo Mundo e nas Filipinas. Não é significativo encontrarmo-nos hoje no Santuário mariano de Guadalupe da terra espanhola, e contemporaneamente o Santuário homónimo do México ter-se convertido em lugar de peregrinação para toda a Hispano-América? Também eu tive a felicidade de ir como peregrino ao Guadalupe mexicano no princípio do meu serviço na Sé de Pedro.

E é aqui que, como noutras línguas, mas sobretudo em espanhol — uma vez que nesta língua se expressa a grande família dos povos hispânicos — ressoam constantemente as palavras com as quais um dia Isabel saudou Maria:

"Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? Pois logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio. Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor" (Lc 1, 42-45).

Bendita és tu! Esta saudação une milhões de corações, destas terras, da Espanha, de outros continentes, reunidos em torno de Maria, em Guadalupe, em tantas partes do mundo.

E assim, Maria não é só a Mãe solicita dos homens, dos povos, dos emigrantes. É também o modelo na fé e nas virtudes que temos de imitar durante a nossa peregrinação terrena. Assim seja, com a minha Bênção Apostólica para todos.

 



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