PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA
Pelo rebanho não pela carreira
Terça-feira, 15 de maio de 2018
Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 21 de 24 de maio de 2018
Somos bispos pelo rebanho e não pela carreira: o último conselho presbiteral de São Paulo, uma verdadeira «despedida», é o melhor «testamento» possível pois no centro de tudo está Jesus Cristo. As palavras do apóstolo foram recordadas pelo Papa durante a missa.
«Na primeira leitura tirada do livro dos Atos dos Apóstolos — afirmou o Pontífice referindo-se ao trecho litúrgico (20, 17-27) — ouvimos a despedida de Paulo, a despedida de um apóstolo, do bispo: é um excerto vigoroso, que comove o coração». Mas «é também um trecho que nos mostra o caminho de cada bispo na hora da despedida». E deste discurso «metade é lida hoje e metade amanhã», observou o Papa, acrescentando: «Farei mais um comentário que uma homilia, comentarei este trecho». Porque «o excerto fala por si».
«Paulo faz vir os presbíteros de Mileto a Éfeso», explicou Francisco. Praticamente «realiza uma reunião do conselho presbiteral com os presbíteros para se despedir deles: tem que ir embora». E «quando estão reunidos — “quando chegaram, e estando todos reunidos, disse-lhes”, lê-se no livro — começa primeiro com um exame de consciência: “Vós sabeis de que modo sempre me tenho comportado para convosco, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia”». Paulo «diz o que pensa que fizera, aquilo que fez, e submete-o ao juízo de todos», como «uma espécie de exame de consciência do bispo diante do seu presbitério».
«Lendo isto com a nossa mentalidade — afirmou o Pontífice — pode parecer que Paulo é um pouco orgulhoso, que se vangloria demais». Mas «Paulo é objetivo, diz o que realizou» e «só se vangloria de dois aspetos: dos próprios pecados e da cruz de Jesus que o salvou». Noutro trecho, «observando-se a si mesmo, diz: “Mas sou um pecador, persegui os cristãos, matei. Sou como o fruto de um aborto” — faz uma descrição chocante de si mesmo — “vanglorio-me de tudo isto” e “olho para o Senhor mas também me vanglorio de Jesus que me salvou, me chamou, me escolheu”».
Quando Paulo «profere essas palavras — explicou o Papa — é objetivo: diz o que fez, mas o seu espírito está distante de qualquer vaidade humana. É real». Portanto, o apóstolo, «depois deste exame de consciência tão claro que ouvimos, noutro trecho afirma: “Constrangido pelo Espírito, vou a Jerusalém”». Por conseguinte, Paulo vive «esta experiência de bispo: o bispo que sabe discernir o Espírito, sabe discernir quando é o Espírito de Deus que fala e sabe defender-se quando fala o espírito do mundo».
Assim «constrangido pelo Espírito, sem saber o que lhe acontecerá», Paulo «vai em frente; sabia na escuridão, mas sabia, porque um profeta lhe revelara isto». E depois o apóstolo «explica porque sabia: “Só sei que, de cidade em cidade, o Espírito Santo me assegura que me esperam em Jerusalém cadeias e perseguições”». Conscientemente Paulo «vai rumo à tribulação, à cruz e isto faz-nos pensar na entrada de Jesus em Jerusalém: ele entra para sofrer e Paulo vai rumo à paixão», dizendo praticamente: «não me importa a minha vida, contanto que o Senhor conduza até ao fim a minha corrida e o serviço que me foi confiado».
Com este espírito Paulo «dá o serviço, oferece a vida; vê-se o rebento do martírio, o mártir. Oferece-se ao Senhor, obediente». Eis o sentido de “constrangido pelo Espírito”; o bispo que vai sempre em frente, mas segundo o Espírito Santo». «Este é Paulo», afirmou o Pontífice.
Aquele mesmo Paulo que depois dá o «terceiro passo: após ter feito o exame de consciência, dito onde iria e o que o espera, ele dá o terceiro passo: “Sei agora que não tornareis a ver a minha face, todos vós, por entre os quais andei pregando o Reino de Deus”». Deste modo Paulo «despede-se». Esta expressão «não tornareis a ver a minha face» que o apóstolo escreve, afirmou o Papa «é como se fosse a morte, com aquela ternura».
E, acrescentou o Pontífice, «o texto continua e será lido amanhã». Assim «depois de ter dito “não nos voltaremos a ver”, começa a dar conselhos». E «neste testamento Paulo não aconselha: “os objetos que deixo dai-os a alguém...”». Não é «o testamento mundano», porque «o seu amor grande é Jesus Cristo» e «o segundo amor, o rebanho». E afirma: «Cuidai de vós mesmos e de todo o rebanho».
Portanto, exorta Paulo, «vigiai o rebanho; sois bispos para o rebanho, para cuidar do rebanho, não para vos agarrar a uma carreira eclesiástica». Eis a sua «despedida»: “Como eu fiz, fazei vós: cuidai de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastorear a Igreja de Deus”».
Mas Paulo «explica» também «por que aconselha a vigiar: “Sei que depois da minha partida se introduzirão entre vós lobos cruéis, que não pouparão o rebanho. Mesmo dentre vós surgirão homens que hão de proferir doutrinas perversas, com o intento de arrebatarem após si os discípulos. Vigiai! Lembrai-vos, portanto, de que por três anos não cessei, noite e dia, de admoestar, com lágrimas, a cada um de vós». E assim Paulo, explicou o Papa, «volta ao exame de consciência: lembrai o que fiz e vigiai no futuro».
O apóstolo «termina com o coração grande, o coração humilde do homem que sabe que nada pode fazer: “Agora eu vos encomendo a Deus e à palavra da sua graça”». Pretendendo dizer: «Deus preservar-vos-á, ajudar-vos-á, dar-vos-á a força: ele tem o poder de edificar e concede a herança a todos que por ele são santificados». Depois o apóstolo «volta mais uma vez ao exame de consciência: “Prestai atenção, de ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes”». Paulo é «pobre». E, referem os Atos, «depois de ter dito isto, ajoelhou-se com todos eles e rezou».
Deste modo, afirmou o Papa, «acaba essa sessão do conselho presbiteral — a última em Éfeso — com a oração». Lê-se também nos Atos: «Derramaram-se em lágrimas e lançaram-se ao pescoço de Paulo para abraçá-lo, aflitos, sobretudo pela palavra que tinha dito: Já não vereis a minha face. Em seguida, acompanharam-no até ao navio». Nestas palavras, sugeriu Francisco, há «o amor, a ternura dos presbíteros para com o seu bispo: o beijo, o abraço, o pranto».
«O testamento de Paulo é um testemunho e também um anúncio» e «inclusive um desafio: “Eu percorri o meu caminho. Continuai vós”». Mas, observou o Papa, «como é distante este legado dos testamentos mundanos: “Isto deixo a fulano, a sicrano...”». Com «tantos bens» para distribuir.
«Paulo — insistiu o Pontífice — nada possuía, só a graça de Deus, a coragem apostólica, a revelação de Jesus Cristo e a salvação que o Senhor lhe concedeu». E, confidenciou o Papa, «quando leio isto, penso em mim. Porque sou bispo e devo despedir-me. Peço ao Senhor a graça de poder despedir-me deste modo. E no exame de consciência não sairei vencedor como Paulo, mas o Senhor é bom, é misericordioso». E, acrescentou Francisco, «penso nos bispos, em todos os bispos: que o Senhor conceda a graça a todos nós de poder despedir-nos assim, com este espírito, com este vigor, com este amor por Jesus Cristo, com esta confiança no Espírito Santo». E, concluiu, «rezemos por todos os bispos, a fim de que caminhem pela via de Paulo para poder, no final, deixar um testamento como este».
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