VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE
À REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA
[15-18 DE NOVEMBRO DE 1980]
DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS REPRESENTANTES
DE OUTRAS CONFISSÕES CRISTÃS
Mogúncia, 17 de Novembro de 1980
Prezados Irmãos em Cristo
"Como é bom e suave viverem juntos os irmãos!" (Sl 133, 1). Não poderemos nós todos saborear nesta hora a verdade desta palavra do salmista? Encontramo-nos aqui juntos como irmãos no Senhor. A fraternidade não é para nós palavra vã ou sonho fugaz; é feliz realidade, hoje e onde quer que os cristãos obedeçam ao Senhor e o sigam. Une-nos a graça de Deus com Ele e entre nós. Com o Vaticano II podemos acalentar a confiança de que "este laço fraterno entre todos os cristãos nos conduz finalmente, segundo a vontade de Deus, à unidade plena e perfeita" (Unitatis Redintegratio, 5). Somos todos destinados a viver juntos na única "família de Deus"; somos chamados "a servir a salvação e a renovação de cada criatura, a fim de que tudo seja recapitulado em Cristo e encontrem as pessoas n'Ele uma única família e um único povo de Deus" (Ad gentes, 1).
Todo o júbilo deste nosso encontro, da nossa vocação e missão não nos deve fazer olvidar quão pouco temos correspondido e corresponde-mos à graça de Deus. Não obstante a nossa profunda união, sob muitos aspectos ainda estamos, efectivamente, divididos.
O facto de estarmos juntos aqui na vossa Pátria alemã coloca-nos defronte ao evento da Reforma. Devemos pensar no que a precedeu e em tudo que desde então tem acontecido. Se não desconsiderarmos os factos, dar-nos-emos conta de que foram culpas humanas que nos levaram à infeliz divisão dos cristãos e a nossa culpa ainda e sempre embarga os passos possíveis e necessários rumo à unidade. Com vigor faço minhas as palavras do meu predecessor Adriano VI em 1523 na Dieta de Nürinberg: "Uma coisa é certa: não se encolheu a mão do Senhor ao ponto de não nos poder salvar, mas o pecado nos separa d'Ele... Todos nós, prelados e sacerdotes, nos extraviamos e não há nem sequer um só que pratique o bem (cf. Sl 13, 3). Por isso, devemos todos prestar homenagem a Deus e humilhar-nos perante Ele. Cada um de nós deve ponderar porque caiu e julgar-se a si mesmo antes de ser julgado por Deus no dia da ira". Com o último Papa alemão ou holandês, digo: "A enfermidade criou raízes profundas e alastrou-se; faz-se mister, pois, proceder passo a passo e enfrentar antes de tudo os males mais graves e perigosos com remédios adequados, para não emaranhar mais tudo com uma reforma açodada". Hoje, como então, o primeiro e mais importante passo para a unidade é a renovação da vida cristã. "Não acontece ecumenismo autêntico sem conversão interior" (Unitatis Redintegratio, 7).
No esforço pela renovação e a união muito pode ajudar-nos quanto já se tem feito na vossa Pátria do ponto de vista ecuménico. Recordamos a propósito o encontro dos irmãos desunidos nos anos da sofrida calamidade e tribulação comum, o martírio dos que imolaram as suas vidas pela unidade em Cristo, os diuturnos esforços científicos envidados em comum pela unidade dos cristãos, os mútuos e regulares contactos oficiais, as reiteradas iniciativas empreendidas para responder juntos às ameaças do nosso tempo, a reflexão animada pelo espírito ecuménico sobre a intenção e o testemunho da Confessio Augustana, a celebração do seu 450° aniversário, a união na Comunidade de trabalho das Igrejas Cristãs "por um testemunho e um serviço comum" (parágrafo 1 do Estatuto da ACK).
Sejam dadas, de coração, graças a Deus por tudo isso! Conceda Ele a todos força e coragem para não desacelerar os numerosos esforços pela união plena. Faça Ele com que germine a boa semente e sazone copiosos frutos.
Certamente, tudo depende, de maneira decisiva, de unirmo-nos cada vez mais "para um testemunho e um serviço comum". A unidade da Igreja faz parte constitutiva da sua essência inalienável. Ela não é fim a si mesma. O Senhor a confere "para que o mundo creia" (Jo 17, 21). Nada, deixemos de tentar para "testestemunharmos uns aos outros o que nos tenha sido dado em Jesus Cristo. É Ele "o único mediador entre Deus e os seres humanos" (1 Tim 2, 5). "Em nenhum outro há salvação" (Act 4, 12). Todos os passos ao encontro do Mediador obrigam-nos e incentivam-nos, simultaneamente, a ousarmos dar os passos necessários ao encontro de todos os nossos irmãos e irmãs. Como o amor do Senhor, assim também o verdadeiro serviço no Seu seguimento desconhece barreiras. Diz respeito a todas as dimensões da existência humana e todos os ambientes do nosso tempo. Empenhemo-nos juntos "a ajudar a pessoa humana a realizar a sua verdadeira dignidade, a promover o bem da paz, a actuar a aplicação social do Evangelho, a cultivar a ciência e a arte segundo o espírito cristão, bem corno a excogitar remédios de toda sorte para as necessidades do nosso tempo, quais a fome e as calamidades, o analfabetismo e a indigência, a falta de habitação
e a injusta distribuição dos bens" (Unitatis Redintegratio, 12).
Recordando esta exigência do decreto sobre o ecumenismo, quisera ainda reiterar. as suas últimas palavras. Cônscio de que "a reconciliação de todos os cristãos na Igreja de Cristo, una e única, supera as forças e as capacidades humanas", o Concílio colocou "toda a sua esperança na oração de Cristo pela Igreja, no amor do Pai para connosco e na força do Espírito Santo. E a esperança não nos deixa confundidos, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido" (Rom 5, 5; U.R., 24).
Oremos: Senhor, dá-nos a força da esperança, o fogo do amor, a luz da fé. Rezemos juntos como no-lo ensinou o Senhor:
Pai-Nosso...
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