DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
A UM GRUPO DE DOENTINHOS
Segunda-feira, 21 de Maio de 1979
Filhos caríssimos
Permiti que sem circunlocuções ou perífrases introdutivas, mas com imediata espontaneidade vos manifeste os vários sentimentos da minha alma, neste encontro, durante uma límpida e serena tarde de Maio, aos pés da Gruta de Nossa Senhora, ou melhor junto do Coração da Mãe Imaculada, que nos olha e nos sorri da gruta construída nestes Jardins Vaticanos, em devota e perene recordação daquele sítio, perto dos Pirenéus, onde Ela apareceu, no século passado, como visão de Céu, mensageira de esperança e de amor pela humanidade sofredora e pecadora!
O meu primeiro pensamento é de sincera complacência e viva gratidão a todos aqueles que promoveram e organizaram este nosso encontro que se poderia definir "encontro de família", porque estamos todos reunidos à volta de Nossa Senhora para um diálogo simples, espontâneo e afectuoso, como acontece entre os filhos e a mãe, que tudo vê, até os segredos mais escondidos; que tudo compreende, até os mais longos silêncios; que tudo revivifica, até as coisas mais insignificantes.
Obrigado a todos vós, por terdes vindo visitar o Papa; obrigado, ainda, pelos delicados sentimentos que cultivais no coração para como Vigário de Cristo e que pretendeis manifestar nesta particular circunstância; obrigado, enfim, pela vossa presença, que se pode considerar quase "presença sacramental" de Cristo! Sim, vós sois, na vossa carne ferida e dolorosa, a expressão de Cristo Crucificado, e como que o prolongamento da sua Paixão, de maneira que possa cada um de vós repetir com São Paulo: Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, em benefício do seu corpo, que é a Igreja (Col 1, 24); e ainda: Sofremos juntamente com Ele (isto é com Jesus) para sermos com Ele glorificados (Rom 8, 17). Cristo, por conseguinte, escolhe-vos, une-vos e assimila-vos a Si como meio insubstituível, inefável do sofrimento, através do qual Ele imprime em vós a sua imagem dolorosa e continua a realizar a obra da Redenção. Qual é, pois, o valor do vosso sofrimento? Vós não sofrestes ou sofreis em vão: a dor amadurece-vos no espírito, purifica-vos o coração, dá-vos um sentido real do mundo e da vida, enriquece-vos de bondade, de paciência, de longanimidade, e — sentindo ecoar na vossa alma a promessa do Senhor: Bem-aventurados os aflitos, porque serão confortados (Mt 5, 4) — dá-vos a sensação de uma paz profunda, de uma perfeita alegria e de uma esperança gozosa. Sabei, por conseguinte, dar um valor cristão ao vosso sofrimento, sabei santificar a vossa dor, com confiança constante e generosa n'Aquele que conforta e dá força. Sabei que não estais sós, nem separados, nem abandonados na vossa "Via-Sacra"; ao vosso lado, ao lado de cada um de vós, está a Virgem Imaculada, que vos considera como seus filhos mais amados; Maria, que "para nós se tornou Mãe, na ordem da graça... desde o momento do consentimento prestado na Anunciação e fielmente mantido sem hesitação aos pés da Cruz..." (Lumen Gentium, 61-62), está perto de vós, porque muito sofreu com Jesus pela salvação do mundo.
Olhai para Ela com plena confiança e filial abandono; Ela olha para vós com um olhar particular, sorri-vos com ternura materna, e segue-vos com solícito cuidado!
Assista-vos e proteja-vos sempre esta Mãe dulcíssima: nós pedimos-Lhe por vós, para que esteja perto de vós, vos conforte, vos dê paz e leve à realização em vós, para o bem da Igreja, para a difusão do Evangelho, para a paz do mundo, aquele desígnio de graça e de amor que mais estreitamente vos une e configura a Cristo Jesus. Estou certo que rezareis pelo Papa e também por ele oferecereis os vossos sofrimentos ao Senhor, não é verdade? Deste modo, o nosso recíproco colóquio cordial continuará para além deste brevíssimo espaço de tempo.
A todos vós, enfim, aos vossos familiares, aos médicos e a quantos vos assistem e têm cuidado contínuo e afectuoso por vós, dou a Bênção Apostólica como prenúncio de abundantes favores celestes e penhor da minha paternal benevolência.
Desejo também saudar os membros da Comissão internacional católica dos Cegos, que preparam o seu décimo primeiro Congresso internacional.
Queridos amigos, conheço os vossos esforços ao serviço dos ceguinhos, especialmente nos países em fase de desenvolvimento, onde a vida é ainda mais difícil para eles; recebei todo o meu encorajamento!
Sem dúvida, a natureza revolta-se espontaneamente perante o sofrimento e a enfermidade. Por outro lado, é necessário não os rejeitar de qualquer modo, a fim de chegar a superá-los, a viver, apesar deles, tão plenamente quanto possível. Está precisamente ali o sentido da acção social da vossa Comissão.
Mas a fé no Senhor ressuscitado abre uma perspectiva mais profunda. O "Exsultet" da Páscoa diz-nos que Ele é "a luz que não conhece ocaso", "qui nescit occasum"! Procurai esta luz da alma. Através dela, o sofrimento unido ao de Nosso Senhor e ao da Virgem Maria aos pés da Cruz abre o caminho da vida eterna, para si mesmo e para os outros.
Faço votos por que o vosso Congresso, consagrado à terceira idade, trabalhe segundo esta dupla inspiração. Ajudai os ceguinhos a viverem plenamente no plano humano. Ajudai-os a prosseguirem generosamente em direcção a esta luz espiritual "que não conhece ocaso", que pode iluminar e dar calor a todos os anciãos, apesar dos seus sofrimentos, até ao último instante. A Virgem da Luz, que deve ser invocada todos os dias, vos guie no vosso apostolado. Estai certos da minha oração por vós, por todos os ceguinhos que representais, e recebei a minha bênção.
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