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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL
[12-21 DE OUTUBRO DE 1991]

DISCURSO DO SANTO PADRE
AOS LEIGOS REUNIDOS NA CATEDRAL
DE CAMPO GRANDE

Quinta-feira, 17 de Outubro de 1991

 

Caríssimos filhos e filhas, representantes do laicato católico do Brasil!

1. Agradeço as palavras de saudação do Coordenador do Conselho Nacional dos Leigos, Doutor Celso de Castro Matias Neto. Nelas vejo a expressão do desejo que vos anima de assumir em plenitude a vocação e a missão a que Deus vos convoca, na Igreja e nesta querida Nação.

Eu vos contemplo, e parece-me ver estampada em vossos rostos a palavra esperança. Nesta hora da vida da Igreja no Brasil e no mundo, os leigos são, de fato, uma das maiores esperanças para o presente e para o futuro da nova evangelização que o Senhor nos pede.

Eu vos contemplo, e alegra-se meu coração de Pastor universal da Igreja Católica, ao saber da abnegada generosidade com que muitos de vós colaborais, por meio de diversos ofícios e funções, em serviços e trabalhos eclesiais. Sei que essa colaboração é necessidade premente em vosso país. Por isso, vos agradeço e tenho a certeza de que vos esforçareis por desempenhar essas tarefas sempre dentro dos critérios e do espírito que amplamente apresentei na Exortação Apostólica Christifideles Laici.

Mas hoje queria dizer-vos, queridos filhos, que, ao contemplar-vos, vejo sobretudo através de vós a presença do incontável número de fiéis leigos do Brasil, dos cristãos comuns, sem outro apelativo (Christifideles Laici, 17): homens e mulheres inseridos na própria entranha da sociedade, que eles próprios integram e constroem, são chamados por Deus, precisamente no lugar que no mundo ocupam, a viver todas as conseqüências de sua consagração batismal.

O Brasil é o país que conta o maior número de batizados na Igreja Católica em todo o mundo. Na esteira do Concílio Vaticano II, o Sínodo dos Bispos de 1987 e a Exortação Apostólica “Christifideles Laici”, que é seu fruto, quiseram pôr em destaque que o traço característico da identidade dos fiéis leigos é “a radical novidade que promana do Batismo”( Christifideles Laici, 10), de modo que “só descobrindo a misteriosa riqueza que Deus dá ao cristão no santo Batismo é possível delinear a "figura" do fiel leigo”( Christifideles Laici, 9). Há, de fato, diversas formas de participação orgânica dos leigos na única missão da Igreja-comunhão. Mas, não há dúvida de que Deus a confere diretamente a cada um dos batizados, justamente na situação, no lugar, que Ele quis que ocupassem no mundo.

2. Dentro desta vasta e empolgante responsabilidade, que vos é própria, quero deter-me hoje sobretudo na consideração de três âmbitos das realidades temporais, que reclamam com particular urgência o influxo da santidade e do apostolado dos fiéis leigos: a família, o trabalho e a ação sócio-política.

Em primeiro lugar, diria, em primeiríssimo lugar, a família. “O casal e a família, lê-se na “Christifideles Laici”, constituem o primeiro espaço para o empenho social dos fiéis leigos”( Christifideles Laici, 40).

Não percais nunca a consciência de que, do fortalecimento e da santidade da família, depende a inteira saúde do corpo social, pois a família, por desígnio de Deus, é e será sempre a “célula primeira e vital da sociedade” (Apostolicam Actuositatem, 11). Da santidade da família depende também a vitalidade da Igreja.

Não vos direi nada de novo se vos falar da grave crise moral que hoje em dia se abate, de muitos modos, sobre a família brasileira. Precisamente por isso, é necessária e urgente uma profunda revitalizacão da instituição familiar. É essa uma tarefa prioritária dos leigos.

É doloroso observar, neste amado país, a extrema fragilidade de muitos casamentos, com a triste seqüela de inúmeras separações, de que são sempre vítimas inocentes os filhos. É ainda lastimável ver o desrespeito à lei divina, que se espalha com a difusão de práticas anticonceptivas gravemente ilícitas, ver o índice alarmante de esterilizações de mulheres e de homens, voluntárias ou induzidas, às vezes, pelos responsáveis da sociedade política ou por profissionais que deveriam zelar pela dignidade e integridade da pessoa e do corpo social, ver o incremento, também alarmante, da prática do aborto, desse atentado criminoso ao direito humano primeiro e fundamental, o direito à vida desde o instante da sua concepção, que jamais pode ter qualquer justificativa prática e, menos ainda, legal.

3. Simultaneamente, não podem ser ignoradas outras graves causas de deterioração das famílias, como as decorrentes das condições infra-humanas de moradia, de alimentação e de saúde, de instrução e de higiene em que vivem milhões de pessoas no campo e nas periferias das cidades, com a lamentável conseqüência de um elevado número de menores abandonados e marginalizados.

Bem sabeis que não estou carregando as tintas do quadro que acabo de descrever. O que desejo, acima de tudo, ao falar assim, é lançar um forte apelo à responsabilidade moral dos detentores do poder público, em seus diferentes níveis, e de todos os homens de boa vontade, católicos ou não, para que criem, dentro das suas possibilidades de atuação, condições econômicas e sociais que garantam a dignidade da vida humana e da família. Pode-se fazer muito e deve-se fazer muito para reverter essa situação. É muito séria a obrigação que tendes, especialmente vós, de promover corajosamente os valores cristãos do casamento e da família. Começai pelos vossos próprios lares, a fim de serdes vós mesmos “luz do mundo” e sal que preserva da corrupção.

Os que recebestes a vocação matrimonial, proclamai com o vosso exemplo e a vossa entrega, alicerçados na fé e no amor de Cristo, a grandeza do amor conjugal, renovando-o cada dia com a graça divina. Considerai o dom dos filhos, generosamente, como o vosso maior tesouro, e sua educação como o vosso primeiro apostolado. É grande, na verdade, a tarefa que vos cabe neste campo. Mas também é grande, imensa, a força da fé, da esperança e do amor, que o Espírito Santo derrama nos corações dos fiéis ( Rm 5, 5).

4. Queria dizer-vos também algumas palavras sobre o trabalho, outro dos campos específicos da vida e ação dos leigos. Neste ponto, parece-me importante recordar o que se diz na “Christifideles Laici”: “Os fiéis leigos devem olhar para as atividades da vida cotidiana como uma ocasião de união com Deus e de cumprimento de sua vontade, e também como serviço aos demais homens, levando-os à comunhão com Deus em Cristo” (Christifideles Laici, 17).

À imitação de Jesus Cristo, que quis viver a maior parte da sua existência terrena na oficina de José, aprendei a ver o trabalho e os deveres que tecem a vida cotidiana como âmbito e meio privilegiado de santidade e de apostolado.

Que condições primárias deve ter o trabalho, todo e qualquer trabalho honesto, para ser santificante e santificador? Deixai-me responder citando ainda palavras da mencionada Exortação Apostólica: “Os fiéis leigos deverão executar o seu trabalho com competência profissional, com honestidade humana e espírito cristão, como meio da própria santificação” (Christifideles Laici, 43).

Nunca vos esqueçais de que a primeira riqueza do homem e por isso mesmo a primeira riqueza de uma Nação, é o trabalho. “O homem se desenvolve mediante o amor pelo trabalho” ( Laborem Exercens, 11). Onde falta este amor, cedendo a um conformismo indolente, não é possível o progresso humano, nem a maturidade cristã, nem o bem da sociedade.

Rejeitai a tentação do desestímulo provocada pelo exemplo negativo dos que, à margem de critérios éticos, procuram a maior vantagem com o menor trabalho. Rejeitai também, a despeito de todas as dificuldades, o desestímulo procedente de uma concepção errada das relações empresariais, que coloca o capital acima do trabalho, o lucro acima da pessoa humana, e se traduz muitas vezes numa indigna retribuição do trabalhador e numa injusta distribuição da renda ( Laborem Exercens, 13 e 15; Centesimus Annus, 35).

Com o espírito do Evangelho, sabereis contribuir para as necessárias mudanças na ordem econômico-social. Sabereis também procurar os meios eficazes para enfrentar e debelar o grave problema do desemprego. Deveis empenhar-vos para que a doutrina social católica, sem ceder a ideologias antievangélicas, que propugnam o ódio e a luta de classes, oriente de fato a realidade sócio-econômica do vosso país. Esta é a vossa tarefa própria, nas suas concretizações práticas. São os leigos católicos que, juntamente com os demais cidadãos, a devem assumir.

Referia-me também, antes, à honestidade e ao espírito cristão no trabalho. Eis aqui outro importante tema de reflexão e de exame de consciência. Parte não pequena do vosso apostolado deve orientar-se de modo a conseguir que os princípios da ética profissional, da honestidade, da veracidade, da lisura e da moral cristã imperem em todos os âmbitos do trabalho humano, quer na esfera pública, quer na esfera privada.

Não vos deixeis abalar pelo temor de que a fidelidade a esses princípios éticos vos coloque em situação de desvantagem, num ambiente em que não raro a lei moral é desprezada e grassa a corrupção. Mesmo que às vezes vos pareça ficar em situação de inferioridade, tende a coragem de dar, em todo o momento, o vosso testemunho ético nítido e inequívoco. Deste modo estareis amando a Deus e estareis servindo o Brasil.

Contando com essas condições primárias, amor ao trabalho e consciência ética, é que vossa ação poderá converter-se em meio de santificação, meio de apostolado e fermento de transformação da sociedade.

5. Esta última consideração nos conduz ao terceiro ponto que hoje queria comentar convosco.

Lembrava antes que faz parte da missão dos leigos a ação sócio-política. Recordo-vos agora que “para ordenar cristãmente a ordem temporal, no sentido de servir à pessoa e à sociedade, os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na "política", ou seja, na múltipla e variada ação econômica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum” (Christifideles Laici, 42).

Esta responsabilidade, permiti-me sublinhá-lo, essa ação no campo político, econômico e social, à procura do bem comum, é função própria, específica e característica dos fiéis leigos. Faz parte da vossa missão, e deve ser exercida com a plena autonomia pessoal de que gozais, como cidadãos da cidade terrena e como filhos de Deus, livres e responsáveis.

É fato evidente que uma interferência direta de eclesiásticos ou religiosos na práxis política, ou a eventual pretensão de impor, em nome da Igreja, uma linha única nas questões que Deus deixou à livre discussão dos homens, constituiria um inaceitável clericalismo. Mas é claro também que incorreriam em outra forma não menos prejudicial de clericalismo, os fiéis leigos que, nas questões temporais, pretendessem atuar, sem que haja razão ou título para tanto, em nome da Igreja, como seus porta-vozes, ou ao abrigo da hierarquia eclesiástica.

Tende a coragem de assumir vossa liberdade pessoal responsável, e de intervir ativamente na vida política, econômica e social, animados pelo espírito de Cristo, seguindo aquele critério moral que já indicava a Constituição Gaudium et Spes: “como cidadãos guiados pela sua consciência de cristãos”( Gaudium et Spes, 76).

É certamente dever e função dos Pastores da Igreja ajudar a formar essa consciência com os princípios do Evangelho e a doutrina do Magistério. Mas, dentro da imensa variedade de opções que se oferecem à consciência cristã bem formada, sois vós os que deveis definir as vossas posições, fazer as vossas escolhas - que ninguém tem o direito de limitar - e comprometer-vos, individualmente ou unidos a outros cidadãos que participem dos vossos mesmos ideais, a desenvolver uma ação ampla e profunda visando a correta ordenação das realidades temporais.

6. Que mais vos direi, filhos queridíssimos? Para que este esplêndido panorama da vocação e da missão dos leigos seja uma realidade, é preciso uma preocupação prévia, uma condição prioritária: vossa santidade pessoal.

Este é o pedido que também dirijo a Deus ao terminar nosso encontro: que a Terra da Santa Cruz seja uma terra de santos! Que ela venha a ser um solo fértil em que a santidade cristã floresça e frutifique na vida de muitos fiéis leigos. Deste modo, se estenderá o Reino de Cristo na própria entranha da sociedade brasileira.

Antes de concluir, quero congratular-me com os fiéis de Campo Grande que, sob a direção de uma comissão de leigos, construíram esta bela igreja dedicada a Nossa Senhora da Abadia, padroeira da Arquidiocese, e a Santo Antônio, padroeiro da cidade. A partir de hoje, com minha visita, esta igreja passa a ser a Sé Catedral da Arquidiocese de Campo Grande. Deus abençoe todos quantos colaboraram na construção deste templo!

Ao dar-vos de todo coração a minha Bênção Apostólica, elevo o meu pensamento a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, renovando a prece que há alguns anos, pensando em vós, eu dirigia à Mãe da Igreja: “Virgem Mãe, sede nossa guia e nosso apoio para vivermos sempre como autênticos filhos e filhas da Igreja do vosso Filho, e podermos contribuir para a implantação da civilização da verdade e do amor sobre a terra, segundo o desejo de Deus e para a sua maior glória. Amém” (Christifideles Laici, 64).  

 



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