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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS MEMBROS DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL
DE EMPRESAS DA CONSTRUÇÃO CIVIL (ANCE)

Sala Clementina
Quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

[Multimídia]

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Prezados irmãos e irmãs bom dia e bem-vindos!

Agradeço ao Presidente as suas palavras de saudação. Recebo-vos por ocasião do vosso 75º aniversário, celebrado recentemente; uma ocasião para recordar uma história que remonta ao período pós-segunda guerra mundial na Itália. Com efeito, a Associação Nacional de Construtores Civis foi fundada em 1946, como Associação empresarial em representação das empresas italianas de qualquer dimensão ativas no campo das construções.

Penso que é um período difícil também para o vosso setor. E nestes momentos é importante inspirar-se nas motivações, nas opções fundamentais. Quanto a mim, gostaria de partilhar convosco alguns ensinamentos do Evangelho, que vos possam ajudar no vosso trabalho. É uma leitura cristã dos valores nos quais vos inspirais: concorrência e transparência; responsabilidade e sustentabilidade; ética, legalidade e segurança.

O Evangelho testemunha que Jesus, na sua pregação, também usou a metáfora da construção para transmitir as suas mensagens. É o caso, por exemplo, do capítulo 6 do Evangelho de Lucas (vv. 46-49) onde, entre outras coisas, Jesus desmascara o comportamento hipócrita e preguiçoso de quem se limita a falar sem fazer. Mostrando a sabedoria do engenheiro civil, compara os charlatães com quantos constroem casas em terreno arenoso e sem fundamentos. Sem dúvida, Jesus não pensa em grandes edifícios, mas observa que estas construções são edificadas na margem do rio, enquanto que o bom construtor sabe que na primeira inundação uma casa deste tipo está destinada a ser destruída.

Contudo, a sua parábola continua com a face da moeda: «Todo aquele que vem a mim, ouve as minhas palavras e as põe em prática [...] é semelhante ao homem que, edificando uma casa, escavou muito fundo e lançou os alicerces sobre a rocha» (vv. 47-48). A imagem é ainda mais interessante se pensarmos que tal construtor não só fez o que era certo no momento presente, como defendeu a casa de possíveis inundações futuras. Poder-se-ia dizer: mas isso nunca aconteceu! Sim, mas poderia acontecer. É isso que testemunhamos hoje com as mudanças climáticas: acontecem coisas que nunca tinham ocorrido.

Na pregação de Jesus, o crente é alguém que não se limita a parecer exteriormente cristão, mas que na realidade age como cristão. E é precisamente esta “coerência ativa” que lhe permite edificar-se não só nos tempos normais da vida, mas também permanecer assim inclusive nos momentos difíceis. Isto significa ainda que a fé não nos protege das intempéries mas, acompanhada de boas obras, fortalece-nos e torna-nos capazes de resistir a elas. E é exatamente neste sentido que os valores que inspiram a vossa adesão à Associação devem ser preservados e encarnados no dia a dia.

Concorrência e transparência.  A concorrência sozinha não é suficiente. Na lógica utilitária do mercado, pode levar à oposição, até à eliminação do outro. Ilude que se possa vencer o outro, ou que no desempenho da economia se considere a derrota do outro. Quando isto acontece, mina-se o tecido social de confiança que permite ao próprio mercado funcionar de modo adequado. A concorrência deve ser estímulo para fazer melhor e bem, não desejo de domínio e exclusão. Por isso, é essencial a transparência nos processos decisórios e nas escolhas económicas. Concorrência e transparência juntas. Permite evitar a concorrência desleal, que nos campos da economia e do trabalho significa muitas vezes perda do emprego, apoio ao trabalho não declarado ou ao emprego mal remunerado. Assim, acaba-se por favorecer formas de corrupção que se alimentam nas sombras da ilegalidade e da injustiça. E este não é o caminho certo: é um caminho que faz adoecer, não é bom!

Responsabilidade e sustentabilidade.  Nunca como neste tempo ouvimos falar de sustentabilidade: chama em causa a capacidade de regeneração de cada ecossistema. No campo das construções, é essencial a utilização de materiais que ofereçam segurança às pessoas. Ao mesmo tempo, é preciso evitar a exploração do meio ambiente, cooperando para tornar inviáveis certos territórios particularmente explorados. Cada empresa pode oferecer a própria contribuição responsável a fim de que o trabalho seja sustentável.

Além disso, a sustentabilidade tem a ver com a beleza dos lugares e com a qualidade dos relacionamentos. Gostaria de retomar aqui uma reflexão presente na encíclica Laudato si’ sobre a relação entre os espaços urbanos e o comportamento humano: «Aqueles que projetam edifícios, bairros, espaços públicos e cidades precisam da contribuição dos vários saberes que permitem compreender os processos, o simbolismo e os comportamentos das pessoas. Não é suficiente a busca da beleza no projeto, porque tem ainda mais valor servir outro tipo de beleza: a qualidade de vida das pessoas, a sua harmonia com o meio ambiente, o encontro e a ajuda mútua. Por isso também é tão importante que o ponto de vista dos habitantes do lugar contribua sempre para a análise da planificação urbanista» (n. 150). Possa o vosso trabalho ajudar as comunidades a revigorar laços de solidariedade, cooperação e ajuda mútua.

Ética, legalidade e segurança.  No ano passado, demasiadas pessoas morreram no trabalho. Não são números, são pessoas. Também os canteiros de obras conheceram tragédias que não podemos ignorar. Infelizmente, se considerarmos a segurança no lugar de trabalho como uma despesa, partimos do pressuposto errado. A verdadeira riqueza são as pessoas. Vem-me à mente o que acontecia na construção da Torre de Babel. Naquela época era difícil fazer tijolos, pois tinham de pegar na palha, na erva, depois fazer a massa, cozer, um trabalho enorme. Um tijolo era, não direi uma fortuna, mas custava. Se um tijolo caía durante a construção da torre, era uma tragédia, e o operário responsável era castigado. Ao contrário, se caía um operário, nada acontecia. Isto deve fazer-nos pensar! A verdadeira riqueza são as pessoas: sem elas não há comunidade de trabalho, não há empresa, não há economia. Segurança no lugar de trabalho significa salvaguarda dos recursos humanos, que têm valor inestimável aos olhos de Deus e inclusive aos olhos do verdadeiro empresário. Por isso, a legalidade deve ser vista como tutela do património mais importante, que são as pessoas. Trabalhar com segurança permite que todos exprimam o melhor de si ganhando o pão de cada dia. Quanto mais cuidarmos da dignidade do trabalho, tanto mais certos estaremos de que aumentarão a qualidade e a beleza das obras.

São José, Padroeiro dos trabalhadores, vos ampare neste vosso compromisso. Também eu vos acompanho com a minha prece e a minha bênção. E peço-vos que façais o que o Presidente disse: que rezeis por mim. Obrigado!



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