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ENCONTRO «FÉ E CIÊNCIA: RUMO À COP26»

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO

Sala das Bênçãos
Segunda-feira, 4 de outubro de 2021

[Multimídia]

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Líderes e Representantes religiosos,
Excelências,
Queridos amigos!

Obrigado a todos por se reunirem aqui, colocando em evidência o desejo dum diálogo profundo entre nós e com os peritos em ciência. Ouso oferecer três conceitos à vossa reflexão sobre esta colaboração: o olhar da interdependência e da partilha, o motor do amor e a vocação ao respeito.

1. Tudo está interligado; no mundo, tudo está intimamente relacionado. Não só a ciência, mas também as nossas crenças e as nossas tradições espirituais põem em evidência esta conexão que existe entre todos nós e com o resto da criação. Reconhecemos os sinais da harmonia divina presente no mundo natural: nenhuma criatura se basta a si mesma; cada uma só existe na dependência das outras, para se completarem mutuamente, ao serviço uma da outra [1]. Quase poderíamos dizer que uma é dada pelo Criador às outras, para que, na relação de amor e respeito, possam crescer e realizar-se em plenitude. Plantas, águas, seres vivos são guiados por uma lei impressa por Deus em cada um deles para benefício de toda a criação.

Reconhecer que o mundo está interligado significa não só compreender as consequências nefastas das nossas ações, mas também identificar comportamentos e soluções que devem ser adotados com olhar aberto à interdependência e à partilha. Não se pode agir sozinho; é fundamental o empenho de cada um no cuidado dos outros e do ambiente, um empenho que leve à tão urgente mudança de rumo, que deve ser alimentada também pela própria fé e espiritualidade. Para os cristãos, o olhar da interdependência brota do próprio mistério de Deus Trino: «A pessoa humana cresce, amadurece e santifica-se tanto mais, quanto mais se relaciona, sai de si mesma para viver em comunhão com Deus, com os outros e com todas as criaturas. Assim assume na própria existência aquele dinamismo trinitário que Deus imprimiu nela desde a sua criação» [2].

O encontro hodierno, que une muitas culturas e espiritualidades num espírito de fraternidade, reforça a consciência de que somos membros duma única família humana: temos, cada um de nós, a própria fé e tradição espiritual, mas não há fronteiras nem barreiras culturais, políticas ou sociais que consintam isolar-nos. Para iluminar este olhar, queremos empenhar-nos em prol dum futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade.

2. Este empenho deve ser continuamente solicitado pelo motor do amor: «A partir da intimidade de cada coração, o amor cria vínculos e amplia a existência, quando arranca a pessoa de si mesma para o outro» [3]. Entretanto a força propulsora do amor não é acionada  duma vez para sempre, mas deve ser reavivada dia a dia; esta é uma das grandes contribuições que as nossas crenças e tradições espirituais podem dar para facilitar esta mudança de rumo de que temos tanta necessidade.

O amor é espelho duma vida espiritual vivida intensamente. Um amor que se estende a todos sem olhar a fronteiras culturais, políticas e sociais; um amor que integra, mesmo e sobretudo em benefício dos últimos, que muitas vezes são quem nos ensina a superar as barreiras do egoísmo e a romper os muros do individualismo.

Trata-se de um desafio que surge perante a necessidade de contrastar aquela cultura do descarte que parece prevalecer na nossa sociedade e se apoia sobre aquilo que o nosso Apelo Conjunto chama as «sementes dos conflitos: ganância, indiferença, ignorância, medo, injustiça, insegurança e violência». São estas mesmas sementes de conflito que provocam as graves feridas que infligimos ao ambiente, como as mudanças climáticas, a desertificação, a poluição, a perda da biodiversidade, levando à rutura daquela « aliança entre ser humano e ambiente que deve ser espelho do amor criador de Deus, de Quem provimos e para Quem estamos a caminho» [4].

Semelhante desafio a favor duma cultura do cuidado da nossa casa comum e também de nós próprios tem o sabor da esperança, pois não há dúvida que a humanidade nunca, como hoje, teve tantos meios para alcançar tal objetivo. Este mesmo desafio pode enfrentar-se em vários níveis; gostaria de assinalar, em particular, dois deles: o nível do exemplo e da ação, e o da educação. Em ambos os níveis, nós, inspirados pelas nossas crenças e tradições espirituais, podemos oferecer contribuições importantes. Muitas são as possibilidades emergentes, como aliás coloca em evidência o Apelo Conjunto, onde se ilustram também vários percursos de educação e formação que podemos desenvolver a favor do cuidado da nossa casa comum.

3. Este cuidado é também uma vocação ao respeito: respeito pela criação, respeito pelo próximo, respeito por si mesmo e respeito perante o Criador. Mas também respeito mútuo entre fé e ciência, para «estabelecerem diálogo entre si visando o cuidado da natureza, a defesa dos pobres, a construção duma trama de respeito e de fraternidade» [5].

Um respeito que não é mero reconhecimento abstrato e passivo do outro, mas deve ser vivido de forma empática e ativa querendo conhecer o outro e dialogar com ele para caminhar juntos nesta viagem comum, bem sabendo – como se indica ainda no Apelo – que «aquilo que podemos obter depende não só das oportunidades e dos recursos, mas também da esperança, da coragem e da boa vontade».

O olhar da interdependência e da partilha, o motor do amor e a vocação ao respeito: eis três chaves de leitura que me parecem iluminar o nosso trabalho pelo cuidado da casa comum. A COP26 de Glasgow é urgentemente chamada a oferecer respostas eficazes à crise ecológica sem precedentes e à crise de valores em que vivemos e, assim, dar uma esperança concreta às gerações futuras: queremos acompanhá-la com o nosso empenho e a nossa proximidade espiritual.


 


[1] Cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 86.

[2] Ibid., 240.

[3] Francisco, Carta enc. Fratelli tutti (03/X/2020), 88.

[4] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29/VI/2009), 50.

[5] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 201.



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