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PAPA BENTO XVI

CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA

ANGLICANORUM COETIBUS

SOBRE A INSTITUIÇÃO DE ORDINARIATOS PESSOAIS
PARA ANGLICANOS QUE ENTRAM NA PLENA COMUNHÃO
COM A IGREJA CATÓLICA

Nestes últimos tempos o Espírito Santo estimulou grupos de anglicanos a pedir várias vezes e insistentemente para serem recebidos, também corporativamente, na plena comunhão católica e esta Sé Apostólica acolheu benevolamente o seu pedido. De facto, o Sucessor de Pedro, que tem do Senhor Jesus o mandato de garantir a unidade do episcopado e de presidir e tutelar a comunhão universal de todas as Igrejas [1], não pode deixar de predispor os meios para que este santo desejo possa ser realizado.

A Igreja, povo de Deus reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo [2], foi de facto instituída por nosso Senhor Jesus Cristo como "o sacramento, ou seja, o sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano" [3]. Qualquer divisão entre baptizados em Jesus Cristo é uma ferida ao que a Igreja é e àquilo para o que a Igreja existe; com efeito "não só se opõe abertamente à vontade de Cristo, mas é também um escândalo para o mundo e danifica a mais santa das causas: a pregação do Evangelho a toda a criatura" [4]. Precisamente por isto, antes de derramar o seu sangue pela salvação do mundo, o Senhor Jesus rezou ao Pai pela unidade dos seus discípulos [5].

É o Espírito Santo, princípio de unidade, que constitui a Igreja como comunhão [6]. Ele é o princípio da unidade dos fiéis no ensinamento dos Apóstolos, na fracção do pão e na oração [7]. Contudo a Igreja, por analogia ao mistério do Verbo encarnado, não é só uma comunhão invisível, espiritual, mas também visível [8]; de facto, "a sociedade constituída por órgãos hierárquicos e o corpo místico de Cristo, a assembleia visível e a comunidade espiritual, a Igreja terrestre e a Igreja enriquecida pelos bens celestes, não se devem considerar como duas coisas diversas; elas formam ao contrário uma só complexa realidade resultante de um dúplice elemento, humano e divino" [9]. A comunhão dos baptizados no ensinamento dos Apóstolos e na fracção do pão eucarístico manifesta-se visivelmente nos vínculos da profissão da integridade da fé, da celebração de todos os sacramentos instituídos por Cristo e do governo do Colégio dos Bispos unidos com a própria cabeça, o Romano Pontífice [10]).

Com efeito, a única Igreja de Cristo, que no símbolo professamos una, santa, católica e apostólica, "subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro, e pelos Bispos em comunhão com ele, se bem que fora do seu organismo se encontrem muitos elementos de santificação e de verdade que, como dons próprios da Igreja de Cristo, estimulam rumo à unidade católica" [11].

À luz de tais princípios eclesiológicos, com esta Constituição Apostólica provê-se a uma normativa geral que regule a instituição e a vida de Ordinariatos Pessoais para aqueles fiéis anglicanos que desejam entrar corporativamente em plena comunhão com a Igreja Católica. Tal normativa é integrada por Normas Complementares emanadas pela Sé Apostólica.

I § 1. Os Ordinariatos Pessoais para Anglicanos que entram na plena comunhão com a Igreja Católica são erigidos pela Congregação para a Doutrina da Fé dentro dos confins territoriais de uma determinada Conferência Episcopal, depois de ter consultado a própria Conferência.

§ 2. No território de uma Conferência dos Bispos, podem ser erigidos um ou mais Ordinariatos, de acordo com as necessidades.

§ 3. Cada Ordinariato ipso iure goza de personalidade jurídica pública; é juridicamente assimilado a uma diocese [12].

§ 4. O Ordinariato é formado por fiéis leigos, clérigos e membros de Institutos de Vida Consagrada ou de Sociedades de Vida Apostólica, originariamente pertencentes à Comunhão Anglicana e agora em plena comunhão com a Igreja Católica, ou que recebem os Sacramentos da Iniciação na jurisdição do próprio Ordinariato.

§ 5. O Catecismo da Igreja Católica é a expressão autêntica da fé católica professada pelos membros do Ordinariato.

II. O Ordinariato Pessoal é regido pelas normas do direito universal e pela presente Constituição Apostólica e está sujeito à Congregação para a Doutrina da Fé e aos outros Organismos da Cúria Romana segundo as suas competências. Para ele são válidas também as supramencionadas Normas Complementares e outras eventuais Normas específicas criadas por cada Ordinariato.

III. Sem excluir as celebrações litúrgicas segundo o Rito Romano, o Ordinariato tem a faculdade de celebrar a Eucaristia e os outros Sacramentos, a Liturgia das Horas e as outras acções litúrgicas segundo os livros litúrgicos próprios da tradição anglicana aprovados pela Santa Sé, de forma a manter vivas no interior da Igreja Católica as tradições espirituais, litúrgicas e pastorais da Comunhão Anglicana, como dom precioso para alimentar a fé dos seus membros e riqueza a partilhar.

IV. Um Ordinariato Pessoal é confiado ao cuidado pastoral de um Ordinário nomeado pelo Romano Pontífice.

V. O poder (potestas) do Ordinariato é:

a. ordinário: anexado pelo próprio direito ao cargo que lhe é conferido pelo Romano Pontífice, pelo foro interno e pelo foro externo;

b. vicário: exercido em nome do Romano Pontífice;

c. pessoal: exercido sobre quantos pertencem ao Ordinariato.

Ele é exercido de modo conjunto com o do Bispo diocesano local nos casos previstos pelas Normas Complementares.

VI § 1. Todos aqueles que exerceram o ministério de diáconos, presbíteros ou bispos anglicanos, que respondem aos requisitos estabelecidos pelo direito canónico [13] e não estão impedidos por irregularidades ou outros impedimentos [14], podem ser aceites pelo Ordinariato como candidatos às Ordens Sagradas na Igreja Católica. Para os ministros casados devem ser observadas as normas da Encíclica de Paulo VI Sacerdotalis coelibatus, n. 42 [15] e da Declaração In June [16]. Os ministros não casados estão sujeitos à norma do celibato clerical segundo o cân. 277, 1.

§ 2. O Ordinário, em plena observância da disciplina sobre o celibato clerical na Igreja Latina, pro regula admitirá à ordem do presbiterado só homens celibatários. Poderá dirigir petição ao Romano Pontífice, em derrogação ao cân. 277, 1, de admitir caso por caso à Ordem Sagrada do presbiterado também homens casados, segundo os critérios objectivos aprovados pela Santa Sé.

§ 3. A incardinação dos clérigos será regulada segundo as normas do direito canónico.

§ 4. Os presbíteros incardinados num Ordinariato, que constituem o seu presbitério, devem cultivar também um vínculo de unidade com o presbitério da Diocese em cujo território desempenham o seu ministério; eles deverão favorecer iniciativas e actividades pastorais e caritativas conjuntas, que poderão ser objecto de convenções estipuladas entre o Ordinariato e o Bispo diocesano local.

§ 5. Os candidatos às Ordens Sagradas num Ordinariato serão formados juntamente com os outros seminaristas, sobretudo nos âmbitos doutrinal e pastoral. Para ter em consideração as particulares necessidades dos seminaristas do Ordinariato e da sua formação no património anglicano, o Ordinário pode estabelecer programas a serem desenvolvidos no seminário ou também erigir casas de formação, conexas com faculdades de teologia católicas já existentes.

VII. O Ordinário, com a aprovação da Santa Sé, pode erigir novos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica e promover os seus membros às Ordens Sagradas, segundo as normas do direito canónico. Institutos de Vida Consagrada provenientes do Anglicanismo e agora em plena comunhão com a Igreja Católica por mútuo consentimento podem ser submetidos à jurisdição do Ordinário.

VIII § 1. O Ordinário, por norma de direito, depois de ter ouvido o parecer do Bispo diocesano do lugar, pode, com o consentimento da Santa Sé, erigir paróquias pessoais, para a cura pastoral dos fiéis pertencentes ao Ordinariato.

§ 2. Os párocos do Ordinariato gozam de todos os direitos e devem cumprir todas as obrigações previstas no Código de Direito Canónico que, nos casos estabelecidos nas Normas Complementares, são exercidos em mútua ajuda pastoral com os párocos da Diocese em cujo território se encontra a paróquia pessoal do Ordinariato.

IX. Quer os fiéis leigos quer os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, que provêm do Anglicanismo e desejam pertencer ao Ordinariato Pessoal, devem manifestar esta vontade por escrito.

X § 1. O Ordinário no seu governo é assistido por um Conselho de governo regulado por Estatutos aprovados pelo Ordinário e confirmados pela Santa Sé [17].

§ 2. O Conselho de governo, presidido pelo Ordinário, é composto pelo menos por seis sacerdotes e exerce as funções estabelecidas no Código de Direito Canónico para o Conselho Presbiteral e para o Colégio dos Consultores e as especificadas nas Normas Complementares.

§ 3. O Ordinário deve constituir um Conselho para os assuntos económicos segundo a norma do Código de Direito Canónico e com as tarefas por ele estabelecidas [18].

§ 4. Para favorecer a consultação dos fiéis no Ordinariato deve ser constituído um Conselho Pastoral [19].

XI. O Ordinário deve ir de cinco em cinco anos a Roma para a visita ad limina Apostolorum e através da Congregação para a Doutrina da Fé, em relação também com a Congregação para os Bispos e a Congregação para a Evangelização dos Povos, deve apresentar ao Romano Pontífice um relatório sobre o estado do Ordinariato.

XII. Para as causas judiciais o tribunal competente é o da Diocese no qual uma das partes está domiciliada, a não ser que o Ordinariato não tenha constituído um tribunal próprio, caso em que o tribunal de apelação será o que o Ordinariato designar e a Santa Sé aprovar. Em ambos os casos, ter-se-ão em consideração os vários títulos de competência estabelecidos pelo Código de Direito Canónico [20].

XIII. O Decreto que erigirá um Ordinariato determinará o lugar da sede do mesmo Ordinariato e, se for considerado oportuno, também qual será a sua igreja principal.

Queremos que estas nossas disposições e normas sejam válidas e eficazes agora e no futuro, não obstante, se necessário for, as Constituições e os Decretos apostólicos emanados pelos nossos predecessores, e qualquer outra prescrição também digna de particular menção ou derrogação.

Dado em Roma, junto de São Pedro, a 4 de Novembro de 2009, Memória de São Carlos Borromeu.


BENEDICTUS PP. XVI
 


Notas

[1] Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II, Const. dogm. Lumen gentium, 23; Congregação para a Doutrina da Fé,CartaCommunionis notio, 12; 13.

[2] Cf. Const. dogm. Lumen gentium, 4; Decreto Unitatis redintegratio, 2.

[3] Const. dogm. Lumen gentium, 1.

[4] Decreto Unitatis redintegratio, 1.

[5] Cf. Jo 17, 20-21; Decreto Unitatis redintegratio, 2.

[6] Cf.Const.dogm.Lumen gentium, 13.

[7] Cf. Ibidem; Act 2, 42.

[8] Cf. Const. dogm. Lumen gentium, 8; Carta Communionis notio, 4.

[9] Const. Dogm. Lumen gentium, 8.

[10] Cf. cdc, cân. 205; Const. dogm. Lumen gentium, 13; 14; 21; 22; Decreto Unitatis redintegratio, 2; 3; 4; 15; 20; Decreto Christus Dominus, 4; Decreto Ad gentes, 22.

[11] Const. dogm. Lumen gentium, 8; Decreto Unitatis redintegratio, 1; 3; 4; Congregação para a Doutrina da Fé, Decl. Dominus Iesus, 16.

[12] Cf. João Paulo II, Const. Apost. Spirituali militum curae, 21 de Abril de 1986, I 1.

[13] Cf. CDC, cânn. 1026-1032.

[14] Cf. CDC, cânn. 1040-1049.

[15] Cf. AAS 59 (1967) 674.

[16] Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração de 1 de Abril de 1981, em Enchiridion Vaticanum, 7, 1213.

[17] Cf. CDC, cânn. 495-502.

[18] Cf. CDC, cânn. 492-494.

[19] Cf. CDC, cân. 511.

[20] Cf. CDC, cânn. 1410-1414 e 1673.

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