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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

O estalajadeiro surpreendido

Terça-feira, 10 de janeiro de 2017

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 02 de 12 de janeiro de 2017

Por que Jesus ensinava com uma autoridade que «causava admiração» e conquistava, e ao contrário os escribas e os doutores da lei só podiam impor leis mas «não entravam no coração do povo»? A meditação do Papa Francisco foi inteiramente orientada a relevar as diferenças entre a «autoridade real» de um e a «autoridade formal» dos outros. Um confronto eloquente de que leva a refletir sobre o risco que quantos são chamados a «ensinar a verdade» podem cair na tentação do «clericalismo» em vez de seguir a estrada da «proximidade das pessoas».

O Pontífice inspirou-se numa palavra tirada do evangelho do dia (Mc 1, 21-28) no qual «se diz que a multidão ficou admirada». Qual o motivo desta «admiração»? «Pelo modo com que Jesus ensinava», respondeu, acrescentando que ele «lhes ensinava como alguém que tem autoridade e não como os escribas, isto é, os doutores da lei». De facto, eles ensinavam «mas não entravam no coração do povo» e por isso não tinham «autoridade».

A autoridade, explicou o Papa, é um tema frequente no Evangelho. Em particular, a de Jesus encontra-se «posta em questão, muitas vezes» precisamente pelos doutores da lei, fariseus, sacerdotes e escribas: «Mas com qual autoridade fazes isto? Diz-nos! Tu não tens autoridade para fazer isto! Nós temos autoridade!». No fundo da questão, explicou Francisco, há «o problema da autoridade formal e da autoridade real». Enquanto escribas e fariseus «tinham autoridade formal», Jesus «tinha uma autoridade real». Mas, acrescentou, «não porque fosse um sedutor». De facto, se é verdade que Jesus anunciava um «ensinamento novo», é também verdade que «o próprio Jesus disse que ele ensinava a lei até ao último ponto». A novidade em relação aos doutores da lei era que «Jesus ensinava a verdade, mas com autoridade».

Neste ponto, é importante compreender «onde está a diferença desta autoridade». O Papa procurou esclarecer, explicando as suas características. «Antes de tudo, a autoridade de Jesus era humilde: ele ensinava com humildade». A sua era uma dimensão de «serviço», a ponto que ele «aconselhava o mesmo aos seus discípulos: “Os chefes das nações oprimem-nas, mas entre vós não seja assim. O maior seja como aquele que serve: faça-se o menor, e então será o maior”». Portanto, Jesus «servia as pessoas, explicava as situações para que compreendessem bem: estava ao serviço das pessoas. Tinha uma atitude de servo, e isto dava autoridade». Pelo contrário, os doutores da lei, «tinham uma psicologia de príncipes». E pensavam: «Nós somos os mestres, os príncipes, e ensinamos a vós. Não de serviço: nós mandamos, vós obedeceis». Mesmo se as pessoas ouviam e respeitavam, «não sentiam que exerciam autoridade sobre eles». Ao contrário, Jesus «nunca se fez passar por um príncipe. Era sempre o servo de todos e isto dava-lhe autoridade».

Uma segunda «atitude da autoridade de Jesus», acrescentou o Papa, «era a proximidade». Lê-se no Evangelho: «Jesus estava próximo das pessoas, vivia no meio do povo» e eles «não o deixavam ir». O Senhor «não era alérgico às pessoas: tocar os leprosos, os doentes não lhe causava arrepios». E «estar próximo das pessoas», frisou Francisco, «dá autoridade». A comparação com doutores, escribas e sacerdotes é evidente: estes «afastavam-se das pessoas, no seu coração desprezavam as pessoas pobres e ignorantes», gostavam de se distinguir, passeando «nas praças, bem vestidos, com o manto de luxo». Eles, explicou o Pontífice, «tinham uma psicologia clericalista: ensinavam com uma autoridade clericalista». Ao contrário, Jesus «estava muito próximo das pessoas» e isto dava-lhe autoridade.

A tal propósito, o Papa recordou a proximidade às pessoas «que o beato Paulo VI praticava». Podemos encontrar um exemplo «no número 48 da Evangelii nuntiandi», onde se reconhece «o coração do pastor próximo: ali está a autoridade daquele Papa, a proximidade».

Retomando o fio do discurso, Francisco resumiu as características da autoridade de Jesus e recordou que antes de tudo «o chefe é aquele que serve». A propósito explicou que Jesus «inverte tudo, como um iceberg. Do iceberg vê-se a ponta; mas Jesus inverte-o: o povo fica em cima e ele que comanda está embaixo e dali comanda». Em segundo lugar há a «proximidade». Por fim há uma «terceira diferença» em relação aos doutores da lei: a «coerência». Jesus, frisou o Papa, «era coerente, vivia o que pregava. Havia como que uma unidade, uma harmonia entre o que pensava, sentia e fazia». O que não acontece na atitude dos escribas e fariseus: «a sua personalidade estava dividida a ponto que Jesus aconselhava os seus discípulos: “Fazei o que vos dizem, mas não o que fazem”. Diziam uma coisa e faziam outra». Com frequência Jesus definiu-os hipócritas. E «alguém que se sente príncipe, que tem uma atitude clericalista, que é um hipócrita, não tem autoridade. Dirá verdades mas sem autoridade. Jesus, que é humilde, que está ao serviço, que é próximo, que não despreza as pessoas e que é coerente, tem autoridade». Esta, acrescentou o Pontífice referindo-se aos nossos dias, é «a autoridade que sente o povo de Deus».

Uma autoridade que causa admiração e conquista. Para fazer compreender bem este conceito, o Papa, na conclusão da homilia, evocou a parábola do bom samaritano, que é «figura de Jesus», e resumiu brevemente o famoso trecho evangélico. «Estava lá aquele homem agredido, espancado e abandonado meio morto na estrada pelos salteadores». Quando passa o sacerdote, «dá uma volta porque vê sangue e pensa: “A lei diz que se eu tocar o sangue permaneço impuro... não, não, vou-me embora”». Depois dele passa o levita e provavelmente pensa: «Se me envolver nisto, amanhã terei que ir ao tribunal dar testemunho, mas tenho muita coisa a fazer, devo... não, não...». E foi embora.

Depois chega o samaritano, «um pecador, pertencente a um povo diverso», o qual ao contrário «tem piedade daquele homem e faz tudo o que já sabemos». Mas na parábola «há um quarto personagem: o estalajadeiro», que — eis a ligação com a inteira meditação do Pontífice — ficou «atónito; estupefacto não tanto pelas feridas daquele pobre homem, porque sabia que naquele caminho os salteadores agiam»; nem pela atitude do sacerdote e do levita, «porque os conhecia e sabia como era o seu modo de proceder». O estalajadeiro «admirou-se com aquele samaritano» cuja escolha não entendia. Talvez pensasse: «Mas, este é louco! É estrangeiro, não é judeu, é um pecador... Este é louco, não entendo!». «Esta — concluiu o Papa — é a admiração»: a mesma «admiração do povo» diante de Jesus, «porque a sua autoridade era humilde, de serviço, era uma autoridade próxima das pessoas e coerente».

 



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