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HOMILIA DO PAPA BENTO XVI
NA SOLENE CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA
PARA A CANONIZAÇÃO DE QUATRO BEATOS


Domingo 15 de Outubro de 2006

Queridos irmãos e irmãs!

Quatro novos Santos são hoje propostos à veneração da Igreja universal: Rafael Guízar y Valencia, Filippo Smaldone, Rosa Venerini e Théodore Guérin. Os seus nomes serão recordados sempre. Por contraste, é espontâneo pensar no "jovem rico", do qual fala o Evangelho agora proclamado. Este jovem permaneceu anónimo; se tivesse respondido positivamente ao convite de Jesus, ter-se-ia tornado seu discípulo e provavelmente os Evangelistas teriam registado o seu nome. Deste acontecimento entrevê-se imediatamente o tema da Liturgia da Palavra deste domingo: se o homem depõe a sua segurança nas riquezas deste mundo não alcança o sentido pleno da vida nem a verdadeira alegria; se, ao contrário, tendo confiança na palavra de Deus, renuncia a si mesmo e aos seus bens pelo Reino dos céus, aparentemente perde muito, na realidade ganha tudo.

O Santo é exactamente aquele homem, aquela mulher que, respondendo com alegria e com generosidade à chamada de Cristo, deixa tudo para o seguir. Como Pedro e os Apóstolos, como santa Teresa de Jesus que hoje recordamos, e numerosos outros amigos de Deus, também os novos Santos percorreram este itinerário evangélico exigente mas que satisfaz, e receberam "o cêntuplo" já na vida terrena juntamente com provas e perseguições, e depois com a vida eterna.

Portanto, Jesus pode verdadeiramente garantir uma existência feliz e a vida eterna, mas por um caminho diferente daquele que o jovem rico imaginava: isto é, não mediante uma obra boa, uma prestação legal, mas sim na escolha do Reino de Deus como "pérola preciosa" pela qual vale a pena vender tudo o que se possui (cf. Mt 13, 45-46). O jovem rico não consegue dar este passo.

Apesar de ter sido alcançado pelo olhar cheio de amor de Jesus (cf. Mc 10, 21), o seu coração não conseguiu desapegar-se dos numerosos bens que possuía. Eis então o ensinamento para os discípulos: "Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!" (Mc 10, 23). As riquezas terrenas ocupam e preocupam a mente e o coração. Jesus não diz que são más, mas que afastam de Deus se não forem, por assim dizer, "investidas" pelo Reino dos céus, isto é, se forem empregues para ajudar quem está na pobreza.

Compreender isto é fruto daquela sabedoria da qual fala a primeira Leitura. Ela foi-nos dito é mais preciosa que a prata ou o ouro, mais que a beleza, a saúde e a própria luz, "porque a sua claridade jamais se extingue" (Sab 7, 10). Obviamente, esta sabedoria não se reduz unicamente à dimensão intelectual. É muito mais; é "a Sabedoria do coração", como a chama o Salmo 89. É um dom que vem do alto (cf. Tg 3, 17), de Deus, e obtém-se com a oração (cf. Sab 7, 7). De facto, ela não permaneceu longe do homem, fez-se próxima do seu coração (cf. Dt 30, 14), assumindo forma na lei da Primeira Aliança estabelecida entre Deus e Israel mediante Moisés. No Decálogo está contida a Sabedoria de Deus. Por isto Jesus afirma no Evangelho que para "entrar na vida" é necessário observar os mandamentos (cf. Mc 10, 19). É necessário, mas não é suficiente! De facto, como diz São Paulo, a salvação não provém da lei, mas da Graça. E São João recorda que a lei foi dada por Moisés, enquanto a Graça e a Verdade vieram por meio de Jesus Cristo (cf. Jo 1, 17).

Portanto, para alcançar a salvação é preciso abrir-se na fé à graça de Cristo, o qual pretende de nós, contudo, uma condição exigente: "Vem e segue-Me" (Mc 10, 21). Os santos tiveram a humildade e a coragem de lhe responder "sim", e renunciaram a tudo para serem seus amigos.

Assim fizeram os novos quatro Santos, que hoje veneramos de modo particular. Neles reencontramos a experiência de Pedro actualizada: "Aqui estamos nós que deixámos tudo e Te seguimos" (Mc 10, 28). O seu único tesouro está no céu: é Deus.

O evangelho que ouvimos ajuda-nos a compreender a figura de São Rafael Guízar y Valencia, Bispo de Veracruz na querida nação mexicana, como um exemplo dos que deixaram tudo para "seguir Jesus". Este Santo foi fiel à palavra divina, "viva e eficaz", que penetra no mais profundo do espírito (cf. Hb 4, 12). Imitando Cristo pobre, desprendeu-se dos seus bens e nunca aceitou favores dos poderosos, ou então oferecia-os em seguida. Por isso recebeu "o cêntuplo" e, desta forma, pôde ajudar os pobres, inclusive entre "perseguições" sem trégua (cf. Mc 10, 30). Por ter vivido heroicamente a sua caridade chamavam-lhe o "Bispo dos pobres". No seu ministério sacerdotal e em seguida episcopal, foi um incansável pregador de missões populares, o modo mais apropriado naquela época para evangelizar o povo, usando o seu Catecismo da doutrina cristã.

Sendo a formação dos sacerdotes uma das suas prioridades, reconstruiu o seminário, que considerava "a pupila dos seus olhos", e por isso costumava exclamar: "Um bispo pode não ter a mitra, o báculo e até a catedral, mas nunca lhe deve faltar o seminário, porque do seminário depende o futuro da sua diocese". Com este profundo sentido de paternidade sacerdotal enfrentou novas perseguições e desterros, mas garantindo sempre a preparação dos alunos. Que o exemplo de São Rafael Guízar y Valencia seja uma chamada para os irmãos bispos e sacerdotes, para que considerem fundamental nos programas pastorais, além do espírito de pobreza e de evangelização, a fomentação de vocações sacerdotais e religiosas, na sua formação segundo o coração de Cristo.

São Filippo Smaldone, filho da Itália meridional, soube conciliar na sua vida as melhores virtudes próprias da sua terra. Sacerdote de coração grande, alimentado pela oração constante e pela adoração eucarística, foi sobretudo testemunha e servo da caridade, que manifestavademodoeminente no serviço aos pobres, em particular aos surdos-mudos, aos quais se dedicou totalmente. A obra que ele iniciou continua graças à Congregação das Irmãs Salesianas dos Sagrados Corações por ele fundada, e que está difundida em diversas partes da Itália e do mundo. São Filippo Smaldone via reflectida nos surdos-mudos a imagem de Jesus e costumava repetir que, assim como nos prostramos diante do Santíssimo Sacramento, também é preciso ajoelhar-nos diante de um surdo-mudo. Aceitemos do seu exemplo o convite para considerar sempre indissolúveis o amor à Eucaristia e o amor ao próximo. Aliás, só podemos obter a verdadeira capacidade de amar os irmãos no encontro com o Senhor no sacramento da Eucaristia.

Santa Rosa Venerini é outro exemplo de discípula fiel de Cristo, pronta a abandonar tudo para cumprir a vontade de Deus. Gostava de repetir: "estou presa a tal ponto na vontade divina, que não me importa nem morte, nem vida: desejo viver o que Ele quer, e desejo servi-lo em tudo o que lhe apraz, e nada mais" (Biografia Andreucci, p. 515). Deste seu abandono a Deus brotava a actividade clarividente que desempenhava com coragem a favor da elevação espiritual e da autêntica emancipação das jovens mulheres do seu tempo. Santa Rosa não se contentava em dar às jovens uma adequada instrução, mas preocupava-se em lhes garantir uma formação completa, com sólidas referências ao ensinamento doutrinal da Igreja. O seu mesmo estilo apostólico continua a caracterizar ainda hoje a vida da Congregação das Mestras Pias Venerini, por ela fundada. E como é actual e importante também para a sociedade de hoje o serviço que elas desempenham no campo da escola e sobretudo da formação da mulher!

"Vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres... depois vem e segue-Me". Estas palavras inspiraram numerosos Cristãos ao longo da história da Igreja para seguir Cristo numa vida de pobreza radical, confiando na Providência Divina. Entre estes generosos discípulos de Cristo encontrava-se a jovem francesa, que respondeu sem hesitações à chamada do divino Mestre. A Madre Théodore Guérin entrou na Congregação das Irmãs da Providência em 1823, e dedicou-se ao trabalho do ensino nas escolas. Depois, em 1839, foi enviada pela Superiora para os Estados Unidos da América, com a tarefa de orientar a nova comunidade em Indiana. Depois de uma longa viagem entre terra e mar, o grupo de seis irmãs chegou à localidade de "Saint Mary-of-the-Woods". Ali, de uma simples cabana, fizeram uma capela no meio da floresta. Ajoelhavam-se diante do Santíssimo Sacramento e davam graças, pedindo ao Senhor orientação para a nova fundação. Com grande confiança na Divina Providência, a Madre Théodore superou muitos desafios e perseverou no trabalho para o qual o Senhor a tinha chamado. No momento da sua morte, em 1856, as Irmãs dirigiam muitas escolas e orfanatos no Estado de Indiana. Nas suas palavras, "quanto bem foi realizado pelas Irmãs de Saint Mary-of-the-Woods! Quanto bem ainda pode ser realizado se permanecerem fiéis à sua santa vocação!".

A Madre Théodore Guérin é uma bela figura espiritual e um modelo de vida cristã. Ela esteve sempre disponível para as missões que a Igreja lhe solicitava, encontrava a força e a audácia para as concretizar na Eucaristia, na oração e numa confiança infinita na divina Providência. A sua força interior estimulava-a a dedicar especial atenção aos pobres, sobretudo às crianças.

Queridos irmãos e irmãs, demos graças ao Senhor pelo dom da santidade, que hoje resplandece na Igreja com beleza especial. Jesus convida também a nós, como a estes Santos, a segui-lo para termos como herança a vida eterna. O seu testemunho exemplar ilumine e encorage especialmente os jovens, para que se deixem conquistar por Cristo, pelo seu olhar repleto de amor. Maria, Rainha dos Santos, suscite no povo cristão homens e mulheres como São Rafael Guízar y Valencia, São Filippo Smaldone, Santa Rosa Venerini e Santa Théodore Guérin, dispostos a abandonar tudo pelo Reino de Deus; decididos a fazer própria a lógica da doação e do serviço, a única que salva o mundo. Amém!

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