The Holy See
back up
Search
riga

CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA

 

ORIENTAÇÕES PARA A UTILIZAÇÃO
DAS COMPETÊNCIAS
PSICOLÓGICAS NA ADMISSÃO
E NA FORMAÇÃO
DOS CANDIDATOS AO SACERDÓCIO

 

I. A Igreja e o discernimento vocacional

1. “Toda a vocação cristã vem de Deus, é dom divino. Todavia, ela nunca é oferecida fora ou independentemente da Igreja, mas passa sempre na Igreja e mediante a Igreja [...] luminoso e vivo reflexo do mistério da Santíssima Trindade”.[1]

A Igreja, “geradora e educadora de vocações”,[2] tem o dever de discernir a vocação e a idoneidade dos candidatos ao ministério sacerdotal. De facto, “o chamamento interior do Espírito precisa ser reconhecido como autêntico chamamento pelo Bispo”.[3]

Ao promover esse discernimento e toda a formação para o ministério, a Igreja é movida por uma dupla atenção: salvaguardar o bem da sua própria missão e, ao mesmo tempo, o dos candidatos. Como cada vocação cristã, a vocação para o sacerdócio tem, com efeito, junto com a dimensão cristológica, uma dimensão eclesial essencial: “ela não só deriva 'da' Igreja e da sua mediação, não só se faz reconhecer e se realiza 'na' Igreja, mas se configura – no fundamental serviço a Deus – também e necessariamente como serviço 'à' Igreja. A vocação cristã, em qualquer das suas formas, é um dom destinado à edificação da Igreja, ao crescimento do Reino de Deus no mundo”.[4]

Desse modo, o bem da Igreja e o do candidato não são opostos entre si, pelo contrário são convergentes. Os responsáveis pela formação estão empenhados em harmonizá-los, considerando-os sempre simultaneamente na sua dinâmica interdependência: este é um aspecto essencial da grande responsabilidade do seu serviço à Igreja e às pessoas.[5]

2. O ministério sacerdotal, entendido e vivido como conformação a Cristo Esposo, Bom Pastor, requer dotes e virtudes morais e teologais, sustentados pelo equilíbrio humano e psíquico, particularmente afectivo, de modo a permitir que o indivíduo se predisponha adequadamente a uma doação de si verdadeiramente livre, na relação com os fiéis, numa vida celibatária.[6]

Tratando das diversas dimensões da formação sacerdotal – humana, espiritual, intelectual, pastoral – a Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, antes de se voltar para a dimensão espiritual, “elemento de máxima importância na educação sacerdotal”,[7] faz notar que a dimensão humana é o fundamento de toda a formação. Ela enumera uma série de virtudes humanas e de capacidades relacionais que se requerem do sacerdote, para que a sua personalidade seja uma “ponte e não um obstáculo para os outros no encontro com Jesus Cristo, Redentor do homem”.[8] Elas vão desde o equilíbrio geral da personalidade até à capacidade de carregar o peso das responsabilidades pastorais, desde o conhecimento profundo da alma humana até ao sentido da justiça e da lealdade.[9]

Algumas dessas qualidades merecem particular atenção: o sentido positivo e estável da própria identidade viril e a capacidade em relacionar-se de modo amadurecido com outras pessoas ou grupos de pessoas; um sólido sentido de pertença, fundamento da futura comunhão com o presbitério e de uma responsável colaboração com o ministério do bispo; [10] a liberdade em entusiasmar-se por grandes ideais e a coerência em realizá-los nas acções de cada dia; a coragem em tomar decisões e de permanecer fiel a elas; o conhecimento de si, das suas qualidades e limitações, integrando-as num apreço de si diante de Deus; a capacidade de se corrigir; o gosto pela beleza entendida como “esplendor da verdade” e a arte em reconhecê-la; a confiança que nasce da estima pelo outro e que leva ao acolhimento; a capacidade do candidato em integrar, segundo a visão cristã, a sua sexualidade, inclusive na consideração da obrigação do celibato.[11]

Tais disposições interiores devem ser plasmadas no caminho formativo do futuro presbítero, o qual, como homem de Deus e da Igreja, é chamado a edificar a comunidade eclesial. Ele, enamorado pelo Eterno, está voltado à autêntica e integral valorização do homem e a viver sempre mais a riqueza de sua própria afectividade no dom de si ao Deus uno e trino e aos irmãos, particularmente àqueles que sofrem.

Trata-se, obviamente, de objectivos que só podem ser alcançados por meio da contínua correspondência do candidato à obra da graça nele, e que são adquiridos num caminho de formação gradual, longo e nem sempre linear.[12]

Consciente do admirável e exigente entrelaçamento das dinâmicas humanas e espirituais na vocação, o candidato só tem a lucrar com o atento e responsável discernimento vocacional dirigido a descobrir caminhos personalizados de formação e a superar gradualmente as eventuais carências no plano espiritual e humano. É dever da Igreja fornecer aos candidatos uma integração eficaz da dimensão humana à luz da dimensão espiritual para a qual se abre e na qual se completa.[13]

II. Preparação dos formadores

3. Cada formador deveria ser um bom conhecedor da pessoa humana, dos seus ritmos de crescimento, das suas potencialidades e debilidades e do seu modo de viver a relação com Deus. Por isso, é desejável que os Bispos, utilizando experiências, programas e instituições bem comprovadas, providenciem a uma idónea preparação dos formadores na pedagogia vocacional, segundo as indicações já emanadas pela Congregação para a Educação Católica.[14]

Os formadores têm necessidade de uma preparação adequada
para exercer um discernimento que permita, no pleno respeito pela doutrina da Igreja acerca da vocação sacerdotal, tanto decidir de modo razoavelmente seguro com vista à admissão ao Seminário ou à Casa de formação do clero religioso, ou então à dispensa deles por motivo de não idoneidade, como acompanhar o candidato rumo à aquisição das virtudes morais e teologais necessárias para viver em coerência e liberdade interior a doação total da própria vida para ser “servidor da Igreja comunhão”.[15]

4. O documento Orientações educativas para a formação para o celibato sacerdotal, desta Congregação para a Educação Católica, reconhece que “os erros de discernimento das vocações não são raros, e demasiadas inaptidões psíquicas, mais ou menos patológicas, tornam-se manifestas somente após a ordenação sacerdotal. Discerní-las a tempo permitirá evitar tantos dramas”.[16]

Isso exige que cada formador tenha a sensibilidade e a preparação psicológica adequadas [17] para estar, tanto quanto possível, em grau de perceber as reais motivações do candidato, de discernir os obstáculos na integração entre a maturidade humana e cristã e as eventuais psicopatologias. Ele deve ponderar cuidadosamente e com muita prudência a história do candidato. Entretanto, esta não pode constituir por si só o critério decisivo, suficiente para julgar a admissão à formação ou a demissão. O formador deve saber avaliar quer a pessoa na sua globalidade e progressividade de desenvolvimento – com os seus pontos fortes e os seus pontos fracos –, quer a consciência que ela tem dos seus problemas, quer ainda a sua capacidade de controlar responsável e livremente o próprio comportamento.

Por isso, cada formador deve estar preparado, também por meio de cursos específicos adequados, para a mais profunda compreensão da pessoa humana e das exigências da sua formação para o ministério ordenado. Para tal fim, podem ser muito úteis as reuniões de confronto e esclarecimento com especialistas em ciências psicológicas sobre algumas temáticas específicas.

III. Contributo da psicologia para o discernimento e a formação

5. Como fruto de um particular dom de Deus, a vocação para o sacerdócio e o seu discernimento extrapolam o âmbito estreito da psicologia. Todavia, para uma avaliação mais segura da situação psíquica do candidato, das suas atitudes humanas na resposta ao chamamento divino, e para um auxílio posterior no seu crescimento humano, pode ser útil nalguns casos o recurso a especialistas em ciências psicológicas. Eles podem oferecer aos formadores não somente um parecer sobre a diagnose e a eventual terapia dos distúrbios psíquicos, mas também dar um contributo no apoio para o desenvolvimento das qualidades humanas, sobretudo requeridas pelo exercício do ministério,[18] sugerindo itinerários aptos para favorecer uma resposta vocacional mais livre.

A formação para o sacerdócio deve ainda ter em conta as múltiplas manifestações daquele desequilíbrio que está radicado no coração do homem [19] – e que se manifesta de modo particular nas contradições entre o ideal de oblação, ao qual o candidato aspira conscientemente, e a sua vida concreta –, como também as dificuldades próprias de um desenvolvimento progressivo das virtudes morais. O auxílio do director espiritual e do confessor é fundamental e imprescindível para superá-las com a graça de Deus. Nalguns casos, porém, o desenvolvimento dessas qualidades morais pode ser impedido por particulares feridas do passado, ainda não curadas.

De facto, aqueles que hoje pedem para entrar no Seminário reflectem, de modo mais ou menos acentuado, o desconforto de uma mentalidade emergente caracterizada pelo consumismo, pela instabilidade nas relações familiares e sociais, pelo relativismo moral, por visões erradas da sexualidade, pela precariedade das opções, por uma sistemática negação dos valores, sobretudo, por parte dos meios de comunicação de massa.

Entre os candidatos podem-se encontrar alguns que provêm de experiências particulares – humanas, familiares, profissionais, intelectuais, afectivas – as quais, de várias maneiras, deixaram feridas ainda não curadas e que provocam distúrbios, desconhecidos no seu real alcance pelo próprio candidato e, frequentemente, por ele atribuídos erroneamente a causas externas a si, sem ter, portanto, a possibilidade de enfrentá-los adequadamente.[20]

É evidente que tudo isso pode condicionar a capacidade de progredir no caminho formativo para o sacerdócio.

“Si casus ferat” [21] – ou seja, nos casos excepcionais que apresentam dificuldades especiais –, o recurso a especialistas em ciências psicológicas, quer antes da admissão ao Seminário quer durante o caminho formativo, pode ajudar o candidato na superação das feridas, em vista de uma cada vez mais estável e profunda interiorização do estilo de vida de Jesus Bom Pastor, Cabeça e Esposo da Igreja.[22]

Para uma correcta avaliação da personalidade do candidato, o especialista poderá recorrer a entrevistas ou a testes, agindo sempre com o prévio, explícito, informado e livre consentimento do candidato.[23]

Considerada a particular complexidade da questão, deverá ser evitado o uso de especializadas técnicas psicológicas ou psicoterapêuticas por parte dos formadores.

6. É útil que o Reitor e os outros formadores possam contar com a colaboração de especialistas nas ciências psicológicas, mesmo que estes não possam fazer parte da equipa de formadores. Os especialistas deverão ter adquirido competência específica no campo vocacional e unir ao profissionalismo a sabedoria do Espírito.

Para melhor garantir a integração com a formação moral e espiritual, evitando nocivas confusões ou divergências, na escolha dos especialistas aos quais se recorrerá no aconselhamento psicológico, tenha-se presente que estes, além de se distinguirem pela sólida maturidade humana e espiritual, devem inspirar-se numa antropologia que abertamente partilhe da concepção cristã acerca da pessoa humana, da sexualidade, da vocação para o sacerdócio e para o celibato, de modo que a sua intervenção tome em conta o mistério do homem no seu diálogo pessoal com Deus, segundo a visão da Igreja.

Onde tais especialistas não estiverem disponíveis, providencie-se à sua específica preparação.[24]

O auxílio das ciências psicológicas deve integrar-se no quadro da formação global do candidato, de modo a não impedir, mas a assegurar particularmente a salvaguarda do valor irrenunciável do acompanhamento espiritual, cuja obrigação é manter o candidato orientado para a verdade do ministério ordenado, segundo a visão da Igreja. O clima de fé, oração, meditação da Palavra de Deus, estudo da teologia e de vida comunitária – fundamental para o amadurecimento de uma resposta generosa à vocação recebida de Deus – permitirá ao candidato uma compreensão correcta do significado e a integração do recurso às competências da psicologia no seu caminho vocacional.

7. O recurso a especialistas nas ciências psicológicas deverá ser regulado nos diversos países pelas respectivas Rationes institutionis sacerdotalis e em cada Seminário pelo Ordinário ou Superior Maior competente, com fidelidade e em coerência com os princípios e as directrizes do presente Documento.

a) Discernimento inicial

8. É necessário, desde o momento em que o candidato se apresenta para ser recebido no Seminário, que o formador possa conhecer cuidadosamente a sua personalidade, as potencialidades, as disposições e os diversos tipos eventuais de feridas, avaliando a natureza e a intensidade.

Não se pode esquecer a possível tendência de alguns candidatos em minimizar ou em negar as suas debilidades: estes não revelam aos formadores algumas das suas graves dificuldades, temendo não serem bem entendidos e não serem aceites. Cultivam, assim, expectativas pouco realistas em relação ao seu futuro. Por outro lado, há candidatos que tendem a enfatizar as suas dificuldades, considerando-as um obstáculo intransponível para o caminho vocacional.

O discernimento, no momento oportuno, dos eventuais problemas que constituem um obstáculo ao caminho vocacional – como a dependência afectiva excessiva, a agressividade desproporcionada, a insuficiente capacidade em manter-se fiel aos compromissos assumidos e em estabelecer relações serenas de abertura, de confiança e de colaboração fraterna e com a autoridade, a identidade sexual confusa ou ainda não bem definida – só pode ser de grande benefício para a pessoa, para as instituições vocacionais e para a Igreja.

Na fase do discernimento inicial, no caso de dúvida sobre a presença de distúrbios psíquicos, o auxílio de especialistas em ciências psicológicas pode ser necessário, sobretudo ao nível do diagnóstico. No caso de se constatar a necessidade de uma terapia, esta deveria ser realizada antes da admissão ao Seminário ou à Casa de Formação.

O auxílio de especialistas pode ser útil aos formadores também para traçar um caminho formativo personalizado segundo as exigências específicas do candidato.

Na avaliação da possibilidade em viver, na fidelidade e alegria, o carisma do celibato, como um dom total da própria vida à imagem de Cristo, Cabeça e Pastor da Igreja, tenha-se presente que não basta certificar-se da capacidade de abstinência do exercício da genitalidade, mas é necessário igualmente avaliar a orientação sexual segundo as indicações promulgadas por esta Congregação.[25] A castidade para o Reino, de facto, é muito mais do que uma simples ausência de relações sexuais.

À luz das finalidades indicadas, a consulta psicológica pode, nalguns casos, revelar-se útil.

b) Formação sucessiva

9. No período da formação, o recurso a especialistas em ciências psicológicas, além de responder às necessidades geradas por eventuais crises, pode ser útil para sustentar o candidato no seu caminho para uma posse mais segura das virtudes morais; pode fornecer ao candidato um conhecimento mais profundo da sua própria personalidade e pode contribuir para superar, ou para tornar menos rígidas, as resistências psíquicas às propostas formativas.

Um maior domínio não só das próprias debilidades, como também das própias forças humanas e espirituais,[26] permite a doação a Deus com a devida consciência e liberdade, na responsabilidade para consigo mesmo e para com a Igreja.

Não se pode subestimar, todavia, o facto de que a maturidade cristã e vocacional alcançável graças ao auxílio das competências psicológicas, embora iluminadas e integradas pelos dados da antropologia da vocação cristã e, portanto, da graça, nunca estará isenta de dificuldades e tensões que exigem disciplina interior, espírito de sacrifício, aceitação das fadigas e da cruz,[27] e confiança no auxílio insubstituível da graça.[28]

10. O caminho formativo deverá ser interrompido no caso do candidato, apesar do seu empenho, do apoio do psicólogo ou da psicoterapia, continuar a manifestar incapacidade para enfrentar de modo realista, ainda que com o progresso do crescimento humano, as suas graves imaturidades (fortes dependências afectivas, notável falta de liberdade nas relações, excessiva rigidez de carácter, falta de lealdade, identidade sexual incerta, tendências homossexuais fortemente enraizadas, etc.).

O mesmo vale também no caso de se tornar evidente a dificuldade em viver a castidade no celibato, vivido como uma obrigação tão penosa a ponto de comprometer o equilíbrio afectivo e relacional.

IV. A solicitação de investigações especializadas e o respeito pela intimidade do candidato

11. Cabe à Igreja escolher as pessoas que considera aptas para o ministério pastoral e é seu direito e dever verificar a presença das qualidades requeridas naqueles que ela admite ao ministério sagrado.[29]

O cân. 1051, 1º do Código de Direito Canónico prevê que, para o escrutínio das qualidades requeridas para a ordenação, providencie-se, entre outras coisas, à investigação sobre o estado de saúde física e psíquica do candidato.[30]

O cân. 1052 estabelece que o Bispo, para poder proceder à ordenação, deve ter certeza moral acerca da idoneidade do candidato, “provada com argumentos positivos” (§ 1) e que, no caso de uma dúvida fundada, não deve proceder à ordenação (cf. § 3).

Resulta daí que a Igreja tem o direito de verificar, inclusive recorrendo à ciência médica e psicológica, a idoneidade dos futuros presbíteros. De facto, cabe ao Bispo ou ao Superior competente não só submeter a exame a idoneidade do candidato, mas também reconhecê-la. O candidato ao presbiterado não pode impor as suas próprias condições pessoais, mas deve aceitar com humildade e gratidão as normas e as condições que a própria Igreja, pela sua parte de responsabilidade, estabelece.[31] Por isso, em caso de dúvida acerca da idoneidade, a admissão ao Seminário ou à Casa de Formação só será possível, por vezes, após uma avaliação psicológica da personalidade.

12. O direito e o dever da instituição formativa em adquirir os conhecimentos necessários para fazer um juízo prudentemente certo sobre a idoneidade do candidato não podem lesar o direito à boa fama da qual a pessoa goza, nem o direito em defender a sua intimidade, como prescrito pelo cân. 220 do Código de Direito Canónico. Isso significa que só se poderá proceder à averiguação psicológica com o prévio, explícito, esclarecido e livre consentimento do candidato.

Os formadores assegurem uma atmosfera de confiança, de modo que o candidato possa abrir-se e participar com convicção na obra de discernimento e de acompanhamento, oferecendo a “sua pessoal, convicta e cordial colaboração”.[32] Requer-se dele uma abertura sincera e confiante para com os seus formadores. Somente fazendo-se conhecer sinceramente por eles poderá ser ajudado no caminho espiritual que ele mesmo procura ao entrar no Seminário.

Importantes, e frequentemente determinantes para superar eventuais incompreensões, serão tanto o clima educativo entre alunos e formadores – marcado pela abertura e transparência – bem como as motivações e modalidades com as quais os formadores apresentarão ao candidato a sugestão de uma consulta psicológica.

Evite-se a impressão de que tal sugestão signifique o prelúdio de uma inevitável dispensa do Seminário ou da Casa de Formação.

O candidato poderá dirigir-se livremente a um psicólogo, escolhido entre os indicados pelos formadores, ou a um outro escolhido por ele mesmo e aceite por aqueles.

Sempre que possível, deveria ser garantida aos candidatos uma livre escolha entre vários especialistas que tenham os requisitos indicados.[33]

No caso do candidato, ante um pedido justificado da parte dos formadores, se recusar a realizar uma consulta psicológica, de nenhum modo os formadores forçarão a sua vontade, mas procederão prudentemente na obra de discernimento com os conhecimentos de que dispõem, tendo em conta o citado cân. 1052 § 1.

V. O relacionamento dos responsáveis pela formação com o especialista

a) Os responsáveis do foro externo

13. No espírito de confiança recíproca e colaboração para a sua própria formação, o candidato poderá ser convidado a dar livremente o seu consentimento por escrito para que o especialista em ciências psicológicas, obrigado ao segredo profissional, possa comunicar os resultados da consulta aos formadores, por ele mesmo indicados. Estes se servirão das informações assim adquiridas para elaborar um quadro geral da personalidade do candidato e para obter as indicações oportunas em vista do seu ulterior caminho formativo ou da admissão à Ordenação.

Para proteger, no presente e no futuro, a intimidade e a boa fama do candidato, tenha-se particular cuidado para que os pareceres profissionais do especialista estejam acessíveis exclusivamente aos responsáveis pela formação, com a precisa e vinculante proibição de fazer delas um uso que não seja para o discernimento vocacional e formação do candidato.

b) Carácter específico da direcção espiritual

14. Cabe ao director espiritual uma tarefa não fácil no discernimento da vocação, ainda que no âmbito da consciência.

Ficando estabelecido que a direcção espiritual não pode, de modo algum, ser confundida com formas de análise ou de auxílio psicológico, nem ser por elas substituída, e que a vida espiritual favorece por si mesma o crescimento nas virtudes humanas, caso não haja bloqueios de natureza psicológica,[34] o director espiritual, a fim de esclarecer dúvidas difíceis de serem resolvidas de outra maneira, pode ver-se na contingência de sugerir, sem nunca impor, uma consulta psicológica para proceder com maior segurança no discernimento e no acompanhamento espiritual.[35]

No caso de um pedido de consulta psicológica da parte do director espiritual, é desejável que o candidato, além de informar o mesmo director espiritual dos resultados da consulta, informe igualmente o formador do foro externo, especialmente se o próprio director espiritual o tiver convidado a isso.

Se o director espiritual considerar útil procurar directamente ele mesmo informações do consulente, proceda segundo foi indicado no n. 13 para os formadores do foro externo.

Dos resultados da consulta psicológica, o director espiritual tirará as indicações oportunas para o discernimento no seu âmbito e para os conselhos a dar ao candidato também em ordem ao prosseguimento ou não do caminho formativo.

c) Auxílio do especialista ao candidato e aos formadores

15. O especialista – quando solicitado – ajudará o candidato a obter um maior conhecimento de si, das suas potencialidades e vulnerabilidades. Ajudá-lo-á também a confrontar os ideais vocacionais manifestados com a própria personalidade, para estimular uma adesão pessoal, livre e consciente à própria formação. Será tarefa do especialista fornecer ao candidato as oportunas informações sobre as dificuldades que ele está experimentando e sobre as possíveis consequências destas para a sua vida e para o seu futuro ministério sacerdotal.

Efectuada a averiguação, tendo em conta também as indicações oferecidas pelos formadores, e somente com o consentimento prévio e escrito do candidato, o especialista dará aos formadores o seu contributo para a compreensão do tipo de personalidade e de problemas que a pessoa está enfrentando ou deve enfrentar.

Indicará também, segundo a sua avaliação e a sua competência, as possibilidades previsíveis de crescimento da personalidade do candidato. Sugerirá, além disso, se necessário, formas ou itinerários de apoio psicológico.

VI. As pessoas demitidas ou que livremente deixaram Seminários ou Casas de Formação

16. É contrário às normas da Igreja admitir ao Seminário ou à Casa de formação pessoas que já saíram, ou, com maior razão ainda, demitidas de outros Seminários ou Casas de formação, sem antes procurar as devidas informações junto dos seus respectivos Bispos ou Superiores Maiores, sobretudo acerca das causas da demissão ou saída.[36]

Constitui um dever rigoroso dos formadores precedentes fornecer informações exactas aos novos formadores.

Preste-se particular atenção ao facto de que, com frequência, os candidatos deixam a instituição educativa por espontânea vontade, a fim de evitar uma demissão forçada.

No caso da passagem para outro Seminário ou Casa de formação, o candidato deve informar os novos formadores sobre as consultas psicológicas efectuadas anteriormente. Somente com o livre consentimento por escrito do candidato poderão os novos formadores ter acesso às notas do psicólogo que tiver efectuado a consulta.

Caso se considere poder ser recebido no Seminário um candidato que, após a precedente demissão, se tenha submetido a tratamento psicológico, verifique-se primeiro, tanto quanto possível, cuidadosamente a sua condição psíquica, tomando entre outras, após ter obtido por escrito o seu livre consentimento, as devidas informações junto do especialista que o acompanhou.

No caso de um candidato pedir a passagem para outro Seminário ou Casa de formação, após ter recorrido a um especialista em psicologia, sem querer aceitar que o resultado da perícia seja posto à disposição dos novos formadores, tenha-se presente que a idoneidade do candidato deve ser provada com argumentos positivos, nos termos do citado cân. 1052, e, portanto, deve ser excluída toda a dúvida razoável.

Conclusão

17. Todos os que, a vários títulos, estão envolvidos na formação ofereçam a sua decidida colaboração, respeitando as competências específicas de cada um, a fim de que o discernimento e o acompanhamento vocacional dos candidatos sejam apropriados a “conduzir ao sacerdócio só aqueles que foram chamados e educá-los adequadamente, ou seja, com uma consciente e livre resposta de adesão e envolvimento de toda a sua pessoa com Jesus Cristo que chama à intimidade de vida com Ele e à partilha da sua missão de salvação”.[37]

O Sumo Pontífice Bento XVI, no decurso da Audiência concedida em 13 de Junho de 2008, ao abaixo-assinado Cardeal Prefeito, aprovou o presente documento e autorizou a sua publicação.

Roma, 29 de Junho de 2008, Solenidade dos Santos Pedro e Paulo, Apóstolos.

Zenon Card. Grocholewski
Prefeito

Jean-Louis Bruguès, o.p.
Bispo emérito de Angers
Secretário


Notas

[1]João Paulo II, Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), n. 35b-c: AAS 84 (1992), 714.

[2]Ibid., n. 35d: AAS 84 (1992), 715.

[3]Ibid., n. 65d: AAS 84 (1992), 771.

[4]Ibid., n. 35e: AAS 84 (1992), 715.

[5]Cf. ibid., ns. 66-67: AAS 84 (1992), 772-775.

[6]Uma descrição muito ampla de tais condições é feita na Pastores dabo vobis, ns. 43-44: AAS 84 (1992), 731-736; cf. C.I.C., câns. 1029 e 1041, 1º.

[7]Enquanto constitui, “para cada presbítero [...] o coração que unifica e vivifica o seu ser padre e o seu agir de padre”: Pastores dabo vobis, n. 45c: AAS 84 (1992), 737.

[8]Pastores dabo vobis, n. 43: AAS 84 (1992), 731-733.

[9]Cf. ibid.; cf. também Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto sobre a formação sacerdotal Optatam totius (28 de Outubro de 1965), n. 11: AAS 58 (1966), 720-721; Decreto sobre o ministério e a vida dos presbíteros Presbyterorum ordinis (7 de Dezembro de 1965), n. 3: AAS 58 (1966), 993-995; Congregação para a Educação Católica, Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis (19 de Março de 1985), n. 51.

[10]Cf. Pastores dabo vobis, n. 17: AAS 84 (1992), 682-684.

[11]Paulo VI, na Carta encíclica Sacerdotalis cœlibatus (24 de Junho de 1967), trata explicitamente desta necessária capacidade do candidato ao sacerdócio nos ns. 63-64: AAS 59 (1967), 682-683. Ele conclui no n. 64: “Uma vida tão inteira e amavelmente dedicada, no interior e no exterior, como a do sacerdote celibatário, exclui, de facto, candidatos com insuficiente equilíbrio psicofísico e moral. Não se deve pretender que a graça supra o que falta à natureza”. Cf. também Pastores dabo vobis, n. 44: AAS 84 (1992), 733-736.

[12]No percurso evolutivo assume uma importância especial a maturidade afectiva, um âmbito do desenvolvimento que requer, hoje mais do que ontem, uma atenção particular. “Crescemos na maturidade afectiva quando o nosso coração adere a Deus. Cristo precisa de sacerdotes que sejam maduros, vigorosos, capazes de cultivar uma verdadeira paternidade espiritual. Para que isto aconteça, servem a honestidade consigo mesmos, a abertura ao director espiritual e a confiança na divina misericórdia” (Bento XVI, Discurso para os sacerdotes e religiosos na Catedral de Varsóvia [25 de Maio de 2006], in: L'Osservatore Romano [26-27 de Maio de 2006], p. 7). Cf. Pontifícia Obra para as Vocações Eclesiásticas, Novas vocações por uma nova Europa, Documento final do Congresso sobre as Vocações para o Sacerdócio e a Vida Consagrada na Europa, Roma, 5-10 de Maio de 1997, a cargo das Congregações para a Educação Católica, para as Igrejas Orientais, para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica (6 de Janeiro de 1998), n. 37, pp. 111-120.

[13]Cf. Pastores dabo vobis, n. 45a: AAS 84 (1992), 736.

[14]Cf. Congregação para a Educação Católica, Directrizes sobre a preparação dos educadores nos Seminários (4 de Novembro de 1993), ns. 36 e 57-59; cf. sobretudo Optatam totius, n. 5: AAS 58 (1966), 716-717.

[15]Pastores dabo vobis, n. 16e: AAS 84 (1992), 682.

[16]S. Congregação para a Educação Católica, Orientações educativas para a formação para o celibato sacerdotal (11 de Abril de 1974), n. 38.

[17]Cf. Pastores dabo vobis, n. 66c: AAS 84 (1992), 773; Directrizes sobre a preparação dos educadores nos Seminários, ns. 57-59.

[18]Cf. Optatam totius, n. 11: AAS 58 (1966), 720-721.

[19]Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II Constituição pastoral Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo actual (7 de Dezembro de 1965), n. 10: AAS 58 (1966), 1032-1033.

[20]Para compreender melhor estas afirmações, é oportuno referir-se às seguintes afirmações de João Paulo II: “O homem, pois, traz em si o germe da vida eterna e a vocação em fazer seus os valores transcendentais; ele, porém, continua interiormente vulnerável e dramaticamente exposto ao risco de falhar na sua vocação, por causa de resistências e dificuldades que encontra no seu caminho existencial, no nível consciente, em que está envolvida a responsabilidade moral, e no nível subconsciente, e isso tanto na vida psíquica ordinária como naquela marcada por psicopatologias leves ou moderadas, que não influem substancialmente na liberdade da pessoa de tender a ideais transcendentes, escolhidos de modo responsável” (Alocução para a Rota Romana [25 de Janeiro de 1988]: AAS 80 [1988], 1181).

[21]Cf. Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis, n. 39; Congregação para os Bispos, Directório para o Ministério Pastoral dos Bispos Apostolorum Successores (22 de Fevereiro de 2004), n. 88.

[22]Cf. Pastores dabo vobis, n. 29d: AAS 84 (1992), 704.

[23]Cf. S. Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares; Instrução sobre a actualização da formação para a vida religiosa (6 de Janeiro de 1969), n. 11 § III: AAS 61 (1969), 113.

[24]Cf. João Paulo II: “Será oportuno fazer uma boa preparação de peritos psicólogos que, ao óptimo nível científico, acrescentem uma compreensão profunda da concepção cristã acerca da vida e da vocação ao sacerdócio, de forma a ser capaz de fornecer o apoio eficaz à necessária integração entre a dimensão humana e a sobrenatural.” (Discurso aos participantes na Assembleia Plenária da Congregação para a Educação Católica [4 de Fevereiro de 2002]: AAS 94 [2002], 465).

[25]Cf. Congregação para a Educação Católica, Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao Seminário e às Ordens Sacras (4 de Novembro de 2005): AAS 97 (2005), 1007-1013.

[26]Cf. Orientações educativas para a formação ao celibato sacerdotal, n. 38.

[27]Cf. Pastores dabo vobis, n. 48d: AAS 84 (1992), 744.

[28]Cf. 2 Cor 12, 7-10.

[29]Cf. C.I.C., câns. 1025, 1051 e 1052; Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Carta circular Entre las más delicadas a los Exc.mos y Rev.mos Señores Obispos diocesanos y demás Ordinarios canónicamente facultados para llamar a las Sagradas Ordenes, sobre Los escrutinios acerca de la idoneidad de los candidatos (10 de Novembro de 1997): Notitiae 33 (1997), pp. 495-506.

[30]Cf. C.I.C., câns. 1029, 1031 § 1 e 1041, 1º; Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis, n. 39.

[31]Cf. Pastores dabo vobis, n. 35g: AAS 84 (1992), 715.

[32]Ibid., n. 69b: AAS 84 (1992), 778.

[33]Cf. n. 6 deste documento.

[34]Cf. nota n. 20.

[35]Cf. Pastores dabo vobis, n. 40c: AAS 84 (1992), 725.

[36]Cf. C.I.C., cân. 241, § 3; Congregação para a Educação Católica, Instrução às Conferências Episcopais acerca da admissão ao Seminário dos candidatos provenientes de outros Seminários ou Famílias religiosas (8 de Março de 1996).

[37]Pastores dabo vobis, n. 42c: AAS 84 (1992), 730.

 

top