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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA DOMUS SANCTAE MARTHAE

Quem se apoderou da chave

Quinta-feira, 15 de Outubro de 2015

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 43 de 22 de Outubro de 2015

«Uma das coisas mais difíceis de entender, para todos nós cristãos, é a gratuitidade da salvação em Cristo». Porque desde sempre há «doutores da lei» que enganam reduzindo o amor de Deus a «pequenos horizontes», quando na realidade é algo «imenso, sem limites». É uma questão que inicialmente comprometeu o próprio Jesus, o apóstolo Paulo e muitos santos na história, até aos nossos dias. E entre eles está também Teresa de Ávila. No dia em que a Igreja recorda a mística carmelita — de quem se celebram os 500 anos do nascimento — o Papa Francisco salientou que esta mulher recebeu do Senhor «a graça de entender os horizontes do amor».

O Pontífice uniu as leituras — tiradas da carta de Paulo aos Romanos (3, 21-30a) e do Evangelho (Lc 11, 47-54) — com a extraordinária experiência vivida por Teresa. Também ela, explicou, «foi julgada pelos doutores da sua época. Não foi parar na prisão, mas salvou-se por pouco, e contudo foi enviada para outro convento e era vigiada». De resto, observou, «esta é uma luta que perdura na história, na história inteira».

É precisamente da história que falam ambos os trechos das leituras. Voltando a propô-las, o Papa observou que tanto Paulo como Jesus parecem «um pouco zangados, digamos irritados». Por isso, interrogou-se de onde vinha este mal-estar em Paulo. O apóstolo, foi a reposta, «defendia a doutrina, era o grande defensor da doutrina, e a irritação vinha-lhe das pessoas que não toleravam a doutrina». Que doutrina? «A gratuitidade da salvação. Deus — disse Francisco — salvou-nos de graça, e salvou-nos a todos». Mas havia grupos que diziam: «Não, só se salva aquela pessoa, aquele homem, aquela mulher que faz isto, isso, aquilo... que faz estas obras, que cumpre estes mandamentos». Mas deste modo, «o que era gratuito, do amor de Deus, segundo as pessoas contra as quais Paulo fala», acabava por se tornar «algo que podemos obter: “Se eu fizer isto, Deus tem a obrigação de me dar a salvação”. É o que Paulo chama “a salvação por meio das obras”».

Por isso é tão difícil compreender a gratuitidade da salvação em Cristo. «Nós estamos habituados — prosseguiu o Papa — a ouvir que Jesus é o Filho de Deus, que veio por amor, para nos salvar, e que por nós morreu. Mas ouvimo-lo tantas vezes que nos habituamos». Com efeito, quando «entramos neste mistério de Deus, deste amor de Deus, deste amor ilimitado, um amor imenso», ficamos tão «admirados» que «talvez prefiramos não o entender: é melhor a salvação no estilo “façamos estas coisas e seremos salvos”». Sem dúvida, esclareceu o Pontífice, «fazer o bem, fazer o que Jesus nos diz, é bom e deve ser feito»; mas «a essência da salvação não deriva disto. Esta é a minha resposta à salvação, que é gratuita, vem do amor gratuito de Deus».

É por isso que o próprio Jesus pode parecer «um pouco implacável contra os doutores da lei», aos quais «dirige palavras fortes, muito duras: “Vós apoderastes-vos da chave do saber, não entrastes e impedistes quantos queriam entrar, porque vos apoderastes da chave”, ou seja, da chave da gratuitidade da salvação, deste conhecimento». Com efeito, frisou o Papa, estes doutores da lei pensavam que só se pudessem salvar «respeitando todos os mandamentos», enquanto «quem não agia assim estava condenado». Na prática, disse Francisco com uma imagem muito evocativa, «reduziam os horizontes de Deus, tornando o amor de Deus pequeno, pequeno, pequeno, à medida de cada um de nós».

Eis, então, explicada «a luta que tanto Jesus como Paulo enfrentam para defender a doutrina». E a quem questionasse: «Mas padre, não existem os mandamentos?», Francisco respondeu: «Sim! Mas há um que para Jesus é precisamente como a síntese de todos os mandamentos: amar a Deus e amar ao próximo». E graças a «esta atitude de amor, nós estamos à altura da gratuitidade da salvação, porque o amor é gratuito». Um exemplo? «Se digo: “Ah, eu te amo!”, mas por detrás tenho interesses, isto não é amor, é interesse. Por isso, Jesus diz: “O maior amor é este: amar a Deus com toda a vida, com todo o coração, com toda a força, e o próximo como a ti mesmo”, porque é o único mandamento à altura da gratuitidade da salvação de Deus». A tal ponto que Jesus acrescenta: «Neste mandamento estão todos os outros, porque ele evoca — faz todo o bem — todos os outros”. Mas a fonte é o amor; o horizonte é o amor. Se fechares a porta e te apoderares da chave do amor, não estarás à altura da gratuitidade da salvação que recebeste».

É uma história que se repete. «Quantos santos — afirmou Francisco — foram perseguidos para defender o amor, a gratuitidade da salvação, a doutrina. Tantos santos! Pensemos em Joana d'Arc». Pois a «luta pelo controle da salvação — só se salvam aqueles que fizerem estas coisas — não acabou com Jesus e Paulo». E não termina nem sequer para nós. Com efeito, é uma luta que também nós travamos dentro. Eis então o conselho do Pontífice: «Far-nos-á bem perguntar-nos: creio que o Senhor me salvou gratuitamente? Creio que não mereço a salvação? E se mereço algo, é por meio de Jesus Cristo e do que Ele fez por mim? É uma boa pergunta: creio na gratuitidade da salvação? Enfim, creio que a única resposta é o amor, o mandamento do amor, do qual Jesus diz que nele estão reunidos os ensinamentos de todos os profetas e toda a lei?». Daqui o convite conclusivo a renovar «hoje estas perguntas. Somente assim seremos fiéis a este amor tão misericordioso: amor de pai e mãe, porque também Deus diz que é como mãe para nós; amor, horizontes amplos, ilimitados. E não nos deixemos enganar pelos doutores que limitam este amor».

 



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