PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE
Corações petrificados
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 12 de 19 de Março de 2015
Nenhum compromisso: ou nos deixamos amar «pela misericórdia de Deus» ou escolhemos o caminho «da hipocrisia» e fazemos o que queremos, deixando que o nosso coração «se endureça» cada vez mais. A história entre Deus e o homem, desde os tempos de Abel até hoje, esteve no centro da sua reflexão. Francisco começou pela oração do salmo responsorial, «não endureçais o vosso coração», interrogando-se: «Por que acontece isto?». Para o entender, citou a primeira leitura (Jr 7, 23-28) onde se resume a «história de Deus». Mas como é possível que «Deus tenha uma história», se «Ele é eterno»? Explico: «Quando Deus entrou em diálogo com o seu povo, entrou na história». E «a sua história é triste», porque «Deus deu tudo» e «só recebeu ingratidão». O Senhor disse: «Serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo. Mas o povo não o ouviu e «procedeu segundo o seu coração malvado»: não queria «ouvir a Palavra de Deus». Esta escolha caracterizou a história do povo de Deus, desde Abel até aos nossos dias.
O Senhor diz a Jeremias: «Prega e não te ouvirão, nem te responderão». E depois acrescenta uma palavra «terrível»: «A fidelidade esvaeceu. Não sois um povo fiel». Parece que Deus chora, dizendo: «Amei-te muito, dei-te tanto e tu... opuseste-te a mim». Um pranto que faz pensar no de Jesus em Jerusalém. De resto, «no coração de Jesus havia toda esta história». Uma história de infidelidade que se refere à «nossa história pessoal», pois «nós fazemos a nossa vontade, seguimos um caminho em que o nosso coração se petrifica, e não ouvimos a palavra do Senhor». Por isso, nesta quaresma podemos perguntar: ouço a voz do Senhor ou faço o que me apetece?».
O conselho do salmo é «frequente na Bíblia», onde para explicar a «infidelidade do povo», se usa «a figura da adúltera», como em Ez 16: «És um povo adúltero», ou quando Jesus «repreende o coração endurecido dos discípulos». O coração malvado — todos o temos um pouco — «não nos deixa compreender o amor de Deus. Queremos ser livres», mas «com uma liberdade que no final nos torna escravos, e não com a liberdade do amor que o Senhor nos oferece». E isto acontece também nas «instituições»: por exemplo, quando «o coração dos doutores da lei, dos sacerdotes, do sistema legal era tão duro que procuravam sempre desculpas». Eram legalistas, pois «acreditavam que a vida de fé só fosse regulada pelas suas próprias leis». Por isso «Jesus chama-lhes hipócritas, sepulturas caiadas, bonitas fora mas cheias de podridão e hipocrisia dentro».
Infelizmente, o mesmo «aconteceu na história da Igreja». Pensemos «na coitada da Joana d'Arc: hoje é santa! Os doutores queimaram-na viva, dizendo que ela era herege». Pensemos também em «Rosmini: todos os seus livros eram proibidos. Considerava-se um pecado lê-los. Hoje é beato!». O Papa frisou que «na história de Deus o Senhor pregava o seu amor pelo povo através dos profetas». E «na Igreja o Senhor manda os santos», que «fazem a Igreja progredir», «aqueles que não permitiram que o seu coração endurecesse», mas permanecesse «sempre aberto à palavra de amor do Senhor», aqueles que «não têm medo de se deixar acariciar pela misericórdia de Deus. Por isso, os santos entendem as misérias humanas e acompanham o povo sem o desprezar».
Com o povo que «perdeu a fidelidade» o Senhor é claro: «Quem não está comigo está contra mim». Contudo, «não haverá uma forma de compromisso, um pouco aqui e um pouco lá?». Não, disse Francisco, «ou estás no caminho do amor, ou da hipocrisia. Ou te deixas amar pela misericórdia de Deus, ou fazes o que queres», não há «uma terceira via de compromisso: ou és santo ou vais por outro caminho». E quem «não recolhe» com o Senhor, «é corrupto».
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