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MISSA EM FRANCÊS NA VIGÍLIA DA FESTA
 DE NOSSA SENHORA DE LOURDES

HOMILIA DO PAPA JOÃO PAULO II

7 de Janeiro de 1979

 

Ave Maria ...

Desejaria estar hoje em espírito nesse canto da França, onde, há 121 anos, estas palavras não cessam de ser pronunciadas pelos lábios de milhares, de milhões de homens e mulheres, desde o dia em que, precisamente nesse lugar, elas foram pronunciadas por uma menina cheia de espanto. A menina chamava-se Bernadette Soubirous, tinha 14 anos, era filha de modestos trabalhadores de Lurdes.

Ave Maria ...

É com estas palavras que, sempre e em toda a parte, saudamos Aquela que as ouviu pela primeira vez em Nazaré. Recebendo esta saudação, foi chamada pelo seu nome; assim lhe chamavam a família e todos os que nas vizinhanças a conheciam; foi também com este nome que foi escolhida por Deus. O Eterno chamou-a por este nome: Maria! Myriam!

Quanto porém Bernadette lhe perguntou o nome, ela não respondeu «Maria», mas «Que soy era Immaculada Councepciou», «Eu sou a Imaculada Conceição». Assim, em Lurdes, ela chamou-se com o nome que Deus lhe dera de toda a eternidade; sim, de toda a eternidade, a escolheu com este nome destinou-a a ser a Mãe de seu Filho, o Verbo eterno. Este nome, «Imaculada Conceição», é afinal bem mais profundo e bem mais importante que aquele que usavam os seus pais ou as pessoas do seu conhecimento da Anunciação: «Ave Maria!».

Detenhamo-nos nesta saudação. Milhões de lábios humanos a repetem, cada dia, em toda a espécie de línguas e dialectos, em múltiplos locais do globo. Entre a gruta de Massabielle e a torrente do Gave, são também milhões de peregrinos que a repetem durante o ano. Hoje quero eu repetir esta «Ave Maria» com todos, fazendo-me peregrino pelo espírito e o coração, enquanto espero a oportunidade de me encontrar pessoalmente nesse local Desejo chamar à Mãe de Cristo este nome que ela tinha na terra; desejo saudá-la com esta saudação que podemos classificar como «histórica», neste sentido: anda ligada a um momento decisivo da história da salvação. Este momento decisivo é ao mesmo tempo o do seu acto de fé, da sua resposta de fé: Bem-aventurada tu que acreditaste (Lc. 1, 45).

Sim, Maria; é este dia, é esta hora que conta, o momento em que tu ouviste esta saudação, com o teu nome: Myriam, Maria! Porque a história da Salvação está registada no tempo dos homens; marcado pelas horas, os dias e os anos. Esta história toma ainda uma dimensão de fé, na resposta dada ao Deus vivo pelo coração humano. Entre estas respostas, a que segue a «Ave Maria» da Anjo, em Nazaré, marca um cimo: Fiat! «Seja feito em mim segundo a tua palavra».

Bem-aventurada, tu que acreditaste!

É Isabel quem dirige a Maria este pedido de bênção. Não no momento da Anunciação, mas várias semanas depois, quando Maria chegou a Ain-Karin. E estas palavras de Isabel, que lhe era espiritualmente a pessoa mais próxima, provocaram em Maria nova resposta de fé: «Magnificat».

Estamos habituados aos termos deste cântico. A Igreja fê-los seus. Repete-os seguindo a Mãe de Cristo, para exprimir as suas maiores alegrias ou simplesmente para agradecer: O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome. O seu amor estende-se de geração em geração ... Derrubou os poderosos do seu trono e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu-os de mãos vazias ... (Lc. 1, 49-50, 52-53).

Ouvimos muitas vezes estas palavras. Repetimo-las tantas vezes! Procuremos um dia, ao menos uma vez (porque não hoje?), deter-nos diante da admirável transparência deste Coração de Maria: é nele e através dele que Deus fala. Fala a um nível que transcende as palavras quotidianas do homem, e talvez mesmo as palavras que serviam cada dia a Myriam, esta jovem de Nazaré, parenta de Isabel e de Zacarias, de há pouco noiva de José. Na realidade, não é Maria como que a esposa do Espírito Santo?

É com certeza o Espírito quem dá tal transparência ao seu coração — esse coração simples e humilde duma filha de Nazaré — graças às promessas que fizera a Abraão e à sua descendência para sempre (Lc. 1, 55). Deus está tão misteriosamente presente a toda a história dos homens, das gerações que se sucedem e dos povos, que é capaz de suscitar nessa história, de maneira maravilhosa, uma transparência, uma esperança, um apelo à santidade, uma purificação, uma conversão. Neste sentido, está presente na história dos humildes ... e dos poderosos; sim, na história dos famintos, dos oprimidos, dos marginalizados, que sabem ser amados por Ele, e n'Ele encontram coragem, dignidade e esperança; também na história dos ricos, dos opressores, dos homens saciados de tudo, que não escapam ao juízo de Deus e são, eles também, convidados à humildade, à justiça e à partilha, para entrarem no seu Reino. Deus está presente na história dos responsáveis e das vítimas da civilização do consumo, que se vai espalhando: quer libertar o homem da escravidão das coisas e colocá-lo sem cessar no caminho do amor das pessoas — de Deus e dos próprios irmãos — com o espírito de pureza, de pobreza e de simplicidade.

Estas palavras admiráveis do Magnificat, quero hoje meditá-las com todos os que participam neste sacrifício eucarístico, com todos os peregrinos de Lurdes e com toda a Igreja.

Alguns interrogam-se hoje sobre a missão da Igreja. Mas não pode a Igreja do nosso tempo entrever, nas palavras de Maria, a verdade sobre a sua missão? Não contêm elas o que nós pode-mos, o que nós queremos, o que nós devemos anunciar, proclamar e realizar neste vasto campo em que estão ligadas «evangelização» e «promoção humana», em que a primeira chama a segunda? Não permite o Magnificat responder à questão de saber de que progresso, de que promoção se trata, saber também o que significa «evangelizar», anunciar a Boa Nova aos homens de hoje? Porque este «hoje», com as suas misérias e os seus sinais de esperança, constitui em todos os países um desafio à missão «profética» da Igreja e ao mesmo tempo à sua missão «maternal». Trata-se de abrir os corações e as mentalidades a Cristo, ao Evangelho, à sua escala de valores, para contribuir para a elevação do homem completo e de todos os homens, ordenar um mundo menos indigno do homem e do desígnio de Deus sobre este, e preparar ao mesmo tempo o Reino dos céus.

Caros Irmãos e Irmãs, é com profunda emoção que eu celebro hoje esta Missa em língua francesa, na Capela Sistina. Assim posso-me unir espiritualmente, na liturgia eucarística, com todos os que falam esta língua (e são em grande número!), espalhados por muitos países, e representados aqui em Roma e nesta assembleia. Posso, em especial, reunir em espírito os filhos e as filhas da Igreja desta grande nação francesa, cuja história está ligada, de maneira particular, à história do Evangelho na Europa e no mundo inteiro.

Temos a impressão de nos encontrarmos em Lurdes, a que afluem continuamente peregrinos da França e de todos os países:

— em Lurdes que festeja este ano, com Nevers, o centenário da morte de Bernadette;

— em Lurdes onde a mensagem de Maria, transmitida por Bernadette, convida sem cessar as almas à oração, à penitência, à conversão, à purificação, à alegria da assembleia cristã, numa palavra, a uma fé mais vigorosa;

— em Lurdes onde tantos doentes encontram, se não a cura corporal, pelo menos o sentido cristão para os próprios sofrimentos, a paz do amor de Deus e o acolhimento carinhoso dos próprios irmãos;

— em Lurdes onde cada ano se encontram em reunião plenária os Bispos franceses, que desta Sé do Apóstolo Pedro tenho o prazer de saudar muito cordialmente.

— em Lurdes que prepara o Congresso Eucarístico de 1981. Já começámos a preparar juntos a celebração deste centenário do primeiro Congresso eucarístico internacional que se realizou em Lille em 1881.

Desejaria sobretudo repetir, voltando-me para a terra de França, para toda a Igreja que está na França: bem-aventurada és tu por teres recebido a fé desde as origens. Não permitas que a fé diminua ou se dissolva. Fortifica a tua fé.

Neste espírito de fé, aproximamo-nos agora do altar para celebrar o Sacrifício de Cristo: o Sacrifício do Pão que nós consagramos e que partimos para a vida do mundo(1 Cor. 10, 16; Jo. 6, 51). É o tema do Congresso eucarístico para o qual nos preparamos juntos: Para a vida do mundo, para a salvação do mundo. Amen.

 

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