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VISITA PASTORAL DO PAPA JOÃO PAULO II AO CAZAQUISTÃO
E VIAGEM APOSTÓLICA À ARMÊNIA
(22-27 DE SETEMBRO DE 2001)

 ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES
DO MUNDO DA CULTURA, DA ARTE E DA CIÊNCIA

DISCURSO DO SANTO PADRE

Auditório do Palácio dos Congressos, Astana
Segunda-feira, 24 de Setembro de 2001

 

Senhor Presidente da República
Gentis Senhoras, Ilustres Senhores!

1. É com grande alegria que me encontro convosco esta tarde. Apresento a todos a minha respeitosa e cordial saudação, enquanto agradeço sentidamente a quem, com nobres palavras, exprimiu os sentimentos de todos os presentes. Aceitei de bom grado o convite para passar alguns momentos convosco, para manifestar mais uma vez a atenção e a confiança com que a Igreja Católica e o Papa olham para os homens da cultura. De facto, estou bem consciente do insubstituível contributo que podeis dar ao estilo e aos conteúdos da vida da humanidade, com a investigação honesta e a eficaz expressão do verdadeiro bem.

Homens da cultura, da arte e da ciência! O Cazaquistão é herdeiro de uma história que as vicissitudes complexas, e muitas vezes dolorosas, enriqueceram de tradições diversas, de forma que fizeram dele hoje um exemplo singular de sociedade multi-étnica, multicultural e multiconfessional. Sede orgulhosos da vossa Nação e conscientes da grande tarefa que tendes de preparar o seu futuro. Penso, de modo particular, nos jovens que têm o direito de esperar de vós um testemunho de ciência e de sabedoria, que lhes é transmitido através do ensino e sobretudo com o exemplo da vida.

2. O Cazaquistão é um grande País, que ao longo dos séculos cultivou uma cultura local viva e rica de fermentos, graças também ao contributo de representantes da cultura russa, aqui confinados pelo regime totalitário.

Quantas pessoas percorreram esta vossa Terra! Apraz-me recordar, em particular, o diário do viajante e comerciante veneziano Marco Polo que, já na Idade Média, descreveu com admiração as qualidades morais e a riqueza das tradições dos homens e das mulheres da estepe. A grande extensão das vossas planícies, o sentido da humana fragilidade alimentado pelo desencadear das forças da natureza, a percepção do mistério escondido por detrás dos fenómenos experimentados pelos sentidos, tudo favorece no vosso povo a abertura às interrogações fundamentais do homem e a exploração de respostas significativas para a cultura universal.

Ilustres Senhores e Senhoras, vós sois chamados a difundir no mundo a rica tradição cultural do Cazaquistão:  tarefa árdua e ao mesmo tempo fascinante, que vos empenha a descobrir os elementos mais profundos para os reunir numa síntese harmoniosa.

Um grande pensador da vossa Terra, o mestre Abai Kunanbai, exprimia-os assim:  "O homem não pode ser homem se não tiver a percepção dos mistérios visíveis e escondidos do universo, sem procurar uma explicação para cada coisa. Aquele que renuncia a isto em nada se distingue dos animais. Deus diferencia o homem do animal dotando-o de uma alma..." (Ditos de Abai, cap. 7).

3. Como não captar a profunda sabedoria destas palavras, que parece que desenvolvem um comentário à perturbadora pergunta feita por Jesus no Evangelho:  "Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?" (Mc 8, 36). Existem no coração do homem perguntas insuprimíveis, as quais, se o homem as ignora, não se torna mais livre, mas mais frágil, acabando muitas vezes à mercê da própria instintividade, e também da prepotência do próximo.

"Se o coração nada mais deseja diz ainda Abai Kunanbai / quem pode despertar o pensamento? / ... Se a razão se abandona à vontade, / perde toda a sua profundidade. / ... Pode um povo digno deste nome dispensar a razão?" (Poesia 12).

Perguntas como esta são por sua natureza religiosas, no sentido de que evocam aqueles valores supremos que têm em Deus o seu fundamento último. Por sua vez a religião não pode deixar de se confrontar com estas interrogações existenciais sob pena de perder o contacto com a vida.

4. Os cristãos sabem que em Jesus de Nazaré, chamado Cristo, é dada uma resposta que satisfaz as interrogações que o homem leva no coração. As palavras de Jesus, os seus gestos e, finalmente, o seu Mistério pascal revelaram-no como Redentor do homem e Salvador do mundo. Desta "boa nova", que há dois mil anos corre nos lábios de numerosos homens e mulheres em todas as partes da terra, o Papa de Roma é hoje diante de vós humilde e convicta testemunha, no pleno respeito da busca que outras pessoas de boa vontade estão a realizar por caminhos diferentes.

Quem encontrou a verdade no esplendor da sua beleza não pode deixar de sentir a necessidade de fazer participantes dela também os outros. Antes de ser uma obrigação derivante de uma norma, para o crente trata-se da necessidade de partilhar com todos o Valor da própria existência.

Por isso mesmo no contexto de uma sadia laicidade do Estado, chamado por sua função a garantir a cada cidadão, sem diferença de sexo, raça ou nacionalidade, o direito fundamental à liberdade de consciência é preciso afirmar e defender o direito do crente a testemunhar publicamente a sua fé. Uma autêntica religiosidade não se pode reduzir à esfera do privado nem fechar-se em espaços restritos e marginais da sociedade. A beleza dos novos edifícios sagrados, que se começam a ver quase em todas as partes do novo Cazaquistão, é um sinal precioso de renascimento espiritual e deixa prever o futuro.

5. Os próprios centros da educação e da cultura só poderão tirar proveito da abertura ao conhecimento das experiências religiosas mais vivas e significativas na história da Nação. Na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1 de Janeiro de 2001 fiz uma advertência contra a "homologação servil" da cultura ocidental, observando que "devido à sua elevada conotação científica e técnica, os modelos culturais do Ocidente apresentam-se atraentes e sedutores, mas revelam infelizmente, de forma cada vez mais clara, um  progressivo  empobrecimento  humanista, espiritual e moral. A cultura que os gera caracteriza-se pela dramática pretensão de realizar o bem do homem pondo Deus, o sumo Bem, de lado" (n. 9).

Ouvimos ainda o grande mestre Abai Kunanbai:  "A prova da existência de um Deus único e omnipotente é que há vários milénios, os homens falam em línguas diferentes desta existência e todos, qualquer que seja a sua religião, atribuem a Deus o amor e a justiça. Na origem da humanidade, estão o amor e a justiça. Aquele no qual dominam os sentimentos do amor e da justiça é um verdadeiro sábio" (Ditos de Abai, cap. 45).

Neste contexto, e precisamente aqui, nesta Terra, aberta ao encontro e ao diálogo, e perante uma assembleia tão qualificada, desejo reafirmar o respeito da Igreja Católica pelo Islão, o autêntico Islão:  o Islão que reza, que sabe ser solidário com quem se encontra em necessidade.

Recordando-nos dos horrores do passado  também  recente,  todos  os crentes  devem  unir  os  seus  esforços, para que jamais Deus seja refém das ambições dos homens. O ódio, o fanatismo e o terrorismo profanam o nome de Deus e desfiguram a autêntica imagem do homem.

6. Apraz-me ver e saudar em vós aqui presentes, ilustres Senhores e Senhoras, outros tantos "investigadores da verdade", empenhados em transmitir às novas gerações deste grande País os valores sobre os quais fundar a própria existência pessoal e social. Sem um firme enraizamento nestes valores, a vida é como uma árvore com ramos frondosos, que o vento da prova pode facilmente sacudir e arrancar.

Obrigado Senhor Presidente, obrigado Senhores e Senhoras representantes do mundo da cultura do Cazaquistão. No final deste encontro, que num certo sentido conclui a minha visita ao vosso maravilhoso País, desejo garantir, juntamente com a colaboração efectiva, a oração mais sincera do Papa e de toda a Igreja Católica ao Deus Altíssimo e Omnipotente, para que o Cazaquistão, fiel à sua natural vocação euro-asiática, continue a ser terra de encontro e de acolhimento, na qual os homens e as mulheres dos dois grandes Continentes possam viver longos dias de prosperidade e paz.

Desejo agradecer cordialmente este encontro com a cultura cazaque. O encontro com a cultura é sempre o coração do encontro com um povo. Agradeço-vos por me terdes aberto este coração que é a vossa cultura, na conclusão da minha visita ao vosso País. Muito obrigado.

Permanecerá para sempre na minha memória e no meu coração esta visita ao Cazaquistão. Estou-vos grato por quanto fizestes por mim, por tudo o que fizeram o Senhor Presidente e os seus colaboradores. Ao Cazaquistão, a todo o seu povo e à sua sociedade, aos representantes do Governo, à Igreja do Cazaquistão, a todas as comunidades religiosas, desejo a Bênção de Deus, por muitos anos, num futuro renovado.

Desejo muitos anos, muitos anos ao Presidente, aos Representantes do Estado e a todo o povo.

 



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