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VIAGEM APOSTÓLICA À ESPANHA
31 DE OUTUBRO - 9 DE NOVEMBRO DE 1982

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
NO ENCONTRO COM OS HOMENS DO MAR
EM SANTIAGO DE COMPOSTELA

Terça-feira, 9 de Novembro de 1982 

Queridos irmãos e irmãs

1. Sejam as minhas primeiras palavras de afectuosa saudação no Senhor, para vós e para todos os que no alto mar me escutam pela rádio. Quero dizer-vos em seguida que me sinto muito à vontade entre vós; é uma sensação de íntimo agrado, de alegria correspondida, porque sei que também vós desejáveis ardentemente ver e ouvir o Papa, e estar junto dele.

Que este sentimento comum que agora estamos a viver, se eleve, hoje e sempre, como um canto de louvor perene à glória de Deus Pai: a isto nos convida, com o seu encanto particular, este lugar onde nos encontramos: a esplêndida Praça do Obradoiro e a Basílica compostelana.

2. Oh! Como é bom, como é agradável viverem os irmãos em boa união" (Sl 132, 1). Unidos não só como peregrinos em busca da "perdonanza", mas também porque, embora pertencendo a distintas regiões espanholas — Galiza, Astúrias, Cantábria e outras — sois conscientes de fazer parte de uma grande família. E quando digo família, penso numa classe de homens, os homens do mar, vós, fortemente unidos por estes laços entranhados de solidariedade fraterna que distingue quantos de vós fizestes do mar o cenário habitual da vossa existência.

Desta fraternidade tendes experiência directa na vossa luta continua no vasto mar, que sulcais como herança comum dando prova do vosso valor e da vossa habilidade profissional. E compartilhando, com ânimo sempre disposto a "dar uma mão", horas de resistência à fadiga e intermináveis momentos de perigo e de luta, quando os ventos e as águas do oceano se tornam rebeldes.

São estes, entre muito outros, acontecimentos que acentuam em vós as saudades da própria terra e o afastamento do lar; mas ao mesmo tempo são momentos únicos que abalam a profundidade da alma, e fazem experimentar a força indispensável e invencível da fé e da confiança em Deus, que ama e protege os seus filhos.

3. Estas breves considerações alusivas à vossa condição de homens do mar, levam-me a reviver espontaneamente muitas cenas do Evangelho, junto do mar de Tiberíades, e que nos são familiares. Bem podeis dizer que naquelas páginas já se fala de vós e que os primeiros amigos de Jesus, os seus predilectos, eram da vossa família. Entre eles estava São Pedro, de quem por desígnio divino sou humilde Sucessor; daquele primeiro grupo fazia também parte" o querido apóstolo da Espanha, São Tiago; encontravam-se ainda outros que, tal como eles, eram pescadores de profissão.

A convivência e a grande amizade com o Mestre, o qual, escutando a sua chamada, foram seguindo primeiramente pelas circunvizinhanças do lago e depois através da Galileia e da Judeia; pelas colinas, pelos campos e os povoados, foram-lhes abrindo pouco a pouco os horizontes inimagináveis: nas palavras e nos milagres realizados diante deles, revelava-se a vontade de Deus Pai de salvar todos os homens mediante a morte e a ressurreição de seu Filho. A partir de então, os pescadores, aquele primeiro grupo (aumentado até constituir o grupo escolhido dos Doze), vinham a ser os continuadores da obra de Jesus através do imenso mar do mundo. Impulsionados pelo vento do Espírito, receberam a missão de transmitir a todos os povos a sua própria experiência — desde os dias no Tiberíades até ao acontecimento renovador do Pentecostes — sem outro objectivo que não fosse encher de homens a barca da Igreja.

4. Assim começou a sua navegação a nova barca de Pedro. E continuando a missão dele, tendes entre vós o Sucessor daquele pescador da Galileia. Vim para animar a vossa fé e a vossa confiança no Senhor, que vos agregou a Si desde o dia do baptismo.

Não desconheço que, no meio das vossas fatigantes tarefas, pode às vezes insinuar-se o desalento ou tornar-se denso o nevoeiro que encobre a fé. É então que deveis saber recorrer à oração e recordar que o Senhor não vos abandona, que fostes chamados por Jesus para estar com Ele na sua barca, onde Ele vela por vós; embora aos olhos humanos pudesse dar a impressão de ter adormecido: "porque temeis, homens de pouca fé?" (Mt 8, 26). A fé incondicionada e sem temores na presença imediata do Senhor deve ser a bússola que orienta a vossa vida de trabalho e de família para Deus, de onde vem a luz e a felicidade.

O mundo em que vivemos necessita — como vós — desta fé, deste farol de luz. Esquecer-se de Deus, como pretendem as tendências materialistas, significaria imergir-se na solidão e nas trevas, ficar sem rumo e sem guia. Por isso, queridos irmãos, vos animo encarecidamente a cultivar a fé recebida. Sabeis já como aproximar-vos de Cristo, como estar com Ele, sendo discípulos da sua pessoa e da sua mensagem; e desta experiência própria devem beneficiar as vossas famílias e quantos, nas vossas viagens por mar, se aproximarem de vós; também aqueles que talvez não tenham ouvido a mensagem evangélica.

5. A minha presença aqui quer ser além disso um Sinal vivo e comprovante da preocupação da Igreja pelos homens do mar. Tudo o que disse no meu Magistério, especialmente na Encíclica Laborem exercens, sobre a dignidade do trabalho humano, da sua primazia sobre as coisas que produz, tem a sua aplicação nos vossos problemas profissionais e de trabalho. "Não há dúvida de que o trabalho humano tem um seu valor ético, o qual, sem meios termos, permanece directamente ligado ao facto de aquele que o realiza ser uma pessoa, um sujeito consciente e livre, isto é, um sujeito que decide de si mesmo...: embora seja verdade que o homem está destinado e é chamado ao trabalho, contudo, antes de mais nada o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho" (Laborem exercens, 6).

Não ignoro as dificuldades que encontrais para o desenvolvimento das vossas pessoas no campo humano e para viverdes a vossa fé cristã: a prolongada permanência no mar, o isolamento, os obstáculos para a defesa dos vossos direitos no campo profissional e do trabalho, os perigos inerentes ao trabalho que realizais, o choque com ambientes de outras culturas.

É necessário que estas condições da vossa profissão sejam assumidas por vós e por quantos influem nas condições de vida e de trabalho do vosso sector, a fim de que haja sempre uma valorização maior da pessoa humana. Isto requer maiores facilidades para a vossa elevação cultural e profissional; melhores condições de trabalho e de vida a bordo; melhores garantias de segurança e higiene nos barcos, mais equitativa distribuição dos ganhos; férias adequadas que facilitem o contacto com a família, a sociedade e a comunidade eclesial; maiores possibilidades para o exercício dos vossos direitos de trabalhadores e cidadãos.

6. Quero dirigir agora o meu pensamento para aqueles componentes do núcleo familiar que vêem, como uma parte sua — o marido, os filhos mais velhos — afastar-se do lar, talvez por longas temporadas. Se a mãe é sempre uma figura insubstituível, aqui manifesta-se de maneira particular a sua incomparável dignidade, o seu imenso valor social. O coração da mãe é sempre o coração do lar. Em situações como as que agora considero é, por assim dizer, quase o lar inteiro. Graças à mãe, que então faz de mãe e de pai, mantém-se a continuidade do lar, garante-se a educação dos filhos, torna-se mais suportável para toda a família a expectativa do regresso do pai.

Mulheres que me ouvis e que vos encontrais numa situação como a que descrevo: senti orgulho com a vossa maternidade. Sede leais à vossa missão. Buscai em Deus a força para a grande entrega que se exige de vós. E quando o marido regressar, ou quando vos reunirdes de novo com ele, derramai o carinho do vosso coração. Superai as dificuldades que nunca faltam, e tende como meta única o serviço a Deus e aos outros.

E vós filhos, sobretudo filhos mais velhos, ajudai as vossas mães nessa tarefa, com amor filial, com sentido de família, com espírito cristão.

7. Sensível às inquietações da gente do mar, a Igreja instituiu, entre as suas actividades mais prometedoras, o Apostolado do Mar.

E já muito antes, a Igreja na Espanha se preocupara com a sua assistência espiritual. Esta louvável iniciativa continua ainda hoje mediante a obra de tantos sacerdotes espanhóis que prestam o seu ministério desde os mares frios do norte até às águas da África do Sul.

Vai para todos eles o agradecimento da Igreja, o afecto do Papa pelo seu inestimável serviço e o encorajamento a continuá-lo com generosidade.

8. Chegámos ao final destas minhas palavras, deste momento que desejaria prolongar. Há muitas coisas de que não pudemos falar, mas ficam nos vossos corações. Uma vez mais nos recordamos dos membros das vossas famílias que não estão connosco. Recordamo-nos de tantas pessoas que, embora não naveguem, vivem do mar e para o mar.

Todos estão hoje aqui e a todos quereria levar ao Senhor. Desejo fazê-lo pelo melhor caminho para chegar a Deus, seguindo o impulso da brisa favorável que faz avançar a barca. Refiro-me ao amor a Maria Santíssima, a Virgem Mãe de Deus.

Nossa Senhora do Carmo, cujas imagens se debruçam nas rias que constituem a beleza desta terra galega, vos acompanhe sempre. Seja Ela a estrela que vos guie, que nunca desapareça do vosso horizonte. Que vos conduza a Deus, ao porto seguro.

A todas as queridas gentes da Galiza, a todos vós que tendes a grande felicidade de conservar nesta vossa terra o tesouro mais precioso contido na memória do Santo Apóstolo São Tiago, seja sempre Ele a vossa guia, numa firme e fervorosa fé em Cristo, e sempre na vossa vida exemplarmente cristã.

Assim seja.

 



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