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PAPA FRANCISCO

MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA

O fogo dentro

Quinta-feira, 22 de junho de 2017

 

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 26 de 29 de junho de 2017

Apaixonado, capaz de discernir e de denunciar, sobretudo os mercenários: ou seja, aqueles que, vendo o lobo chegar, abandonam o rebanho ou que «para atrair sobre si a admiração dos fiéis» deixam agir com aquela «bonomia dos compromissos que não está bem». É o retrato do verdadeiro pastor, traçado pelo apóstolo Paulo e proposto de novo pelo Papa.

Uma reflexão inspirada pela escuta das palavras da primeira leitura — tirada da segunda carta aos Coríntios (11, 1-11) — que levaram o Pontífice a pensar novamente naquilo que «o Senhor disse no capítulo 10 do Evangelho de João: “O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas. Ao contrário o mercenário, que não é pastor, vê o lobo chegar a abandona-as”». Portanto, «Paulo é um verdadeiro pastor, não um mercenário. Um verdadeiro pastor». Eis então as «três caraterísticas», os «três traços do estilo pastoral de Paulo, que é o estilo pastoral de um bom pastor», realçados pelo Papa.

A primeira refere-se ao «pastor apaixonado. Apaixonado a ponto de dizer à sua gente, ao seu povo: “Sinto por vós uma espécie de ciúmes divinos”». Portanto, um pastor «cioso. Mas divinamente cioso». E atrás desta definição Francisco encontrou um «trecho do capítulo 6 do Deuteronómio, quando Moisés diz ao seu povo: “O vosso Deus, que está no meio de nós, é um Deus cioso”». Do mesmo modo, os ciúmes divinos de Paulo» levam o apóstolo das Nações «a esta loucura, a esta insensatez. É um homem apaixonado», que «tem aquela atitude que pode parecer uma loucura. Pastor zeloso. E esta é a caraterística à qual chamamos “zelo apostólico”: não se pode ser um verdadeiro pastor, sem este fogo dentro. Chegando até a alguma loucura, insensatez». Portanto, esta «é a primeira caraterística de Paulo como pastor».

Depois, referindo-se à segunda caraterística, o Pontífice definiu o apóstolo «um homem que sabe discernir, porque continua: “Mas temo que, assim como a serpente com a sua malícia seduziu Eva, também os vossos pensamentos de certo modo se desviem da sua simplicidade e pureza em relação a Cristo”». Paulo, pois, «sabe que na vida há a sedução. O pai da mentira é um sedutor. O pastor, não. O pastor ama. Ama», reiterou com força o Papa. «Ao contrário a serpente, o pai da mentira, o invejoso, é um sedutor, que procura afastar da fidelidade, porque aqueles ciúmes divinos de Paulo eram para levar o povo a um único esposo, para manter o povo na fidelidade ao seu esposo». De resto, comentou Francisco, «na história da salvação, na Escritura encontramos muitas vezes o afastamento de Deus, as infidelidades ao Senhor, a idolatria como se fossem uma infidelidade matrimonial». A referência é «a Ezequiel 16, por exemplo, e a muitos outros textos, mas também a este. E ele quer conduzir ao único esposo, que não cheguem outros para seduzir o coração do povo. E ajuda-os com o discernimento: “Estai atentos a isto, prestai atenção, ide...”».

Portanto, resumindo: «A primeira caraterística do pastor, que seja apaixonado, que tenha o zelo, que seja zeloso; segunda caraterística, que saiba discernir: discernir onde estão os perigos, as graças... onde está o verdadeiro caminho». E isto quer dizer que o verdadeiro pastor «acompanha sempre as ovelhas: nos momentos bons e até nos maus, até nos momentos da sedução», levando-as «com a paciência para o aprisco».

Enfim «a terceira caraterística» é «a capacidade de denunciar. O apóstolo — admoestou o Papa — não pode ser ingénuo: “Ah, tudo é bonito, vamos em frente, não é? Tudo é bom... Festejemos, todos... tudo é permitido...”. Também «porque há a fidelidade ao único esposo, a Jesus Cristo, que deve ser defendido. E ele sabe condenar» com «aquela concretitude» que lhe permite «dizer: “isto não”, como os pais dizem à criança, quando começa a gatinhar e vai até à tomada elétrica e aí mete os dedos: “Isto não! É perigoso!”». E a tal propósito Francisco revelou que lhe «vem à mente muitas vezes aquele “tuca nen”» (não toques em nada), que os seus pais e avós lhe «diziam nos momentos em que havia um perigo». Em síntese, observou o Papa, «o bom pastor sabe condenar com nome, e por isso Paulo fala dos judaizantes e denuncia-os; fala dos gnósticos e denuncia-os; fala dos idolatras e denuncia-os; fala dos mercenários e denuncia-os».

Para recapitular o sentido da homilia, o Pontífice recordou a visita feita a 20 de junho a Bozzolo e a Barbiana, onde os padres Primo Mazzolari e Lorenzo Milani desempenharam o seu ministério. «Há dias, quando fui aos lugares daqueles dois bons pastores italianos — explicou — em Barbiana vi que o pároco ensinava aos seus jovens». E o outro pároco, padre Milani, «seguia um lema um pouco perigoso, contrário àquilo que se usava naquela época: I care».

«Que significa?», perguntou Francisco. A resposta foi que o prior de Barbiana «queria dizer “importa-me”», ou seja, «ensinava que as coisas deviam ser levadas a sério, contra o lema de moda naquela época, que era “não me importa”, mas dito com outra linguagem, que aqui não ouso» repetir (a referência do Papa é ao «que se lixe», um dos lemas do regime fascista). E deste modo o padre Milani «ensinava os jovens a irem em frente. Cuida da tua vida, e “isto não!”: saber denunciar o que é contrário à tua vida». Ao passo que, advertiu o Pontífice, «muitas vezes perdemos esta capacidade de condenação e queremos levar em frente as ovelhas um pouco com aquela complacência que não só é ingénua: não está bem. É prejudicial. Aquela bonomia dos compromissos, para atrair sobre si a admiração ou o amor dos fiéis, deixando-os agir».

Então, eis a conclusão resumida de Francisco: «O zelo apostólico de Paulo, apaixonado, zeloso: primeira caraterística. Um homem que sabe discernir, porque conhece a sedução e sabe que o diabo seduz: segunda caraterística. Um homem capaz de condenar aquilo que faz mal às suas ovelhas: terceira caraterística». Com o convite a rezar «por todos os pastores da Igreja, para que São Paulo interceda diante do Senhor», a fim de que «todos nós pastores possamos ter estas três caraterísticas» para o servir.

 



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