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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AOS SEMINARISTAS DO PONTIFÍCIO
 COLÉGIO PORTUGUÊS

12 de Janeiro de 1985

 

Meus amados irmãos e irmãs,
Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo
!

1. ESTAMOS AQUI CONGREGADOS, esta tarde, na comunhão do amor e do louvor de Deus e na caridade que nos irmana no Espírito Santo. Sinto alegria em encontrar-me hoje entre vós, nesta sede, relativamente nova, do Pontifício Colégio Português em Roma. Agradeço o vosso caloroso acolhimento, a vossa presença e saúdo a todos cordialmente: a representação dos Irmãos Bispos de Portugal, o Senhor Embaixador, as pessoas amigas da Casa, as Religiosas e, sobretudo, vós caros Sacerdotes e alunos, com os vossos Superiores, que aqui vos preparais, com amor e seriedade, para servir a Igreja de Deus.

O acto litúrgico que celebramos na vigília da Festa do Baptismo do Senhor, recorda-nos que a vida pública do divino Salvador está enquadrada por dois baptismos: o baptismo de penitência, nas margens do rio Jordão, que marca o início do itinerário de evangelização que o Servo de Javé percorrerá anunciando o Reino de Deus e passando fazendo o bem; e aquele outro baptismo – o do Calvário – em que o Redentor, como vítima de expiação, se constituirá pedra angular do mundo novo, “porque Deus estava com Ele”. Depois de Jesus Cristo ter sido baptizado, abriram-se os Céus e uma voz se fez ouvir: “Tu és o meu Filho muito amado: em Ti pus o meu enlevo”. E a “pedra angular, escolhida e preciosa” que os edificadores incrédulos rejeitaram, com a unção do Espírito Santo, que se manifestou sob a forma de pomba, torna-se a grande certeza para os que crêem: “quem puser n’Ele a sua confiança, não será confundido” .

2. Nós, por graça do Altíssimo, somos os que pusemos a confiança nessa “pedra angular”. Também nós um dia fomos baptizados na morte e ressurreição de Cristo; à semelhança d’Ele, recebemos a unção do Espírito; n’Ele nos tornamos filhos de Deus e pedras vivas, chamados a entrar “na construção dum edifício espiritual, por meio dum sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais que serão agradáveis a Deus”.

Como nas margens do Jordão, o Espírito Santo esteve presente nesse dia belo do nosso Baptismo, pois é Ele que gera no seio da fonte baptismal para uma vida nova aqueles que crêem em Cristo e os reúne num só Povo de Deus. E para a maioria de nós, aqui presentes, o Senhor reservou uma unção especial, que incluía em germe a vocação para “ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus”, ao serviço do Senhor e do próximo, na grande família humana.

O primeiro sentimento que nos há-de dominar nesta breve meditação é a adoração e o agradecimento, por Ele ter feito em nós “grandes coisas”: Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, pela eficácia da nossa fé, pelo dom da caridade, juntamente com o seu Espírito, e pela coragem da esperança que nos outorgou, porque “fomos escolhidos”. Com efeito, ninguém pode usurpar para si esta honra, mas somente a recebe o que é chamado por Deus. O próprio Jesus Cristo, Sumo Sacerdote, não se glorificou a si mesmo; mas foi glorificado por Aquele que lhe disse: “Tu és meu filho, hoje te gerei”. Uma palavra análoga nos foi “dita” quando fomos baptizados: “Fui Eu, o Senhor, quem te chamou, num propósito de salvação”; e quero tomar-te pela mão e formar-te, para usar os termos da profecia de Isaías.

3. Filhos de Deus, pedras vivas, assentes na “pedra angular”, constituídos a favor dos homens nas coisas respeitantes a Deus, “para oferecer dons e sacrifícios”, temos, necessariamente, também de ter alguma coisa de nós mesmos para oferecer. Nesta tarde, quereria falar-vos da confiança, o melhor que podemos oferecer de nós mesmos na nossa sublime função sacerdotal: “Filho, dá-me o teu coração e sejam agradáveis aos teus olhos os meus caminhos”. O Senhor, o mesmo ontem, hoje e para sempre, em resposta continua a repetir-nos: olhai: “No mundo tereis aflições, mas tende confiança! Eu venci o mundo”.

Tende confiança: é para vós esta palavra, caríssimos responsáveis da direcção e animação espiritual desta Casa; é para vós, caríssimos alunos, Sacerdotes e seminaristas, que aqui perfazeis ou completais a vossa formação; é para vós, amadas Irmãs Religiosas, que aqui prestais o vosso serviço dedicado, certamente com o coração e o olhar na Serva do Senhor, ocupada na lida da casa de Nazaré, para proporcionar bom ambiente e clima familiar; é para vós, os que compartilhais a solicitude e manutenção desta Casa: do anónimo benfeitor, aos amigos conhecidos, aqui representados hoje, e aos Senhores Bispos, presentes nas pessoas do Senhor Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e os Senhores Metropolitas de Portugal, entre estes o antigo aluno o Senhor Cardeal-Patriarca de Lisboa, e dos Senhores Dom Custódio Alvim e Dom Teodoro de Faria, antigos Reitores.

4. Em vós vejo prolongada em Roma a “Casa Lusitana”; e revivo, com grata emoção, as imagens da inesquecível visita ao vosso País, que tive a alegria de fazer há dois anos e meio. Foi sob o signo da confiança no Senhor da história que peregrinei até à vossa terra, desejoso de levar ao Portugal de hoje uma palavra de confiança, ao mesmo tempo que reafirmava estima por um Povo com uma gloriosa história e um rico património espiritual, fonte de responsabilidade. Foi sob o signo da confiança em Deus e na Mãe da Igreja que ajoelhei em Fátima, com o mundo e com o Povo português, para confiar à protecção de Nossa Senhora, Mãe de misericórdia e Esperança nossa, os destinos dos homens e das Nações. E com o mesmo sentimento de confiança convidei o mundo e, com ele Portugal, a vir a Roma – com a imagem de Nossa Senhora de Fátima – para aqui, no coração da Cristandade, no final do Ano Santo da Redenção, renovar o mesmo acto de consagração.

É motivo de confiança o passado deste Colégio: todos os que apostaram na necessidade desta Casa de formação, desde a primeira hora – e seria o momento de evocar os seus nomes, se não fora a usura do tempo – demonstraram confiança que pode dizer-se ter sido premiada. Com efeito, a história da Igreja em Portugal e noutros territórios e Nações de expressão portuguesa, neste século, não poderá ser escrita sem referir a participação que nela tiveram os antigos alunos do Pontifício Colégio Português, que conta no seu álbum de honra três Cardeais e quarenta e oito Bispos, sem esquecer os outros quase seiscentos servidores do Povo de Deus, em actividades de grande responsabilidade e, graças ao Senhor, com frutos e projecção que perduram.

E esta confiança permanece, a pesar das circunstancias em que vivem e lutam os homens de hoje. Favorecidos pelo bem do progresso, mas, não raro, a braços com um certo mal-estar, proveniente de vários e fortes motivos de ordem social, política, económica, ideológica e cultural, eles podem parecer desinteressados; no fundo, porém, sentem a necessidade de Sacerdotes íntegros e corajosos, plenamente homens “assumidos de entre os homens” e sensíveis à sua problemática e sofrimento, mas distintos, enquanto testemunhas, arautos e servidores, livres e disponíveis do absoluto de Deus, que não obstante tudo procuram.

5. Seria o momento de concretizar e responder a pergunta: como corresponder a essa confiança e expectativa? Ou, que é que se espera dos alunos deste Colégio, como casa de formação, aperfeiçoamento, ou evangélico “sentar-se” e “calcular” aquilo de que se dispõe para “edificar” ou para “defender” o Reino de Deus.

Deixo-vos breves tópicos, para vossa reflexão pessoal, sobre o tipo de Sacerdote que se espera e confia ver em vós sempre:

– Sacerdotes imbuídos dos sentimentos de Cristo, persuadidos de que mais do que profissão o “ser padre” é uma vocação divina, a viver no seguimento do mesmo Cristo e na sintonia com a sua Palavra, meditada e assimilada na intimidade da oração. Nada pode substituir a oração pessoal; não se improvisa o hábito da oração comunitária; e não se pode construir a comunhão eclesial sem a oração litúrgica. Estais em tempo e numa situação favorável para vos preparar e aprofundar naquilo que vos espera sempre, seja qual for a vossa especialização: mestres experientes de oração e guias de almas pelos caminhos da união com Deus.

– Sacerdotes de vida santa, porque é santo Aquele a quem vos entregastes: com a graça divina sempre esplendorosa; “evangelizados”, para poderdes evangelizar, que é algo mais do que apregoar os conteúdos do Evangelho: é levar os homens a encontrar-se com Cristo e a deixar-se encontrar por Ele.

– Sacerdotes com convicções pessoais, alegres na sua missão e felizes com a sua escolha, sem desânimos nem cansaço, não obstante as dificuldades da caminhada evangélica. Num país tradicionalmente cristão, como o vosso, o que é um bem, existe, mais do que noutros, o desafio constante e o desejo de ver espelhada em vós a razão por que venerais Cristo no vosso coração e da esperança que vos anima.

– Sacerdotes de doutrina sólida: o privilégio de estudar em Roma tem de criar em vós o hábito e a seriedade do trabalho intelectual, como meio de actualização, capacidade de compreensão, de diálogo respeitoso e de discernimento; por outras palavras, criar em vós a segurança de “juntar sempre com Cristo” e não dispersar, no anúncio da Palavra e no guiar a reflexão do laicado católico, cada vez mais ávido de segurança e certeza, no dédalo das correntes de pensamento e das ideologias. Sentir com a Igreja e viver sincera e coerentemente a sua catolicidade e promessa de perenidade encontra nesta cidade de Roma um conjunto de estímulo único, que costumo chamar graça: a graça de estar em contacto com as memórias do passado que fala e com a vida que se expressa em serviço, em torno do Sucessor de Pedro, na Sé Apostólica que preside à caridade universal.

– Sacerdotes capazes de viver e criar comunhão na vida eclesial e abertos à reconciliação, com os dispersos e distantes, e de levar por diante, com todos os homens de boa vontade, o “diálogo da salvação”. Isto, como bem sabeis, pressupõe a aptidão para aceitar diferenças de pessoas e de legítimas opções pessoais e para formar equipa ao serviço da missão da Igreja, situada no tempo e no espaço; e pressupõe também a vivência da fidelidade, interna e externamente: fidelidade à própria consciência esclarecida, ao Magistério e às normas disciplinares da Igreja. A genuinidade do zelo apostólico afere-se sempre por esta fidelidade a comunhão com a Igreja, Mãe e Mestra, com o vosso Bispo e com o Presbitério diocesano. Só assim sereis bons educadores da fé dos demais cristãos.

– Sacerdotes próximos a todos, pela simplicidade e bondade, prudentes e sempre guiados por grande lucidez de espírito, que sabe distinguir as autênticas exigências da justiça e propor os imperativos da caridade, sem se deixar enredar por nada que seja redutor da integridade da mensagem do Evangelho. Sacerdotes, enfim, que sejam “Padres e só padres”, como se diz na vossa terra. E que os homens vejam sempre em vós só isso: é o que desejo a cada um e desejo ao querido Povo fiel de Portugal.

Tende confiança: “Tudo o que o Senhor quer, Ele o faz”, como rezámos há pouco com o Salmista, certos de estardes a “prolongar Cristo” que passou fazendo o bem, “porque Deus estava com Ele”. E que vos proteja sempre a Mãe da nossa confiança, Maria!

Agradeço ao Senhor, convosco, e agradeço-vos esta experiência espiritual de comunhão; e peço a Deus que este Colégio, que tem o título de “Pontificio” e conta com o afecto do actual Sucessor de Pedro, seja sempre fiel às suas origens e finalidade, viveiro de autênticos discípulos de Cristo, que confiam e sabem em quem confiaram, prontos a demonstrar a própria confiança no amor do Pai, na graça de Cristo e na comunhão do Espírito Santo.

Amen!

 

 



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