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MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI
PARA O 97º DIA MUNDIAL DO MIGRANTE
E DO REFUGIADO (2011)

  «Uma só família humana»

 

Queridos Irmãos e Irmãs!

O Dia Mundial do Migrante e do Refugiado oferece a oportunidade, a toda a Igreja, para reflectir sobre o tema relacionado com o crescente fenómeno da migração, para rezar a fim de que os corações se abram ao acolhimento cristão e trabalhem para que cresçam no mundo a justiça e a caridade, colunas para a construção de uma paz autêntica e duradoura. «Que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei» (Jo 13, 34) é o convite que o Senhor nos dirige com vigor e nos renova constantemente: se o Pai nos chama para sermos filhos amados no seu Filho predilecto, chama-nos também para nos reconhecermos a todos como irmãos em Cristo.

Deste vínculo profundo entre todos os seres humanos surge o tema que escolhi este ano para a nossa reflexão: «Uma só família humana», uma só família de irmãos e irmãs em sociedades que se tornam cada vez mais multi-étnicas e intra-culturais, onde também as pessoas de várias religiões são estimuladas ao diálogo, para que se possa encontrar uma serena e frutuosa convivência no respeito das legítimas diferenças. O Concílio Vaticano II afirma que « os homens constituem todos uma só comunidade; todos têm a mesma origem, pois foi Deus quem fez habitar em toda a terra o inteiro género humano (cf. Act 17, 26); têm, além disso, o mesmo fim último, Deus, cuja providência, testemunho de bondade e desígnios de salvação se estendem a todos» (Decl. Nostra aetate,1). Assim, nós «não vivemos uns ao lado dos outros por acaso; estamos percorrendo todos um mesmo caminho como homens e por isso como irmãos e irmãs» (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2008, 6).

O caminho é o mesmo, o da vida, mas as situações por que passamos neste percurso são diversas: muitos devem enfrentar a difícil experiência da migração, nas suas diversas expressões: internas ou internacionais, permanentes ou periódicas, económicas ou políticas, voluntárias ou forçadas. Em vários casos a partida do próprio país é estimulada por diversas formas de perseguição, de modo que a fuga se torna necessária. Depois, o próprio fenómeno da globalização característico da nossa época, não é só um processo socioeconómico, mas comporta também «uma humanidade que se torna mais interrelacionada», superando confins geográficos e culturais. A este propósito, a Igreja não cessa de recordar que o sentido profundo deste processo sazonal e o seu critério ético fundamental são dados precisamente pela unidade da família humana e pelo seu desenvolvimento no bem (cf. Bento XVI, Enc. Caritas in veritate, 42). Portanto, todos pertencem a uma só família, migrantes e populações locais que os recebem, e todos têm o mesmo direito de usufruir dos bens da terra, cujo destino é universal, como ensina a doutrina social da Igreja. Aqui encontram fundamento a solidariedade e a partilha.

« Numa sociedade em vias de globalização, o bem comum e o empenho em seu favor não podem deixar de assumir as dimensões da família humana inteira, ou seja, da comunidade dos povos e das nações, para dar forma de unidade e paz à cidade do homem e torná-la em certa medida antecipação que prefigura a cidade de Deus sem barreiras.» (Bento XVI, Enc. Caritas in veritate,7). É esta a perspectiva com a qual olhar também para a realidade das migrações. De facto, como já fazia notar o Servo de Deus Paulo VI, «a falta de fraternidade entre os homens e entre os povos» é causa profunda de subdesenvolvimento (Enc. Populorum progressio, 66) e – podemos acrescentar – incide em grande medida sobre o fenómeno migratório. A fraternidade humana é a experiência, por vezes surpreendente, de uma relação que irmana, de uma ligação profunda com o próximo, diferente de mim, baseado no simples facto de sermos homens. Assumida e vivida responsavelmente ela alimenta uma vida de comunhão e de partilha com todos, sobretudo com os migrantes; apoia a doação de si aos demais, ao seu bem, ao bem de todos, na comunidade política local, nacional e mundial.

O Venerável João Paulo II, por ocasião deste mesmo Dia celebrado em 2001, ressaltou que «(o bem comum universal) abrange toda a família dos povos, acima de todo o egoísmo nacionalista. É neste contexto que se considera o direito de emigrar. A Igreja reconhece-o a cada homem no duplo aspecto da possibilidade de sair do próprio País e a possibilidade de entrar num outro à procura de melhores condições de vida. » (Mensagem para o Dia Mundial das Migrações 2001,3; cf. João XXIII, Enc. Mater et Magistra,30: Paulo VI, Octogesima Adveniens,17). Ao mesmo tempo, os Estados têm o direito de regular os fluxos migratórios e de defender as próprias fronteiras, garantindo sempre o respeito devido à dignidade de cada pessoa humana. Além disso, os imigrantes têm o dever de se integrarem no país que os recebe, respeitando as suas leis e a identidade nacional. «Procurar-se-á então conjugar o acolhimento devido a todo o ser humano, sobretudo no caso de pobres, com a avaliação das condições indispensáveis para uma vida decorosa e pacífica tanto dos habitantes originários como dos adventícios» ( João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2001, 13).

Neste contexto, a presença da Igreja, como povo de Deus a caminho na história no meio de todos os outros povos, é fonte de confiança e esperança. De facto, a Igreja é «em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» (Conc. Ec. Vat. II, Const. Dog. Lumen gentium,1); e, graças à acção do Espírito Santo nela, «o esforço por estabelecer a universal fraternidade não é vão» (Ibid, Const. Past. Gaudium et spes, 38). De modo particular é a Sagrada Eucaristia que constitui, no coração da Igreja, uma fonte inexaurível de comunhão para toda a humanidade. Graças a ela, o Povo de Deus abraça «todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7, 9) não com uma espécie de poder sagrado, mas com o serviço superior da caridade. Com efeito, a prática da caridade, sobretudo em relação aos mais pobres e débeis, é critério que prova a autenticidade das celebrações eucarísticas (cf. João Paulo II, Carta apost. Mane nobiscum Domine, 28).

À luz do tema «Uma só família humana», deve ser considerada especificamente a situação dos refugiados e dos outros migrantes forçados, que são uma parte relevante do fenómeno migratório. Em relação a estas pessoas, que fogem de violências e de perseguições, a Comunidade internacional assumiu compromissos bem determinados. O respeito dos seus direitos, assim como das justas preocupações pela segurança e pela unidade social, favorecem uma convivência estável e harmoniosa.

Também no caso dos migrantes forçados a solidariedade alimenta-se na «reserva» de amor que nasce do considerar-se uma só família humana e, para os fiéis católicos, membros do Corpo Místico de Cristo: somos de facto dependentes uns dos outros, todos responsáveis dos irmãos e das irmãs em humanidade e, para quem crê, na fé. Como já tive a ocasião de dizer, «Acolher os refugiados e dar-lhes hospitalidade é para todos um gesto obrigatório de solidariedade humana, para que eles não se sintam isolados por causa da intolerância e do desinteresse» (Audiência geral de 20 de Junho de 2007: Insegnamenti II, 1 [2007], 1158). Isto significa que todos os que são forçados a deixar as suas casas ou a sua terra serão ajudados a encontrar um lugar no qual viver em paz e em segurança, onde trabalhar e assumir os direitos e deveres existentes no país que os acolhe, contribuindo para o bem comum, sem esquecer a dimensão religiosa da vida.

Por fim, gostaria de dirigir um pensamento particular, sempre acompanhado da oração, aos estudantes estrangeiros e internacionais, que também são uma realidade em crescimento no âmbito do grande fenómeno migratório. Trata-se de uma categoria também socialmente relevante na perspectiva do seu regresso, como futuros dirigentes, aos países de origem. Eles constituem «pontes» culturais e económicas entre estes países e os que os recebem, e tudo isto se orienta para formar «uma só família humana». É esta convicção que deve apoiar o compromisso a favor dos estudantes estrangeiros e acompanhar a atenção pelos seus problemas concretos, como as dificuldades económicas ou o mal-estar de se sentirem sozinhos ao enfrentar um ambiente social e universitário muito diferente, assim como as dificuldades de inserção. A este propósito, apraz-me recordar que « pertencer a uma comunidade universitária significa estar na encruzilhada das culturas que formaram o mundo moderno» (cf. João Paulo II, Aos Bispos dos Estados Unidos das Províncias eclesiásticas de Chicago, Indianapolis e Milwaukee em visita «ad limina», 30 de Maio de 1998, 6: Insegnamenti XXI, 1 [1998], 1116). A cultura das novas gerações forma-se na escola e na universidade: depende em grande medida destas instituições a sua capacidade de olhar para a humanidade como para uma família chamada a estar unida na diversidade.

Queridos irmãos e irmãs, o mundo dos migrantes é vasto e diversificado. Conhece experiências maravilhosas e prometedoras, assim como, infelizmente, muitas outras dramáticas e indignas do homem e de sociedades que se consideram civis. Para a Igreja, esta realidade constitui um sinal eloquente do nosso tempo, que dá mais realce à vocação da humanidade de formar uma só família e, ao mesmo tempo, as dificuldades que, em vez de a unir, a dividem e dilaceram. Não percamos a esperança, e rezemos juntos a Deus, Pai de todos, para que nos ajude a ser, cada um em primeira pessoa, homens e mulheres capazes de estabelecer relações fraternas; e, a nível social, político e institucional, incrementem-se a compreensão e a estima recíproca entre os povos e as culturas. Com estes votos, invocando a intercessão de Maria Santíssima Stella maris, envio de coração a todos a Bênção Apostólica, de modo especial aos migrantes e aos refugiados e a quantos trabalham neste importante âmbito.

Castel Gandolfo, 27 de Setembro de 2010.

 

BENEDICTUS PP. XVI

 

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