VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE A PARIS E LISIEUX
(30 DE MAIO - 2 DE JUNHO 1980)
ENCONTRO DO PAPA JOÃO PAULO II
COM AS RELIGIOSAS
Paris, 31 de Maio de 1980
Queridas Irmãs
1. Durante as minhas viagens apostólicas, sinto felicidade profunda e sempre nova quando me encontro com as Religiosas, cuja existência consagrada, mediante os três votos evangélicos, "pertence inseparavelmente à vida e à santidade da Igreja" (Lumen Gentium, n. 44). Bendigamos juntos ao Senhor que permitiu este encontro! Bendigamos-Lhe pelos frutos que surgirão na vossa vida pessoal, nas vossas Congregações e no povo de Deus! Obrigado por terdes vindo tão numerosas, de todos os bairros de Paris e da região parisiense, e até da província! Sinto-me feliz de vos exprimir a vós que estais aqui, como a todas as Religiosas da França, a minha estima, o meu afecto e encorajamento.
Esta reunião, mais ou menos campestre, faz-me pensar naqueles momentos de pausa e de repouso que Jesus Cristo reservava aos seus primeiros discípulos, ao voltar de algumas viagens apostólicas. Também vós, queridas irmãs, viestes das vossas sedes e dos vossos trabalhos de catequese ou de assistência aos jovens; serviços paroquiais ou inserção nos ambientes pobres. Alegro-me ao repetir-vos as palavras do Senhor:
"Vinde à parte... e descansai um pouco" (cfr. Mc 6, 31). Juntos meditaremos sobre o mistério e o tesouro evangélico da vossa vocação.
2. A vida religiosa não é propriedade vossa, assim como não é propriedade de um Instituto. Ela é "dom divino que a Igreja recebeu do seu Senhor e com a sua graça conserva sempre fielmente" (Lumen Gentium, n. 43). Em resumo, a vida religiosa é uma herança, uma realidade vivida na Igreja desde há séculos, por uma multidão de homens e de mulheres. E a experiência profunda que dela fizeram, transcende as diferenças sócio-culturais que podem existir de um país para o outro, supera também a imagem que deixaram e situa-se para além das realizações e das pesquisas do nosso tempo. É importante ouvir e imitar aqueles e aquelas que têm encarnado melhor o ideal da perfeição evangélica e que, em tão grande número, santificaram e dignificaram a terra da França.
Até ao fim da vossa vida, conservai-vos em êxtase e acção de graças pelo chamamento misterioso que ressoou um dia no fundo dos vossos corações: "Segue-me (cfr. Mt 9, 9; Jo 1, 43). "Vende os teus bens, dá-os aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me" (Mt 19, 21). Levastes primeiramente este apelo como um segredo, depois submeteste-lo ao discernimento da Igreja. Com efeito, é um risco bem grande, deixar tudo para seguir Cristo. Mas já percebíeis — e experimentastes depois — que a Igreja podia encher o vosso coração. A vida religiosa é uma amizade, uma intimidade de ordem mística com Cristo. O vosso itinerário pessoal deve ser como uma reedição original do célebre poema do Cântico dos Cânticos. Queridas irmãs, na maior intimidade da oração, absolutamente vital para cada uma de vós, como também por ocasião dos vossos diversos encontros apostólicos, escutai o Senhor a murmurar-vos o mesmo convite: "Segue-me". O ardor da resposta conservar-vos-á no vigor da vossa primeira oblação: Caminhais assim de fidelidade em fidelidade!
3. Seguir Cristo é bem outra coisa que a admiração de um modelo, mesmo se tiverdes bom conhecimento das Escrituras e da Teologia. Seguir Cristo é alguma coisa de existencial.
É querer imitá-1'O a ponto de se deixar configurar com Ele, assemelhar-se a Ele, a ponto de Lhe ser — segundo as palavras da Irmã Elisabeth da Trinidade "uma humanidade suplementar". E isto no próprio mistério de castidade, de pobreza e de obediência. Este ideal supera a compreensão, supera-as forças humanas! Não é realizável senão graças a tempos fortes de contemplação silenciosa e intensa do Senhor Jesus. As Religiosas chamadas "activas" devem ser em certas horas "contemplativas", a exemplo das monjas às quais me dirigirei em Lisieux.
A castidade religiosa, minhas Irmãs, é verdadeiramente querer ser como Cristo; todas as outras razões que se podem apresentar se esvanecem diante desta razão essencial: Jesus era puro. Este modo de ser de Cristo era não somente a superação da sexualidade humana, prefígurando o mundo futuro; mas igualmente a manifestação, uma "epifania", da universalidade da sua oblação redentora. O Evangelho não cessa de mostrar como Jesus viveu a castidade. Nos seus contactos humanos, singularmente amplos em relação às tradições do seu ambiente e da sua época, Ele conquista perfeitamente a personalidade do outro, a sua simplicidade, o seu respeito, a sua bondade, a sua arte de suscitar o melhor no coração das pessoas encontradas, convertem a Samaritana, a mulher adúltera e tantas outras pessoas. Oxalá o vosso voto de virgindade consagrada — aprofundado e vivido no mistério da pureza de Cristo — e que já transfigura as vossas pessoas, vos leve a conquistar verdadeiramente os vossos irmãos e irmãs nas situações concretas em que se encontram! Tantas pessoas, no nosso mundo, estão como que perturbadas, humilhadas, desesperadas! Na fidelidade às regras de prudência, fazei-lhes sentir que as amais à maneira de Cristo, colocando-lhes no coração a ternura humana e divina que ele lhes traz.
Prometestes igualmente a Cristo ser pobres com Ele e como Ele. É verdade, a sociedade de produção e de consumo apresenta problemas complexos à prática da pobreza evangélica. Não é este nem o lugar nem o momento de discutir o problema. Parece-me que cada Congregação deve ver neste fenómeno económico um convite providencial para dar uma resposta, ao mesmo tempo tradicional e .. totalmente nova, a Cristo pobre contemplando-O com frequência e a longo na sua vida radicalmente pobre, é estando muitas vezes com os humildes e com os pobres, que são também o rosto d'Ele, que podereis dar tudo o que sois e o que tendes. A Igreja tem necessidade de ser animada pelo vosso testemunho. Avaliai a vossa responsabilidade.
Quanto à obediência de Jesus, ela ocupa um lugar central na sua obra redentora. Meditastes muitas vezes as páginas em que São Paulo fala da desobediência inicial que foi como que a porta de entrada do pecado e da morte no mundo e fala do mistério da obediência de Cristo que atrai de novo a elevação da humanidade para Deus. O despojamento de si mesmo e a humildade são mais difíceis à nossa geração atraída pela autonomia e também pelos caprichos. Não se pode portanto imaginar uma vida religiosa sem obediência aos superiores, que são os guardiães da fidelidade ao ideal do Instituto. São Paulo salienta o ligame de causa e de efeito entre a obediência de Cristo até à morte de cruz (cfr. Flp 2, 6-11) e a sua glória de Ressuscitado e de Senhor do universo. Do mesmo modo a obediência de toda a Religiosa — que é sempre um sacrifício da vontade por amor — traz abundantes frutos de salvação para o mundo inteiro.
4. Aceitastes, então, seguir Cristo e imita-1'O de perto, para manifestar a sua verdadeira face tanto àqueles que já O conhecem como aos que não O conhecem. E isto, através de todas as actividades apostólicas às quais eu fazia alusão no início deste encontro. Sobre o plano dos compromissos a assumir, salvaguardando-se a espiritualidade própria dos vossos Institutos, exorto-vos intensamente a integrardes-vos no imenso conjunto das tarefas pastorais da Igreja universal e das dioceses (cfr. Perfectae Caritatis, n. 20). Sei que algumas Congregações, por falta de membros, não podem responder a todos os apelos que lhes são feitos pelos bispos e sacerdotes.
Contudo, fazei o possível a fim de assegurar os serviços vitais das paróquias e das dioceses. Quantas Religiosas, devidamente preparadas, colaboram na pastoral das realidades novas, que são imensas! Numa palavra, aplicai ao máximo todos os vossos talentos naturais e sobrenaturais na evangelização contemporânea.
Estai sempre e em toda a parte presentes no mundo sem ser do mundo (cfr. Jo 17, 15-16). Não temais nunca deixar de reconhecer claramente a vossa identidade de mulheres consagradas ao Senhor. Os cristãos, e aqueles que o não são, têm direito de saber quem sois. Cristo, Mestre de todos nós, fez da sua vida manifestação corajosa da sua identidade (cfr. Lc 9, 26). '
Coragem e confiança, minhas queridas Irmãs! Sei que há muitos anos estais a reflectir bastante sobre a vida religiosa e sobre às vossas Constituições. Chegou o tempo de viver, na fidelidade ao Senhor e para os vossos encargos apostólicos. Peço de todo o coração por que o testemunho das vossas vidas consagradas e a imagem das vossas Congregações religiosas despertem no coração de tantas jovens o ideal de seguir Cristo como vós. Abençoo-vos, como também a todas as Religiosas da França que trabalham no solo da Pátria ou nos outros continentes. E abençoo também todos os que trazeis no vosso coração e na vossa oração.
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