DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
À 18ª CONGREGAÇÃO GERAL DA XVI ASSEMBLEIA GERAL
ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 25 de outubro de 2023
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Gosto de pensar na Igreja como o Povo fiel de Deus, santo e pecador, um povo chamado e convocado com a força das bem-aventuranças do capítulo 25 de Mateus. Jesus, para a sua Igreja, não adota nenhum dos esquemas políticos do seu tempo: nem fariseus, nem saduceus, nem essénios, nem zelotes. Nenhuma “corporação fechada”; ele retoma simplesmente a tradição de Israel: “Vós sereis o meu povo e eu serei o vosso Deus”.
Gosto de pensar na Igreja como este povo simples e humilde que caminha na presença do Senhor (o povo fiel de Deus). É este o sentido religioso do nosso povo fiel. E digo povo fiel para não cair nas muitas abordagens e esquemas ideológicos com que se “reduz” a realidade do povo de Deus. Simplesmente povo fiel, ou até “santo povo fiel de Deus” a caminho, santo e pecador. E a Igreja é assim!
Uma das características deste povo fiel é a sua infalibilidade; sim, é infalível in credendo (In credendo falli nequit , diz a Lumen gentium, 12) Infallibilitas in credendo . E explico-o assim: quando quiseres saber o que a Santa Mãe Igreja crê, vai ao Magistério, porque ele está encarregado de te ensinar, mas quando quiseres saber como a Igreja crê, vai ao povo fiel.
Vem-me à mente uma imagem: o povo fiel reunido à entrada da catedral de Éfeso. Reza a história (ou a lenda) que o povo se colocou em ambos os lados da estrada em direção à catedral, enquanto os bispos em procissão entravam, e o povo repetia em coro: “Mãe de Deus”, pedindo à Hierarquia que declarasse dogma aquela verdade que já possuíam como povo de Deus (há quem diga que tinham bastões nas mãos e os mostravam aos bispos). Não sei se isto é história ou lenda, mas a imagem é válida.
O povo fiel, o santo povo fiel de Deus, tem uma alma, e dado que podemos falar da alma de um povo, podemos falar de uma hermenêutica, de um modo de ver a realidade, de uma consciência. O nosso povo fiel tem consciência da sua dignidade, batiza os seus filhos, enterra os seus mortos.
Nós, membros da hierarquia, provimos deste povo e recebemos a fé deste povo, geralmente das suas mães e avós, “a tua mãe e a tua avó”, diz Paulo a Timóteo, uma fé transmitida em dialeto feminino, como a mãe dos Macabeus que falava “em dialeto” aos seus filhos. E aqui gostaria de sublinhar que, no santo povo fiel de Deus, a fé é transmitida em dialeto, e geralmente em dialeto feminino. Não só porque a Igreja é mãe e são precisamente as mulheres que melhor a refletem (a Igreja é mulher), mas porque são as mulheres que sabem esperar, que sabem descobrir os recursos da Igreja, do povo fiel, arriscando além do limite, talvez com medo mas com coragem, e que, no claro-escuro de um dia que começa, se aproximam de um túmulo com a intuição (ainda não a esperança) de que ali pode haver alguma vida.
A mulher do santo povo fiel de Deus é um reflexo da Igreja. A Igreja é feminina, é esposa, é mãe.
Quando os ministros exageram no seu serviço e maltratam o povo de Deus, desfiguram o rosto da Igreja com atitudes machistas e ditatoriais (basta recordar o discurso da irmã Liliana Franco). É doloroso encontrar em algumas secretarias paroquiais a “tabela de preços” dos serviços sacramentais, como num supermercado. Ou a Igreja é o povo fiel de Deus a caminho, santo e pecador, ou acaba por ser uma empresa de diversos serviços. E quando os agentes de pastoral seguem esta segunda via, a Igreja torna-se o supermercado da salvação e os sacerdotes meros empregados de uma multinacional. Este é o grande fracasso a que nos conduz o clericalismo. E isto com muita tristeza e escândalo (basta ir às alfaiatarias eclesiásticas de Roma para ver o escândalo de jovens sacerdotes a experimentarem batinas e chapéus ou alvas e roquetes com rendas).
O clericalismo é um flagelo, é uma chaga, é uma forma de mundanidade que suja e danifica o rosto da esposa do Senhor; escraviza o santo povo fiel de Deus.
E o povo de Deus, o santo povo fiel de Deus, avança com paciência e humildade, suportando o desperdício, o abuso, a marginalização do clericalismo institucionalizado. E com que naturalidade se fala dos “príncipes da Igreja”, ou das promoções episcopais como progresso na carreira! Os horrores do mundo, a mundanidade que maltrata o santo povo fiel de Deus!
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