DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
AO NOVO EMBAIXADOR DE CUBA JUNTO DA SANTA SÉ
POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO
DAS CARTAS CREDENCIAIS
Terça-feira, 2 de Dezembro de 1999
Senhor Embaixador
1. Sinto-me muito feliz por lhe dar as boas-vindas e, neste acto solene, receber as Cartas Credenciais que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República de Cuba junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as amáveis palavras que me dirigiu, assim como as expressões de cordial saudação que me transmitiu da parte do Dr. Fidel Castro, Presidente do Conselho de Estado e do Governo da República de Cuba, a quem lhe peço que transmita os meus melhores votos de paz e bem-estar, juntamente com os meus desejos de progresso material e espiritual para a querida Nação cubana.
2. Nas suas palavras, Vossa Excelência referiu-se acerca da atenção que, de maneira sistemática, o seu Governo está a prestar no campo da saúde e da educação, alcançando níveis dignos de louvor. Do mesmo modo, põe também em evidência o espírito hospitaleiro do povo cubano e o seu constante anélito de liberdade, aspectos estes que conformam a identidade de uma nação e devem ser promovidos com decisão. A este propósito, uma tarefa irrenunciável consiste em difundir tais valores e em preservar também os cidadãos de toda a forma de corrupção e de determinados flagelos sociais que atingem especialmente os jovens, pois tudo isto põe em perigo a paz social e a estabilidade.
Para uma sociedade como a cubana, que se distingue por ter alcançado um considerável nível de educação, é importante um clima de distensão e confiança, no qual sejam salvaguardados os direitos fundamentais da pessoa humana, crente ou não crente, criando condições para que os homens possam agir "segundo o próprio critério e usando uma liberdade responsável, não impelidos por coacção, mas guiados pela consciência do dever" (Concílio Ecuménico Vaticano II, Declaração sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanae, 1). Este clima é também essencial para se poder conquistar a própria credibilidade no cenário internacional.
3. Além disso, a pobreza material e moral pode ter como causas, entre outras, as desigualdades injustas, as limitações das liberdades fundamentais, a despersonalização e o desencorajamento dos indivíduos (cf. Discurso de despedida de Cuba, no aeroporto de Havana, n. 4). Sem dúvida, para podermos caminhar juntos, em solidariedade justa e respeitosa, é necessária como já disse logo que pisei o solo cubano a efectiva e generosa abertura do mundo a Cuba e vice-versa, dado que o seu País é chamado a desempenhar um papel importante no caminho rumo a um mundo mais humano, solidário e respeitador da dignidade do homem. Por isso, desejo cordialmente que a sua querida Nação possa dar continuidade à busca e à construção da justiça e da paz, no contexto de um diálogo respeitoso e incansável.
Por outro lado, estamos conscientes de viver numa época de incessantes intercâmbios mundiais nos quais nenhuma nação pode viver sozinha. E Cuba não deve ser privada dos vínculos com outros povos, dado que esses são indispensáveis para um sadio desenvolvimento económico, social e cultural. Neste sentido, espera-se que Cuba encontre na comunidade internacional o apoio e a assistência financeira para enfrentar de maneira adequada as necessidades do momento presente. Este caminho será mais fácil se Cuba, por sua vez, promover novos espaços de liberdade e de participação para os seus habitantes, chamados a colaborar na edificação da sociedade.
4. Senhor Embaixador, durante a visita pastoral que realizei à sua Pátria no início de 1998, essa linda Ilha conhecida como "Pérola do Caribe" e "Porta do Golfo", pude sentir o espírito de laboriosidade e iniciativa que distingue o povo cubano. E embora seja pobre de instrumentos e escassa de pessoal, a Igreja que está em Cuba vive também este mesmo espírito e deseja oferecer a sua contribuição específica para um revigoramento moral e social cada vez maior. Antes de mais, ela quer ser mensageira de amor, de justiça, de reconciliação e de paz, oferecendo a todos a mensagem de Jesus, a Boa Nova, num ambiente de genuína liberdade religiosa (cf. Dignitatis humanae, 13). Para que isto seja possível, deve-se favorecer ulteriormente um diálogo construtivo e incessante, do qual Vossa Excelência já tem uma grande experiência em virtude das tarefas que lhe coube desempenhar nos últimos anos e que permitirá à Igreja assumir plenamente o papel que lhe corresponde, sem privilégios nem favoritismos, mas dispondo dos instrumentos indispensáveis para o seu trabalho quotidiano, de maneira que os cristãos, como os demais cidadãos, possam gozar do direito de "viver de acordo com a sua consciência" (Dignitatis humanae, 13).
Além disso, sei que a situação económica pela qual o seu País está a passar é enfrentada com denodo. Em várias ocasiões já me referi a situações análogas que, em escala mundial, apresentam muitos problemas e impedem a demasiados países alcançar desejáveis níveis de bem-estar. A este propósito, desejo reafirmar aquilo que expus na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, com a esperança de que se favoreça o desenvolvimento oportuno de todos (cf. n. 51).
5. Assim, a Igreja que está em Cuba faz votos por que haja uma abertura mais generosa à solidariedade manifestada pela Igreja universal através de um intercâmbio enriquecedor de pessoal e de instrumentos com um genuíno sentido de colaboração e no respeito daquilo que é peculiar na cultura cubana, no contexto da tradição latino-americana e com a sua alma cristã que a impele a uma vocação universal (cf. Homilia na Praça da Revolução, n. 7; cf. também Exortação Apostólica Ecclesia in America, 14).
No seu discurso, Vossa Excelência referiu-se inclusivamente às relações entre a Igreja e o Estado em Cuba, as quais devem conservar-se no recíproco respeito e cordialidade. O respeito para não interferir no que é próprio de cada uma das instituições mas, por parte da Igreja, orientado rumo à obtenção de um maior bem-estar para a comunidade nacional. Por isso, através do diálogo construtivo, é possível fomentar os valores fundamentais para a ordenação e o desenvolvimento da sociedade. A este propósito, não obstante a missão da Igreja seja de ordem espiritual e não política, a promoção de relações mais livres entre a Igreja e o Estado sem dúvida contribuirá para a harmonia, o progresso e o bem de todos, sem qualquer distinção.
Neste campo, é fundamental ter uma recta visão das relações entre a comunidade política e a Igreja, distinguindo com clareza entre as acções que os fiéis, individual ou comunitariamente levam a cabo a título pessoal como cidadãos, de acordo com a sua consciência cristã, e as acções que eles realizam em nome da Igreja, em comunhão com os seus próprios Pastores. "A Igreja, que pela sua missão e competência, de modo algum se confunde com a comunidade política e não está ligada a qualquer sistema político é, ao mesmo tempo, o sinal e a salvaguarda do carácter transcendente da pessoa humana" (Ecclesia in America, 27).
Por sua vez, esta Sede Apostólica não deixará de elevar a própria voz em defesa da equidade e da pacífica convivência entre as nações e os povos, na tutela da sua autonomia a fim de que o povo cubano assim como todas as pessoas ou nações que buscam a verdade, se esforçam por progredir e aspiram à concórdia e à paz possa olhar para o futuro com esperança (cf. Discurso de chegada a Cuba, no aeroporto de Havana, n. 5).
6. O acto hodierno, que tem lugar a poucos dias da abertura do grande Jubileu, quando celebraremos os dois mil anos do nascimento de Jesus em Belém, leva-me a evocar as palavras que, com toda a força, proclamei na inauguração do meu Pontificado: "Não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo! Ao seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas económicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem "o que é que está dentro do homem". Somente Ele o sabe!" (Homilia no início do Pontificado [22.X.78], em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 29 de Outubro de 1978, pág. 2). E hoje, quase no termo deste século e do milénio, sinto o dever de acrescentar: ninguém, nenhuma instituição e nenhuma ideologia impeçam que todos os homens se possam abrir a Cristo! Estes são os melhores votos que formulo para cada um dos cidadãos da querida Cuba. Retorno ali com o pensamento, evocando os inesquecíveis dias da minha visita pastoral, durante a qual tive oportunidade de experimentar o calor humano do admirável povo cubano.
7. No momento em que Vossa Excelência inicia a excelsa tarefa para a qual foi designado, desejo formular-lhe bons votos pelo feliz e frutuoso cumprimento da sua missão junto desta Sé Apostólica. Enquanto lhe peço que transmita estes sentimentos ao Senhor Presidente do Conselho de Estado e do Governo dessa República, às demais Autoridades e ao nobre povo cubano, asseguro-lhe as minhas orações ao Todo-Poderoso a fim de que, com as dádivas divinas, ajude continuamente Vossa Excelência, a sua distinta família, os seus colaboradores e toda a Nação, que recordo sempre com particular afecto.
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