PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
Se a pastoral não tiver coragem
Terça-feira, 31 de outubro de 2017
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 45 de 9 de novembro de 2017
Os cristão «acreditam realmente» na «força do Espírito Santo» que está dentro deles? E têm a coragem de «lançar a semente», de se porem em jogo, ou de se refugiarem numa «pastoral de conservação» que não deixa que «o reino de Deus cresça»? Foram as questões formuladas pelo Papa Francisco na celebração deste dia, durante a qual traçou um horizonte de «esperança», para cada homem e para a Igreja como comunidade: o da plena realização do Reino de Deus, que tem dois pilares: a «força» poderosa do Espírito e a «coragem» de deixar desencadear esta força.
O Pontífice inspirou-se na leitura do excerto evangélico (Lc 13, 18-21) no qual «parece que Jesus sente um pouco de dificuldade: “Mas como posso explicar o Reino de Deus? Com o que o posso comparar?”» e utiliza «dois exemplos da vida diária»: o grão de mostarda e o fermento. Ambos, explicou Francisco, são pequenos, parecem inócuos, «mas quando entram em movimento, têm dentro de si um poder que sai e cresce, vai além, até mais do que se possa imaginar». É precisamente «este o mistério do Reino».
De facto, a realidade é que «o grão tem um poder interno, assim como o fermento», e também «o poder do Reino de Deus vem de dentro; a força vem de dentro, o crescimento vem do interior». Não é, acrescentou o Papa com uma comparação que remete para a atualidade, «um crescimento como, por exemplo, se verifica no caso de uma equipe de futebol quando aumenta o número de adeptos e torna a equipe maior», mas «vem de dentro». Um conceito que, acrescentou, é retomado por Paulo na Carta aos Romanos (8, 18-25) num trecho «cheio de tensões», porque «este crescimento do reino de Deus a partir de dentro, do interior, está em tensão».
Eis então que o apóstolo explica: «Quantas tensões há na nossa vida e para onde nos levam», e diz que «os sofrimentos desta vida não são comparáveis com a glória que nos espera». Mas também o próprio «esperar», disse o Pontífice relendo a epístola, não é aguardar «tranquilo»: Paulo fala «de fervorosa expetativa. Há uma expetativa fervorosa nestas tensões». Além disso, esta última não é só do homem, mas «também da criação» que «aponta para a revelação dos filhos de Deus». Com efeito «também a criação, como nós, foi submetida à caducidade» e procede na «esperança de que será libertada da escravidão da corrupção». Portanto, «é toda a criação que da caducidade existencial que sente se dirige para a glória, para se livrar da escravidão; leva-nos à liberdade. E esta criação — e nós com ela, com a criação — geme e sofre as dores do parto até hoje».
A conclusão deste raciocínio levou o Papa a repetir o conceito de «esperança»: o homem e a criação inteira possuem «as primícias do Espírito», isto é, «a força interna que nos leva em frente e nos dá a esperança» da «plenitude do Reino de Deus». Portanto, o apóstolo Paulo escreve «aquela frase que nos ensina muito: “De facto, na esperança fomos salvos”».
Ela, continuou o Pontífice, é um «caminho», «que nos leva à plenitude, a esperança de sair da prisão, da limitação, da escravidão, da corrupção, para chegar à glória». E, acrescentou, é «um dom do Espírito» que «está dentro de nós e leva a isto: a algo grandioso, a uma libertação, a uma grande glória. E por isso Jesus diz: “Dentro do grão de mostarda, daquela semente pequenina, existe a força que desencadeia um crescimento inimaginável”».
Eis então a realidade prefigurada pela parábola: «Dentro de nós e na criação — porque vamos juntos rumo à glória — existe uma força que desencadeia: é o Espírito Santo. Aquele que nos dá a esperança». E, acrescentou Francisco, «viver na esperança significa deixar que estas forças do Espírito vão em frente e nos ajudem a crescer rumo a esta plenitude que nos espera na glória».
Sucessivamente, a reflexão do Pontífice analisou outro aspeto, porque na parábola se diz também que «o grão de mostarda é tomado e lançado. Um homem pegou nele e lançou-o ao jardim» e que o fermento não foi deixado inerme: «uma mulher pegou nele e misturou-o». Isto é, compreende-se que «se o grão não for pego e lançado, se o fermento não for pego e misturado, permanecem ali e a força interior que possuem fica ali». Do mesmo modo, explicou Francisco, «se quisermos conservar para nós o grão, será só um grão. Se não o misturarmos com a vida, com a farinha da vida, o fermento permanece só fermento». Por conseguinte, é preciso «lançar, misturar a coragem da esperança». Que «cresce, porque o Reino de Deus cresce a partir de dentro, não por proselitismo». Cresce «com a força do Espírito Santo».
A tal propósito o Papa recordou que «a Igreja teve sempre quer a coragem de pegar e lançar, de tomar e misturar», quer «o medo de o fazer». E observou: «Muitas vezes vemos que se prefere uma pastoral de conservação» em vez de «deixar que o reino cresça». Quando acontece isto «permanecemos o que somos, pequeninos», talvez «nos sintamos seguros» mas «o Reino não cresce». Mas «para que o reino cresça é preciso coragem: lançar o grão, misturar o fermento».
Alguém poderia objetar: «Se eu lançar o grão, perco-o». Mas esta, explicou o Papa, é a realidade: «haverá sempre alguma perda, ao semear o reino de Deus. Se eu misturar o fermento sujo as mãos: graças a Deus! Ai daqueles que pregam o reino de Deus com a ilusão de não sujar as mãos. Esses são guardas de museus: preferem as coisas bonitas» ao «gesto de lançar para que a força se desencadeie, de misturar para que a força faça crescer».
Tudo isto está encerrado nas palavras de Jesus e de Paulo propostas pela liturgia: a «tensão que vai da escravidão do pecado» até à «plenitude da glória». É a esperança que «não desilude» mesmo se for «pequena como um grão e como o fermento». Alguém, recordou o Pontífice, «dizia que é a virtude mais humilde, é a serva. Mas ali está o Espírito, e onde houver esperança haverá o Espírito Santo. E é precisamente o Espírito Santo que leva em frente o Reino de Deus». E concluiu sugerindo aos presentes que pensem «no grão de mostarda e no fermento, no lançar e no misturar» e se perguntem: «Como está a minha esperança? É uma ilusão? Um “talvez”? Ou acredito que dentro dela reside o Espírito Santo? Falo com o Espírito Santo?».
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