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PEREGRINAÇÃO JUBILAR DO PAPA JOÃO PAULO II
AO MONTE SINAI
(24 - 26 DE FEVEREIRO DE 2000)

SANTA MISSA

 HOMILIA DO SANTO PADRE

Palácio dos Desportos, Cidade do Cairo
Sábado, 25 de Fevereiro de 2000

 

1. "Do Egipto chamei o Meu Filho" (Mt 2, 15).

O Evangelho de hoje recorda-nos a fuga da Sagrada Família para o Egipto, onde veio buscar refúgio. "Um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, e disse-lhe:  "Levanta-te, toma o Menino e Sua Mãe, foge para o Egipto e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará o Menino para O matar"" (Mt 2, 13). Desta maneira, Cristo "que se fez homem a fim de tornar o homem capaz de receber a divindade" (Santo Atanásio de Alexandria, Contra os arianos, 2, 59), quis refazer o percurso que foi o do chamamento divino, o caminho que o seu povo tinha empreendido, a fim de que todos os seus membros se tornassem filhos no Filho. "E ele (José) levantou-se, de noite, tomou o Menino e Sua mãe e partiu para o Egipto, permanecendo ali até à morte de Herodes.

Assim se cumpriu o que o Senhor anunciou pelo profeta:  "Do Egipto chamei o Meu Filho"" (Mt 2, 14-15). A Providência conduzia Jesus pelos caminhos que outrora os israelitas tinham percorrido rumo à terra prometida, sob o sinal do cordeiro pascal, celebrando a Páscoa. Também Jesus, o Cordeiro de Deus, foi chamado do Egipto pelo Pai, para cumprir em Jerusalém a Páscoa da aliança nova e irrevogável, a Páscoa definitiva, a Páscoa que dá ao mundo a salvação.

2. "Do Egipto chamei o Meu Filho". Assim fala o Senhor, que fez sair o seu povo da condição de escravidão (cf. Êx 20, 2), para concluir com ele no Monte Sinai uma aliança. A festa da Páscoa permanece para sempre a lembrança desta libertação. Ela comemora este evento, que continua presente na memória do povo de Deus. Quando partiram para a sua longa caminhada, sob a guia de Moisés, os israelitas não pensavam que a sua peregrinação através do deserto até à terra prometida devesse durar quarenta anos. O próprio Moisés, que conduzira o seu povo fora do Egipto e o guiara durante todo aquele tempo, não entrou na terra prometida. Antes de morrer, contemplou-a do alto do monte Nebo e depois confiou o povo a Josué, seu sucessor.

3. Enquanto os cristãos celebram o bimilenário do nascimento de Jesus, devemos fazer esta peregrinação aos lugares em que teve início e se desenvolveu a história da salvação, história de amor irrevogável entre Deus e os homens, presença do Senhor da história no tempo e na vida dos homens. Viemos ao Egipto, percorrendo aquele caminho ao longo do qual Deus guiou o seu povo, tendo à frente Moisés, para o conduzir à terra prometida. Pomo-nos a caminho, iluminados pelas palavras do livro do Êxodo:  abandonando a nossa condição de escravidão, vamos ao Monte Sinai, onde Deus estabeleceu a sua aliança com a casa de Jacob, por meio de Moisés, em cujas mãos depositou as tábuas do Decálogo. Como é magnífica esta aliança! Ela mostra-nos que Deus não cessa de se dirigir ao homem para lhe comunicar a vida em abundância. Põe-nos na presença de Deus e é a expressão do seu profundo amor pelo seu povo. Convida o homem a voltar-se para Deus, a deixar-se tocar pelo seu amor e a realizar as aspirações à felicidade que ele traz em si. Se acolhermos em espírito as tábuas dos dez mandamentos, nós viveremos plenamente da lei que Deus pôs nos nossos corações e teremos parte na salvação que a Aliança, concluída no Monte Sinai entre Deus e o seu povo, revelou e que o Filho de Deus nos oferece mediante a redenção.

4. Nesta terra do Egipto, que tenho a alegria de visitar pela primeira vez, a mensagem da nova Aliança foi transmitida, de geração em geração, através da venerável Igreja copta, herdeira da pregação e da acção apostólica do evangelista São Marcos que, segundo a tradição, sofreu o martírio em Alexandria. Neste dia elevamos a Deus uma ardente acção de graças pela rica história desta Igreja e pelo generoso apostolado dos seus fiéis que, ao longo dos séculos, às vezes até ao derramamento do sangue, foram as ardorosas testemunhas do amor do Senhor.

Agradeço com afecto a Sua Beatitude Stephanos II Gathas, Patriarca copta católico de Alexandria, as palavras de acolhimento que me dirigiu; elas testemunham a fé viva e a fidelidade da vossa comunidade à Igreja de Roma. Saúdo cordialmente os Patriarcas e os Bispos que participam nesta liturgia eucarística, assim como os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e todos os fiéis que vieram acompanhar-me nesta etapa da minha peregrinação jubilar. Saúdo também com deferência as Autoridades e todas as pessoas que desejaram unir-se a esta celebração. Temos a Igreja copta ortodoxa, o seu venerado Patriarca, Papa Shenouda III, nosso irmão, e todos os Bispos e fiéis desta Igreja. Apresento os meus melhores votos a Sua Santidade Petrus VII, Patriarca do Egipto greco-ortodoxo, e a todos os membros da sua Igreja.

A vossa presença aqui à volta do Sucessor de Pedro é um sinal da unidade da Igreja, cuja cabeça é Cristo. Que a fraternidade entre todos os discípulos do Senhor, tão bem manifestada aqui, seja um encorajamento a prosseguirdes nos esforços por constituir comunidades unidas no amor, fermentos de concórdia e de reconciliação! Deste modo, encontrareis a força e o conforto, em particular nos momentos de dificuldade ou de dúvida, para dardes a Cristo, na terra dos vossos ancestrais, um testemunho cada vez mais ardente. Com o Apóstolo Paulo, dou graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, orando por vós a cada instante, a fim de crescerdes na fé, permanecerdes firmes na esperança e difundirdes em toda a parte a caridade de Cristo (cf. Cl 1, 3-5).

5. Neste ano jubilar, ao recordarmo-nos de que Cristo "é a Cabeça do Corpo, que é a Igreja" (Cl 1, 18), devemos procurar sempre com mais ardor progredir de maneira decisiva nos caminhos da unidade querida por Ele para os seus discípulos, num espírito de confiança e de fraternidade.

Assim, o nosso testemunho comum dará glória a Deus e será cada vez mais crível aos olhos dos homens. Oro ao Pai celeste para que com todas as Igrejas e Comunidades eclesiais, que saúdo aqui com respeito, se desenvolvam relações tranquilas e fraternas, na caridade e na boa vontade.

Esse clima de diálogo e de proximidade ajudará a encontrar soluções para os problemas que ainda dificultam a plena comunhão. Ele favorecerá também o respeito  das  sensibilidades  próprias  a cada comunidade, assim como a sua maneira específica de exprimir a fé em Cristo  e  de  celebrar  os  sacramentos, que  as  Igrejas  devem  reciprocamente reconhecer como sendo administrados no nome do mesmo Senhor. Ao celebrarmos  nesta  peregrinação  a  Páscoa do Senhor, possamos nós viver o Pentecostes no qual todos os discípulos, reunidos com a Mãe de Deus, acolhem o Espírito Santo, que nos reconcilia com o Senhor e é o princípio de unidade e de força para a missão, fazendo de nós um  só  corpo,  imagem  do  mundo que há-de vir!

6. Desde as origens, a vida espiritual e intelectual desenvolveu-se de maneira notável na Igreja no Egipto. Podemos evocar aqui os ilustres fundadores do monaquismo cristão, António, Pacómio e Macário, e muitos outros Patriarcas, confessores, pensadores e doutores que são a glória da Igreja universal. Ainda hoje, os mosteiros continuam a ser centros vivos de oração, de estudo e de meditação, na fidelidade à antiga tradição cenobítica e anacorética da Igreja copta, recordando que o contacto fiel e prolongado com o Senhor é o fermento da transformação das pessoas e da sociedade inteira. Deste modo, a vida com Deus faz resplandecer a luz sobre os nossos rostos humanos e ilumina o mundo com uma luz nova, a viva chama do amor.

Ao acolherem hoje este impulso espiritual e apostólico que lhes foi transmitido pelos Pais na fé, que os jovens sejam atentos à chamada do Senhor que os convida a caminhar no seu seguimento, e respondam com generosidade, aceitando empenhar-se no sacerdócio e na vida consagrada activa ou contemplativa! Mediante o testemunho da sua vida de homens e de mulheres totalmente dedicada a Deus e aos próprios irmãos, fundada sobre uma experiência espiritual intensa, as pessoas consagradas manifestem o amor sem limites do Senhor pelo mundo!

7. É este amor gratuito e sem exclusão que quer traduzir o empenho da Igreja católica junto do povo egípcio nos sectores da educação, da saúde, das obras caritativas. A presença activa da Igreja na formação intelectual e moral da juventude é uma longa tradição do Patriarcado copta católico e do Vicariato latino. Mediante a educação dos jovens para os valores humanos, espirituais e morais essenciais, no respeito da consciência de cada um, as instituições educativas católicas desejam oferecer o seu contributo à promoção da pessoa, de modo particular da mulher e da família; elas querem também favorecer relações amistosas com os muçulmanos, a fim de que os membros de cada uma das comunidades se esforcem com sinceridade por se compreenderem mutuamente e promoverem juntas, em favor de todos os homens, a justiça social, os valores morais, a paz, o respeito e a liberdade.

É um dever para todos os cidadãos participar activamente, em espírito de solidariedade, na edificação social, na consolidação da paz entre as comunidades e na gestão honesta do bem comum. Para realizar esta obra comum que deve aproximar os membros de uma mesma nação, é justo que todos, cristãos e muçulmanos, no respeito pelas diferentes opiniões religiosas, ponham as suas competências ao serviço da colectividade, a todos os níveis da vida social.

8. Ao unirmo-nos ao caminho de fé de Moisés, no decurso da peregrinação jubilar que realizamos nestes dias, somos convidados a prosseguir o nosso caminho rumo à montanha do Senhor, a abandonar as nossas escravidões para marcharmos pelo caminho de Deus. "E Deus, vendo assim as nossas boas disposições e constatando que Lhe atribuímos o que realizamos [...], dar-nos-á em contrapartida o que Lhe é próprio, os dons espirituais, divinos e celestes" (São Macário, Homilias espirituais, 25, 20). Para cada um de nós, o Horeb, "monte da fé", é chamado a tornar-se "o lugar do encontro e de um pacto recíproco, de certo modo o "monte do amor"" (Carta sobre a peregrinação aos lugares relacionados com a história da salvação, 6). Foi ali que o povo se empenhou em viver, aderindo plenamente à vontade divina, e que Deus lhe assegurou a sua benevolência eterna. Este mistério de amor realiza-se em plenitude na Páscoa da nova Aliança, no dom que o Pai faz do seu Filho para a salvação da humanidade inteira.

Recebamos hoje de modo renovado a lei divina, como um tesouro precioso! Tornemo-nos, como Moisés, homens e mulheres que, ao mesmo tempo, intercedem junto do Senhor e transmitem aos homens a lei que é uma chamada à verdadeira vida, que liberta dos ídolos e torna toda a existência infinitamente bela e preciosa! Por sua parte, os jovens esperam com impaciência que façamos com que descubram o rosto de Deus, que lhes mostremos a via a seguir, o caminho do encontro pessoal com Deus e os actos humanos dignos da nossa filiação divina, um caminho sem dúvida que exige esforço, mas o único caminho de libertação que satisfará o seu desejo de felicidade. Quando estivermos com Deus no monte da oração, deixemo-nos impregnar da sua luz, a fim de o nosso rosto resplandecer com a glória de Deus e convidar os homens a viverem desta felicidade divina, que é a vida em plenitude!

"Do Egipto chamei o Meu Filho". Oxalá todo o homem ouça o apelo de Deus da Aliança e descubra a alegria de ser filho!

Saúdo todos os irmãos e irmãs da Igreja no Sudão, alguns dos quais estão presentes aqui. Oro por vós!

Shukran! Shukran!

Obrigado! Obrigado!

 


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