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DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II
 AOS CIENTISTAS PARTICIPANTES NO SIMPÓSIO
 INTERNACIONAL SOBRE FÍSICA

18 de Dezembro de 1982

 

Senhor Presidente
Minhas Senhoras
Meus Senhores

1. É com grande prazer que recebo o vosso grupo de eminentes físicos empenhados na investigação sobre novas formas de energia. O vosso Simpósio internacional, reunido em Roma, sob patrocínio do Instituto Nacional Italiano de Física Nuclear, e graças à iniciativa do Professor .Antonio Zichichi, realiza-se ao longo de dois dias de intensos trabalhos e de intercâmbio de comunicações de natureza técnica. Sinto-me por isso particularmente sensível ao vosso desejo de se encontrarem comigo, e gostaria de vos poder saudar um a um pessoalmente, a vós que .contribuís de modo tão qualificado para o progresso científico. Sei que estão presentes entre vós quatro Prémios Nobel, bem como os directores dos maiores laboratórios do mundo no sector, da física subnuclear, e muitos outros cientistas de renome.

No dia 15 de Junho último em Genebra, procuraram familiarizar-se com os vossos complexos trabalhos, mostrando-me as principais instalações do CERN. Conservo desta visita uma excelente recordação tanto por tudo quanto de prodigioso me explicaram, como pela acolhedora atmosfera daquele ambiente científico. Nessa ocasião pude exprimir, face à estas realidades, e em nome da Igreja, um certo número de reflexões fundamentais sobre a ciência, sobre a relação entre o cientista e o crente, e ainda sobre as diversas aplicações das vossas descobertas, que a brevidade deste nosso; encontro não me permite referir na sua totalidade.

2. O objectivo do vosso Simpósio é de grande importância, já que visa programar e coordenar a actividade e os projectos dos maiores laboratórios de investigação da Europa e da América, examinando as possibilidades oferecidas pelos mais aperfeiçoados instrumentos de que dispondes. Isto mostra uma vez mais, que a investigação cientifica hoje não é já um trabalho de investigadores isolados, mas exige a colaboração da comunidade científica internacional. Vós, os especialistas de matemáticas, de física teórica e de física experimental contribuís, cada um com as suas próprias capacidades, para uma empresa comum. Este facto representa uma das características genuinamente humanas da ciência contemporânea, que desejava sublinhar, pelo seu significado espiritual, já que tende a ultrapassar as barreiras e os obstáculos entre os indivíduos, entre os povos, e igualmente entre os interesses particulares e nacionalistas, com o objectivo de pôr em comum, ao serviço de toda a humanidade, os conhecimentos e os recursos técnicos devidos ao progresso científico. Eis aqui, ao nível da ciência, um ponto de encontro que inclui um convite urgente à concórdia, à paz e à fraternidade universal.

. 3. Quando se ouve falar de energia nuclear e subnuclear, não podemos deixar de pensar nos efeitos destruidores e catastróficos das armas modernas, que constituem sem dúvida nenhuma uma das ameaças mais graves para a humanidade. Pessoas de todos os quadrantes sociais e culturais não cessam de o afirmar. Os meus predecessores e eu próprio, temos chamado frequentemente a atenção dos políticos e dos cientistas para este grave perigo, sobretudo se os governantes não tiverem a inteligência. e a vontade de diminuir a produção e a acumulação destes terríveis instrumentos de morte.

Tudo isto não impede porém a afirmação clara da plena legitimidade, a dignidade e a utilidade da investigação científica, incluindo a que se refere ao domínio da energia atómica e da tísica nuclear e subnuclear, tanto ao nível teórico como ao nível prático, desde que tenha como objectivo a .aplicação pacífica dos resultados conseguidos.

4. Com efeito, ao nível teórico, isto é, da ciência pura, do conhecimento — que me parece ser o vosso —  a investigação científica contemporânea procura desvendar os segredos mais profundos da natureza. Vós perscrutais a estrutura microscópica da matéria, ao nível dos seus mais íntimos elementos, tais como os leptons e os quarks, os seus agrupamentos, bem como as leis energéticas que actuam neste ambiente subatómico. A vossa investigação dirige-se ainda ao infinitamente grande, à cosmologia, procurando esclarecer a estrutura e a evolução do universo. Esta actividade enobrece o homem, se bem que ela não possa pretender substituir-se ao conhecimento metafísico — que supõe o conhecimento das causas segundas, fornecido pela ciência, mas que se situa porém ao nível da Causa primeira — nem ao conhecimento da fé recebido por Revelação de Deus. Nesta perspectiva, o cientista crente não só não encontra na ciência nenhum obstáculo à sua fé, mas, distinguindo os diversos domínios da investigação, ele alegra-se com o progresso do conhecimento da verdade ao nível da ciência, com o qual ele pode louvar o Criador. O salmista da Bíblia dizia, a partir do que observava com os seus olhos: "Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das Suas mãos" (Sl 18, 2). A ciência contemporânea permite-nos descobrir um mundo ainda mais maravilhoso, e por isso ela nos leva ainda mais claramente" ao Criador, à Sua sabedoria, ao Seu poder, ao Seu mistério, bem como ao mistério do homem ao qual Deus deu este poder de decifrar, o mundo em que vive.

.5. Se considerarmos agora, o plano prático — e tal é necessário já que as vossas descobertos desinteressadas conduzem necessariamente à sua aplicação e ao progresso técnico — entra imediatamente em jogo a responsabilidade dos homens, a sua consciência, para julgar e decidir pôr em prática somente aquilo que promove a qualidade de vida dos homens e a fraternidade entre eles. O cristão encontra uma luz e encorajamento ao considerar o projecto de Deus tal como vem expresso nas primeiras páginas da Bíblia, de confiar ao homem o domínio da Terra com todos os seus elementos, para a defender, cultivar e desenvolver (Cf. Gén.1, 26-27).

O Concílio Vaticano II exprime-se nestes termos: "O homem, criado a imagem de Deus, recebeu o mandamento de dominar a terra com tudo o que ela contém e governar o mundo na justiça e na santidade e, reconhecendo Deus como Criador universal, orientar-se a si e ao universo para Ele". E acrescentava: . "Longe de pensar que as obras do engenho e poder humano se opõem ao poder de Deus... os cristãos devem, pelo contrário; estar convencidos de que as vitórias do género humano manifestam a grandeza de Deus e são fruto do seu desígnio inefável. Mas, quanto mais aumenta o poder dos homens, tanto mais cresce a Sua responsabilidade, pessoal e comunitária" (Gaudium et Spes, 34, parágrafos 1 e 3). Sim, esta responsabilidade dos homens é proporcional à grandeza dos processos cada vez mais complexos e de maiores consequências que eles realizam com o progresso técnico. Por isso, no domínio das aplicações pacíficas da energia nuclear, a técnica exigirá sempre um acréscimo de prudência, de informação e de colaboração, por exemplo para servir as necessidades humanas no plano alimentar ou energético.

Desejo pois que continuais a vossa função de cientistas com desinteresse, pela alegria de descobrir, de trabalhar em conjunto para o bem da humanidade e — como será claro para os crentes —para a glória do Criador. Que Deus vos abençoe, bem como ao vosso trabalho e aos vossos esforços de cooperação! Que Ele abençoe também as vossas famílias, às quais desejo desde já um Feliz Natal!

 

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