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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL
[12-21 DE OUTUBRO DE 1991]

HOMILIA DO SANTO PADRE
NA SANTA MISSA PARA OS FIÉIS
DA ARQUIDIOCESE DE CAMPO GRANDE

Quinta-feira, 17 de Outubro de 1991

 

“O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e serão os dois uma só carne” (Ef 5, 31; cfr. Gn 2, 42).

1. Vamos abrir o Livro do Gênesis, no trecho onde se fala das origens e da história do homem sobre a terra. Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança. O Criador, dando-lhes uma particular dignidade no mundo visível, institui já desde o início aquele sacramento da união matrimonial. Pela aliança matrimonial o homem e a mulher dão a vida, tornam-se pai e mãe dos próprios filhos. Criados à imagem e semelhança do seu Criador, refletem Sua paternidade naquela paternidade e maternidade humana.

2. A presença do Filho de Deus nas bodas de Caná da Galiléia serve de especial confirmação desta grande verdade. Jesus ali chega com sua Mãe e os apóstolos. Antes mesmo de confirmar, com suas palavras, a indissolubilidade do matrimônio, como instituição divina “desde o início”, Jesus confirma com sua presença em Caná, a importância deste Sacramento, inclusive, com o primeiro milagre (ou sinal), que realiza pelo bem dos donos da festa, e após o pedido de sua Mãe  (Cfr. Jo 2, 1-11).

Antes que este fato acontecesse em Caná da Galiléia, podemos pensar quantas vezes na história do homem sobre toda a terra, cumpriram-se aquelas palavras dirigidas “no início” ao homem e à mulher: “O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e serão os dois uma só carne”.

Pensemos também quantas vezes se cumpre essa mesma instituição divina em todo esse imenso Brasil. Basta que os esposos permaneçam fiéis aos desígnios do Deus-Criador, que é o Pai de toda a criatura. É preciso que os cumpram, de acordo com a lei do Evangelho de Cristo, como o Apóstolo nos mostra na Carta aos Efésios: “os maridos devem amar suas mulheres, como seus próprios corpos. Quem ama sua mulher, ama-se a si mesmo... Por isso também cada um de vós ame sua mulher como a si mesmo, e a mulher reverencie seu marido” (Ef 5, 28-33).

3. Portanto, amor e respeito mútuo! Não pode existir um, sem o outro.

Amar quer dizer não só desejar mas respeitar, merecer e aprender o mútuo respeito e, tendo sempre diante dos olhos o vínculo que une no matrimônio dois seres humanos. Amar é ter a consciência de que tal ligame é indissolúvel, dura, por instituição divina até a morte.

Recebo-te por minha esposa... recebo-te por meu esposo e te prometo ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias da minha vida”.

Eis o vínculo matrimonial que nasce do amor recíproco, se exprime mediante o juramento conjugal, que começa e se realiza diante da infinita majestade de Deus, por aquele mesmo amor com que o Pai nos amou no seu Filho, Jesus Cristo, Redentor do mundo!

Os esposos participam da função redentora de Cristo, ao assumirem integralmente, por vocação divina, a finalidade para a qual o matrimônio foi instituído. Cada união nasce pelo pacto entre um casal, mas com um conteúdo divinamente estabelecido, a unidade e a indissolubilidade, ordenado à procriação e à educação da prole.

Eis a beleza e a honra que o Senhor atribui ao homem e à mulher: poder participar, em cada nova criatura, não só do poder criador de Deus, mas também da realização em um novo ser humano dos frutos da Redenção. Cada criatura que vem ao mundo, torna-se herdeira, pelo Batismo, da Bem-Aventurança do Reino dos Céus!

4. Queridos irmãos e irmãs de Campo Grande, do Mato Grosso do Sul e do Brasil! Um célebre brasileiro, o escritor Rui Barbosa deixou-nos esta frase muito significativa: “A pátria é a família amplificada. Multiplicai a família e tereis a pátria”. Desta bela cidade que construístes, desta região privilegiada do Brasil onde morais, com seus campos imensos, sua terra fértil, com esta maravilha da natureza que é o Pantanal matogrossense, quero lançar hoje um veemente apelo a toda a Igreja no Brasil: a família deve ser vossa grande prioridade pastoral! Sem uma família respeitada e estável não pode haver um organismo social sadio, sem ela não pode haver uma verdadeira comunidade eclesial!

5. É necessária, pois, uma Pastoral famíliar porque a evangelização no futuro depende em grande parte da “Igreja doméstica”. Esta pastoral, como o disse em Puebla, “é tanto mais importante quanto a família é objeto de tantas ameaças. Pensai nas campanhas favoráveis ao divórcio, ao uso das práticas anticoncepcionais e ao aborto, que destroem a sociedade” (Ioannis Pauli PP. II Allocutio in urbe “Puebla de Los Angeles”, ineunte III Coetu generali Episcopatus Latino-americani, IV, 1, a, die 28 ian. 1979: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, II (1979) 209).

Hoje, se comprova esta realidade. Ela está produzindo um esfacelamento da instituição famíliar. As uniões ilícitas muito freqüentes na sociedade brasileira, a perda dos valores cristãos, afetados por uma Publicidade permissiva e as agressões de certos meios de comunicação social tudo isso está obscurecendo a visão cristã do amor humano. A falta de uma ética que defenda a dignidade do ser humano nos ambientes escolares, nos Cursos preparatórios para o ingresso nas Universidades e nas mesmas Universidades, vai privando a juventude do conhecimento da Lei de Deus e de suas conseqüências. Enfim, a falta de uma autêntica formação espiritual e moral e um desvio do ensinamento doutrinário, para dar preferência aos problemas sociais, estão criando um progressivo esvaziamento do conteúdo da fé, tornando mais atraente a participação em “seitas” das mais distintas denominações.

É certo também que, no ambiente rural e nas cidades, muitas famílias continuam mantendo as mais belas tradições da vida cristã. Elas constituem um verdadeiro baluarte da fé do vosso Povo. Abençoo de coração os pais, os esposos e noivos comprometidos realmente na vivência séria dos princípios do Magistério da Igreja Católica, que é depositária autêntica da verdade revelada. Peço ao Senhor abundantes graças para que se mantenham fiéis aos ideais de santidade no matrimônio a que são chamados. O Papa quer que saibam, por maiores que sejam as dificuldades da vida, que sua fidelidade será sempre sustentada pela graça do Sacramento do Matrimônio, e pela atenção e o apoio da Igreja.

6. Não há quem não veja, queridos Irmãos e Irmãs, que o futuro da Igreja está nas famílias cristãs devidamente preparadas para assumir o papel de condutoras da sociedade nacional. Isso vale, sobretudo quando se trata de enfrentar o grave problema da e scassez de sacerdotes num País com uma população em contínuo crescimento. Nunca se poderá enfrentar eficazmente este problema, sem antes considerar com coragem e decisão dois aspectos que iluminam as diretrizes a serem tomadas.

Volto a reafirmar aqui, em primeiro lugar, que, “onde existe uma pastoral esclarecida e eficaz da família, da mesma forma que se torna natural acolher com alegria a vida, será mais fácil ouvir a voz de Deus e mais generosa a resposta de quem a escuta”. Se os pais forem generosos em acolher um novo filho que Deus lhes enviar, será mais fácil que sejam também generosos os filhos quando se decidirem a oferecer a própria vida a Deus, no serviço apostólico. “A família que realiza com generosa fidelidade seus deveres e tem consciência da sua participação quotidiana no mistério da Cruz gloriosa de Cristo, torna-se o primeiro e o melhor seminário da vocação à vida consagrada ao Reino de Deus” (Familiaris Consortio, 53).

Deve-se, por isso valorizar as motivações cristãs que estão na base das grandes opções da juventude. A vida humana alcança sua plenitude quando se torna dom de si mesma: um dom que pode se exprimir no matrimônio, na virgindade consagrada, na entrega ao próximo por um ideal e na escolha do sacerdócio ministerial. Os pais prestarão verdadeiro serviço à vida dos filhos, se os ajudarem a fazer da própria existência um dom, respeitando suas escolhas amadurecidas e promovendo com alegria cada vocação, inclusive a religiosa ou sacerdotal. A família desempenhará assim um papel primordial no desabrochar, no crescimento e na maturação final da vocação sacerdotal. Por conseguinte, a pastoral das vocações é também pastoral da família. E as comunidades paroquiais deveriam participar ativamente no acompanhamento da formação dos candidatos ao sacerdócio.

Estou certo de que os esforços de conscientização neste sentido, não deixarão de alcançar, com a contínua assistência divina, abundantes frutos. Com a certeza da esperança que não confunde e da intercessão da Virgem Maria e de seu esposo São José, peço a Deus Todo-Poderoso, que dentro em pouco estará sobre este altar no Santo Sacrifício da Missa, que proteja a família brasileira, a família de todos que viestes assistir à Missa do Papa e dos que a nós estão unidos pela rádio ou pela televisão!

Em segundo lugar, a insistência, tantas vezes reiterada, da necessidade dos fiéis leigos assumirem suas responsabilidades, para tornar possível uma presença mais viva da luz cristã na sociedade, deve vir acompanhada pelo trabalho contínuo, generoso, humilde e audaz, do ministério dos sacerdotes. As famílias cristãs assumirão plenamente aquelas responsabilidades se encontrarem “ sacerdotes que sejam plenamente sacerdotes... Quanto mais descristianizado está o mundo ou carece de maturidade na fé, tanto maior necessidade tem de sacerdotes que estejam totalmente consagrados a dar testemunho da plenitude do mistério de Cristo” ( Insegnamenti di Giovanni Paolo II, III, 1 (1980) 1532). Sacerdotes, segundo o coração de Cristo: homens de vida de oração, que dão testemunho exemplar com a própria conduta e que saibam orientar as famílias e os jovens na verdade, de acordo com o magistério perene da Igreja.

7. No início de sua atividade messiânica Jesus foi a Caná da Galiléia, e ali, para atender ao pedido de sua Mãe, fez o primeiro milagre, para atender à necessidade dos donos da festa e dos recém-casados. Transformou a água em vinho. A água, na sua simplicidade, passou a ser uma bebida nobre.

Deste modo Jesus deu a conhecer que Ele, o Redentor do mundo, com seu poder redentor não só deseja confirmar o matrimônio da Antiga Aliança mas deseja enobrecê-lo e santificá-lo. Cristo deseja, como ensina o Apóstolo na Carta aos Efésios, exprimir na aliança matrimonial do homem e da mulher um grande mistério (Cfr. Ef 5, 32)! Este mistério é o do amor com que Ele mesmo amou a Igreja. O Redentor do mundo tornou-se o Esposo da Igreja, sua Esposa. “Cristo amou a Igreja e por ela se entregou a si mesmo, para a santificar... para apresentá-la sem mácula” ( Ibid. 5, 25. 27). O mistério deste amor esponsal do Filho de Deus pela Igreja é a medida e o modelo do amor que deve unir no matrimônio sacramental marido e mulher. Cristo amou a Igreja até ao sacrifício de Sua vida. É necessário, portanto, que os esposos descubram n’Ele o modelo do próprio amor conjugal. É preciso que aprendam de Cristo, renovando constantemente o matrimônio, ao longo dos dias e dos anos, c om a graça deste grande sacramento.

8. Cristo vos está ensinando, queridos Esposos e Pais, não só através do Evangelho, mas também por meio do grande mistério do seu amor redentor.

Em Caná da Galiléia, ao lado dos esposos recém-casados está a Mãe de Cristo. Ela diz aos criados: “Fazei tudo que Ele, meu Filho, vos disser” ( Jo 2, 5).

Que junto a todos, do primeiro ao último dia de vosso matrimônio, esteja a Mãe de Cristo! Que Ela vos repita sempre estas palavras: “Fazei tudo que meu Filho vos disser”.

9. Agradeço o acolhimento do meu querido irmão Dom Vitório Pavanello e dos outros Bispos deste Estado. Agradeço aos caros Padres Salesianos a hospedagem que me deram em sua casa. Vão aqui também minhas palavras de estímulo aos queridos religiosos e religiosas para que saibam continuar no seu serviço alegre e abnegado pelo Reino de Deus numa constante e irrevogável consagração de suas vidas. Para os presbíteros, seminaristas e candidatos que estão se formando no Estado, sobretudo em Campo Grande, no Seminário Regional Propedêûtico, no Seminário Maior Maria Mãe da Igreja, no Instituto Teológico do Oeste, no Postulantado e Noviciado intercongregacional, invoco a proteção do Altíssimo para que saibam corresponder às expectativas que a Igreja neles deposita para a construção do Reino de Deus. Aqui vai também meu agradecimento às autoridades de Mato Grosso do Sul, ao Senhor Governador, e demais autoridades civis e militares pela acolhida, pelas atenções que tiveram comigo durante minha permanência em Campo Grande.

Enfim, meus caros amigos, todos que me ouvis, de tantas raças e povos, brancos, negros, índios, latino-americanos sobretudo paraguaios e bolivianos, emigrantes europeus, árabes, asiáticos sobretudo os japoneses em tão grande número neste Estado, todos que formais esta grande família sul-matogrossense e brasileira, líderes e animadores das comunidades, leigos empenhados na luta pela dignidade da vida e a consolidação da família, aos jovens e aos doentes, o Papa quer dar um grande abraço e sua bênção. O Papa não se esquecerá de ninguém!

A Virgem Maria, a quem invocais com tanto amor nesta Arquidiocese como Nossa Senhora dos Prazeres, vos conceda, queridos Esposos e pais, sentir em vossa vida Sua presença materna, transformando em vinho, dando uma nobreza nova à vossa sublime missão. Que o poder santificador do Espírito, que desceu sobre a Virgem de Nazaré e a fez Mãe do Filho de Deus, desça também sobre vossas famílias, sobre todas as famílias do Brasil! Deus vos abençoe!

Veni, Creator Spiritus!

 



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