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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE

 Quando Deus regenera

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 50 de 12 de dezembro de 2013

O cristão que perde a esperança perde o próprio sentido da sua existência e é como se vivesse diante de um muro. Abrir as portas ao encontro com o Senhor significa receber dele aquela consolação que nos restitui, com ternura, a esperança. A homilia do Papa Francisco da missa celebrada a 10 de Dezembro foi dedicada precisamente àquela consolação na ternura com a qual o Senhor regenera a esperança no cristão.

De facto, ao citar o livro do profeta Isaías (40, 1-11), definido «o livro da consolação de Israel», o Pontífice reflectiu sobre o conforto que Deus invoca para o seu povo. É o próprio Senhor que «se aproxima para o consolar, para lhe dar a paz». E assim «realiza uma grande obra», porque ele «faz de novo todas as coisas, regenera-as». Esta «regeneração», acrescentou, é ainda mais bonita do que a criação. Portanto o Senhor visita o seu povo «regenerando».

Na realidade o povo de Deus esperava esta visita, sabia que o Senhor a teria realizado. «Recordemos — evidenciou a propósito o Santo Padre — as últimas palavras de José aos seus irmãos: quando o Senhor vos visitar levai convosco os meus ossos». E acrescentou «o Senhor visitará o seu povo. É a esperança de Israel. E visitá-lo-á com esta consolação: refazer tudo. Não uma só vez, mas muitas vezes».

Deste «refazer» do Senhor o bispo de Roma indicou algumas linhas-mestras. Antes de tudo «quando o Senhor se aproxima dá-nos esperança. Portanto — especificou — refaz com esperança. Abre sempre uma porta». Quando o Senhor se aproxima de nós, não fecha portas, abre-as; e depois quando vem «vem com as portas abertas».

Na vida cristã esta esperança «é uma fortaleza verdadeira, é uma graça, é um dom». De facto, quando «o cristão perde a esperança a sua vida já não tem sentido. É como se a sua vida estivesse diante de um muro, de nada. Mas o Senhor consola-nos e regenera-nos com a esperança, para ir em frente». Fá-lo também com uma proximidade especial a cada um de nós. Para o explicar o Pontífice citou o versículo conclusivo do trecho de Isaías proposto pela liturgia: «Como um pastor que apascenta o seu rebanho e com um braço o reúne; leva os cordeirinhos ao peito e conduz docemente as ovelhas maiores». E comentou: «é a imagem da ternura. O Senhor consola-nos com ternura. O Senhor, o grande Deus, não teme a ternura. Ele faz-se ternura, faz-se menino, faz-se pequenino». Porque, explicou o Pontífice, «cada um de nós é muito importante» para o Senhor, o qual nos faz «ir em frente, dando-nos a esperança».

Esta «foi a grande obra de Jesus» durante os quarenta dias que vão da ressurreição à ascensão: «Consolar os discípulos, aproximar-se e dar conforto, aproximar-se e dar esperança, aproximar-se com ternura. Devemos pedir ao Senhor a graça «de não ter medo — afirmou, concluindo — da consolação do Senhor, de sermos abertos, de a pedir, de a procurar, porque é uma consolação que nos dará esperança e nos fará sentir a ternura de Deus Pai».

Na missa celebrada na manhã do dia anterior o Papa falou sobre o significado da oração que deve ser dirigida ao Senhor com espírito de verdade e com a certeza de que ele a pode realmente satisfazer. A oração é «um grito» — disse — que não tem medo de «incomodar Deus», de fazer «barulho», como quando «batemos à porta» com insistência. Referindo-se ao trecho do capítulo 9 de Mateus (27-31), o Papa focalizou antes de tudo a atenção sobre uma palavra contida no excerto do Evangelho «que nos faz reflectir: o grito». Os cegos, que seguiam o Senhor, gritavam para ser curados. «Também aquele cego na entrada de Jericó gritava e os amigos do Senhor queriam que se calasse», recordou o Santo Padre. Mas aquele homem «pede ao Senhor uma graça e pede-a gritando», como querendo dizer a Jesus: «Faz isto! Eu tenho direito que tu o faças!».

«Neste contexto, o grito — explicou o Pontífice — é um sinal da oração. O próprio Jesus, quando nos ensinava a rezar, pedia-nos para o fazer como um amigo incomodativo que, à meia-noite, ia pedir pão para os hóspedes». Em síntese, prosseguiu o Papa, «rezar — eu diria — incomodando. Não sei, talvez isto soe mal, mas rezar significa um pouco incomodar a Deus para que ele nos ouça». E foi precisamente o que fizeram os leprosos do Evangelho, que se aproximaram de Deus para lhe dizer: «Mas se tu quiseres, podes curar-nos». E «dizem-no com uma certa segurança».

«E assim Jesus — afirmou o Pontífice — ensina-nos a rezar». Nós habitualmente apresentamos ao Senhor o nosso pedido «uma, duas ou três vezes, mas não com muita insistência: e depois cansamo-nos e esquecemo-nos de o pedir». Ao contrário, os cegos acerca dos quais fala Mateus no trecho do Evangelho «gritavam e não se cansavam de gritar». Com efeito, disse ainda o Papa, «Jesus diz-nos: pedi! Mas também nos diz: batei à porta! E quem bate à porta faz barulho, incomoda, importuna».

Eis, as «duas atitudes» da oração: «a necessidade e a certeza». A oração «é sempre necessária. A oração, quando nós pedimos algo, é necessidade: tenho esta necessidade, escuta-me Senhor!». Além disso, «quando é verdadeira, é confiante: escuta-me, eu penso que tu o possas fazer, porque o prometeste!». De facto, explicou o Pontífice, «a verdadeira oração cristã é fundada sobre a promessa de Deus. Ele o prometeu».

Em conclusão, o Papa Francisco reafirmou a necessidade de pensar sempre «se a nossa oração é necessidade e certeza»: é «necessidade porque dizemos a verdade a nós mesmos» e é «certeza porque acreditamos que o Senhor pode fazer o que nós pedimos».

Na missa de 5 de Dezembro o Papa convidou a fazer um «exame de consciência» sobre a coerência entre o dizer e o fazer. As «palavras cristãs» — frisou — sem a presença de Cristo são como enlouquecidas, sem sentido, enganadoras e acabam no orgulho e no «poder pelo poder».

Inspirando-se na liturgia do dia, o Pontífice recordou que «muitas vezes o Senhor falou desta atitude», a de conhecer a Palavra sem a pôr em prática. Como diz o Evangelho, Jesus «repreendia também os fariseus» que «conheciam tudo, mas não o faziam». E dizia ao povo: «fazei o que eles dizem mas não o que eles fazem, porque não fazem o que dizem!». É a questão das palavras «separadas da prática», palavras que ao contrário devem ser vividas. No entanto «estas palavras são boas» advertiu o Papa «são palavras bonitas». Por exemplo, «também os Mandamentos e as bem-aventuranças» fazem parte destas «palavras boas» e também «muitas coisas que Jesus disse. Não as podemos repetir mas se não nos leva à vida não só não servem mas fazem mal, enganam-nos, fazem-nos crer que temos uma linda casa, mas sem alicerces».

No trecho evangélico de Mateus (7, 21.24-27), prosseguiu o Papa, o Senhor diz que precisamente aquele «que escuta a Palavra e a põe em prática será semelhante ao homem sábio que construiu a casa sobre a rocha». A questão essencial, contudo, frisou o Santo Padre, é «de que modo a ponho em prática?». E evidenciou que «consiste precisamente nisto a mensagem de Jesus: pô-la em prática como se constrói uma casa sobre a rocha». E «esta figura da rocha refere-se ao Senhor». Mas, afirmou o Papa, «a rocha é Jesus Cristo, a rocha é o Senhor. Uma palavra é forte, dá vida, pode ir em frente, pode suportar todos os ataques se tiver as suas raízes em Jesus Cristo». «Quando as palavras cristãs são sem Cristo começam a empreender o caminho da loucura». Uma palavra cristã sem Cristo — acrescentou o Pontífice — leva-nos à vaidade, à segurança de nós mesmos, ao orgulho, ao poder pelo poder. E o Senhor abate estas pessoas».

Esta verdade, explicou, «é uma constante na história da salvação. Diz Ana, a mãe de Samuel; e Maria no Magnificat: o Senhor abate a vaidade, o orgulho daquelas pessoas que acreditam que são rocha». São «pessoas que só seguem uma palavra, sem Jesus Cristo». Fazem própria uma palavra que é cristã «mas sem Jesus Cristo: sem a relação com Jesus Cristo; sem a oração com Jesus Cristo; sem o serviço a Jesus Cristo; sem o amor a Jesus Cristo».

Para o Papa Francisco «o que o Senhor nos diz hoje» é um convite a «construir a nossa vida sobre esta rocha. E a rocha é Ele. Paulo diz-nos explicitamente — frisou — quando se refere àquele momento no qual Moisés bateu na rocha com o bastão. E diz: a rocha era Cristo. Cristo é a rocha». Esta meditação exige, sugeriu o Pontífice, «um exame de consciência» que «nos fará bem». Um «exame de consciência» que podemos fazer respondendo a uma série de perguntas essenciais. O próprio Papa as explicitou: «Mas como são as nossas palavras? São palavras suficientes em si mesmas? São palavras que se consideram poderosas? São palavras que pensam que nos dão a salvação? São palavras com Jesus Cristo? É sempre Jesus Cristo quando dizemos uma palavra cristã?». O Pontífice quis frisar de novo que se refere expressamente «às palavras cristãs. Porque quando não há Jesus Cristo — disse — também isto nos divide entre nós e provoca a divisão na Igreja». O Papa Francisco concluiu a homilia pedindo «ao Senhor a graça de nos ajudar nesta humildade que devemos ter: dizer sempre palavras cristãs em Jesus Cristo, não sem Jesus Cristo». Que «o Senhor — concluiu — nos dê esta graça da humildade de dizer palavras com Jesus Cristo. Fundadas em Jesus Cristo».

 



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