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CARTA APOSTÓLICA

UMA FIDELIDADE QUE GERA FUTURO

DO SANTO PADRE LEÃO XIV
POR OCASIÃO DO LX ANIVERSÁRIO
DOS DECRETOS CONCILIARES
OPTATAM TOTIUS E PRESBYTERORUM ORDINIS

1. Os presbíteros são chamados também hoje a uma fidelidade que gera futuro, na consciência de que perseverar na missão apostólica oferece a possibilidade de nos interrogarmos sobre o futuro do ministério, ajudando outros a experimentar a alegria da vocação sacerdotal. O 60.º aniversário do Concílio Vaticano II, que se celebra neste Ano Jubilar, dá-nos a oportunidade de contemplar novamente o dom desta fidelidade fecunda, recordando os ensinamentos dos Decretos Optatam totius e Presbyterorum Ordinis, promulgados a 28 de outubro e a 7 de dezembro de 1965, respetivamente. Trata-se de dois textos nascidos do mesmo respirar da Igreja, que chamada a ser sinal e instrumento de unidade para todos os povos, é interpelada a renovar-se, consciente de que «a desejada renovação de toda a Igreja depende, em grande parte, do ministério sacerdotal, animado do espírito de Cristo» [1].

2. Não celebramos um aniversário qualquer! Com efeito, ambos os documentos estão firmemente alicerçados na compreensão da Igreja como Povo de Deus peregrino na história e constituem um importante marco na reflexão sobre a natureza e missão do ministério pastoral e sua preparação, conservando ao longo do tempo grande vitalidade e atualidade. Convido, portanto, a continuar a leitura e o estudo destes textos no âmbito das comunidades cristãs, em particular nos Seminários e em todos os ambientes de preparação e formação para o ministério ordenado.

3. Bem situados na esteira da Tradição doutrinal da Igreja sobre o sacramento da Ordem, os Decretos Optatam totius e Presbyterorum Ordinis chamaram a atenção do Concílio para a reflexão sobre o sacerdócio ministerial e fizeram emergir a solicitude da assembleia conciliar em relação aos sacerdotes. Era sua intenção elaborar os pressupostos necessários para formar as futuras gerações de presbíteros de acordo com a renovação promovida pelo Concílio, mantendo firme a identidade ministerial e, ao mesmo tempo, evidenciando novas perspetivas que integrassem a reflexão feita anteriormente, na ótica de um saudável desenvolvimento doutrinal. [2] É necessário, por conseguinte, fazer deles uma memória viva, respondendo ao apelo de acolher o mandato que estes Decretos entregaram a toda a Igreja: revigorar sempre e todos os dias o ministério presbiteral, haurindo força da sua raiz, que é o vínculo entre Cristo e a Igreja, para ser, com todos os fiéis e ao seu serviço, discípulos missionários segundo o seu Coração.

4. Por outro lado, nas seis décadas decorridas desde o Concílio, a humanidade viveu e continua a viver mudanças que exigem uma constante revisão do caminho percorrido e uma coerente atualização dos ensinamentos conciliares. Simultaneamente, nestes anos, a Igreja foi conduzida pelo Espírito Santo a desenvolver a doutrina do Concílio sobre a sua natureza comunitária, segundo a forma sinodal e missionária. [3] É com este intuito que dirijo a presente Carta Apostólica a todo o Povo de Deus, para reconsiderarmos juntos a identidade e a função do ministério ordenado à luz do que o Senhor pede hoje à Igreja, prolongando a grande obra de aggiornamento do Concílio Vaticano II. Proponho fazê-lo através da ótica da fidelidade, que é contemporaneamente graça de Deus e caminho constante de conversão para corresponder com alegria ao chamamento do Senhor Jesus. Desejo começar por expressar a minha gratidão pelo testemunho e dedicação dos sacerdotes que, em todas as partes do mundo, oferecem a sua vida, celebram o sacrifício de Cristo na Eucaristia, anunciam a Palavra, absolvem os pecados e se dedicam generosamente, dia após dia, aos seus irmãos e irmãs, servindo a comunhão e a unidade e cuidando, em particular, de quem mais sofre e passa necessidade.

Fidelidade e serviço

5. Toda vocação na Igreja nasce do encontro pessoal com Cristo, «que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo». [4] Antes de qualquer compromisso, de qualquer boa aspiração pessoal e de qualquer serviço, está a voz do Mestre que chama: «Vem e segue-me» ( Mc 1, 17). O Senhor da vida conhece-nos e ilumina o nosso coração com o seu olhar de amor (cf. Mc 10, 21). Não se trata apenas de uma voz interior, mas de um impulso espiritual, que muitas vezes chega até nós através do exemplo de outros discípulos do Senhor e se concretiza numa corajosa opção de vida. A fidelidade à vocação, especialmente em tempos de provação e tentação, fortalece-se quando não nos esquecemos daquela voz, quando somos capazes de recordar com paixão o som da voz do Senhor que nos ama, escolhe e chama, confiando-nos também ao indispensável acompanhamento de quem é perito na vida do Espírito. O eco daquela Palavra é, ao longo do tempo, o princípio da unidade interior com Cristo, que se revela fundamental e incontornável na vida apostólica.

6. O chamamento ao ministério ordenado é dom livre e gratuito de Deus. Com efeito, vocação não significa coação por parte do Senhor, mas proposta amorosa de um projeto de salvação e liberdade para a nossa existência, que recebemos quando reconhecemos, com a graça de Deus, que no centro da nossa vida está Jesus, o Senhor. Então, a vocação ao ministério ordenado cresce como doação de si mesmo a Deus e, por conseguinte, ao seu Povo santo. Toda a Igreja, com o coração repleto de esperança e gratidão, reza e rejubila por este dom, como expressou o Papa Bento XVI no encerramento do Ano Sacerdotal: «Queríamos despertar a alegria por termos Deus assim tão perto, e a gratidão pelo facto de Ele Se confiar à nossa fraqueza, de Ele nos conduzir e sustentar dia após dia. E queríamos assim voltar a mostrar aos jovens que esta vocação, esta comunhão de serviço a Deus e com Deus, existe; antes, Deus está à espera do nosso “sim”». [5]

7. Toda e qualquer vocação é dom do Pai, a ser guardado com fidelidade numa dinâmica de conversão permanente. A obediência ao próprio chamamento constrói-se todos os dias através da escuta da Palavra de Deus, da celebração dos sacramentos – em particular do Sacrifício Eucarístico –, da evangelização, da proximidade aos últimos e da fraternidade presbiteral, recorrendo à oração como lugar privilegiado para o encontro com o Senhor. Diariamente, é como se o sacerdote regressasse ao lago da Galileia – onde Jesus perguntou a Pedro «Amas-me?» ( Jo 21, 15) – para renovar o seu “sim”. [6] É neste sentido que se compreende o que a Optatam totius indica a respeito da formação sacerdotal, ao desejar que esta não se limite ao tempo do Seminário (cf. n. 22), abrindo caminho à formação contínua, permanente, de modo a constituir um dinamismo de constante renovação humana, espiritual, intelectual e pastoral.

8. Portanto, todos os presbíteros são chamados a sempre cuidar da sua formação, para manter vivo o dom de Deus recebido com o sacramento da Ordem (cf. 2 Tm 1, 6). A fidelidade ao chamamento não é, pois, imobilismo ou fechamento, mas um caminho de conversão quotidiana que confirma e amadurece a vocação recebida. Nesta perspetiva, é oportuno promover iniciativas como o Encontro para a formação permanente dos sacerdotes, realizado no Vaticano de 6 a 10 de fevereiro de 2024, com mais de oitocentos responsáveis pela formação permanente provenientes de oitenta nações. Mais do que um esforço intelectual ou uma renovação pastoral, a formação permanente continua a ser memória viva e constante atualização da própria vocação num caminho partilhado.

9. Desde o momento do chamamento e dos primeiros tempos da formação, a beleza e a constância do caminho são preservadas pela sequela Christi. Efetivamente, antes mesmo de se dedicar à condução do rebanho, cada pastor deve recordar constantemente que ele próprio é discípulo do Mestre, na companhia dos seus irmãos e irmãs, porque «ao longo de toda a vida somos sempre “discípulos”, com o constante anseio de nos configurarmos a Cristo». [7] Apenas esta relação de obediente seguimento e fiel discipulado pode manter a mente e o coração na direção certa, apesar das perturbações que a vida reserva.

10. Nas últimas décadas, a crise de confiança na Igreja provocada pelos abusos cometidos por membros do clero, que nos enchem de vergonha e apelam à humildade, tornou-nos ainda mais conscientes da urgência de uma formação integral que assegure o crescimento e a maturidade humana dos candidatos ao presbiterado, a par de uma vida espiritual rica e sólida.

11. O tema da formação é também central para enfrentar o fenómeno de quem abandona o ministério, após alguns anos ou mesmo décadas. Na verdade, esta dolorosa realidade não deve ser interpretada apenas numa perspetiva jurídica, mas exige que se olhe com atenção e compaixão para a história destes irmãos e para as múltiplas razões que puderam levá-los a tal decisão. A resposta passa, em primeiro lugar, por um renovado empenho formativo, cujo objetivo é «um caminho de familiaridade com o Senhor que envolve toda a pessoa, coração, inteligência, liberdade, e a configura à imagem do Bom Pastor». [8]

12. Consequentemente, «seja qual for o modo de o conceber, o seminário deveria ser uma escola de afetos […], temos necessidade de aprender a amar, e a fazê-lo como Jesus». Por isso, no que respeita às motivações, convido os seminaristas a desenvolver um trabalho interior que envolva todos os aspetos da vida: «Não há nada em vós que deve ser descartado, mas tudo deverá ser assumido e transfigurado na lógica do grão de trigo, para vos tornardes pessoas e sacerdotes felizes, “pontes”, não obstáculos ao encontro com Cristo para todos aqueles que se aproximam de vós». [9] Apenas os sacerdotes e consagrados humanamente maduros e espiritualmente firmes, ou seja, pessoas em quem a dimensão humana e a espiritual estão bem integradas e que, por isso, são capazes de relações autênticas com todos, podem assumir o compromisso do celibato e anunciar de forma credível o Evangelho do Ressuscitado.

13. Trata-se, pois, de guardar e fazer crescer a vocação num caminho constante de conversão e de fidelidade renovada, que nunca é um caminho meramente individual, mas nos compromete a cuidar uns dos outros. Esta dinâmica é, sempre de novo, obra da graça que envolve a nossa frágil humanidade, curando-a do narcisismo e do egocentrismo. Com fé, esperança e caridade, somos chamados a empreender diariamente o seguimento, depositando toda a nossa confiança no Senhor. A comunhão, a sinodalidade e a missão não podem, com efeito, acontecer se, no coração dos sacerdotes, a tentação da autorreferencialidade não der lugar à lógica da escuta e do serviço. Como sublinhou Bento XVI, «o presbítero é servo de Cristo, no sentido que a sua existência, ontologicamente configurada com Cristo, adquire uma índole essencialmente relacional: ele vive em Cristo, por Cristo e com Cristo ao serviço dos homens. Precisamente porque pertence a Cristo, o presbítero encontra-se radicalmente ao serviço dos homens: é ministro da sua salvação, nesta progressiva assunção da vontade de Cristo, na oração, no “estar coração a coração” com Ele». [10]

Fidelidade e fraternidade

14. O  Concílio Vaticano II situou o serviço específico dos presbíteros no âmbito da igual dignidade e fraternidade de todos os batizados, como bem testemunha o Decreto Presbyterorum Ordinis: «Os sacerdotes do Novo Testamento, em virtude do sacramento da Ordem, exerçam no Povo e para o Povo de Deus o múnus de pais e mestres, contudo, juntamente com os fiéis, são discípulos do Senhor, feitos participantes do seu reino pela graça de Deus que nos chama, regenerados com todos na fonte do Batismo, os presbíteros são irmãos entre os irmãos, membros dum só e mesmo corpo de Cristo cuja edificação a todos pertence». [11] Dentro desta fraternidade fundamental, que tem a sua raiz no Batismo e une todo o Povo de Deus, o Concílio realça o particular vínculo fraterno dos ministros ordenados entre si, fundado no mesmo sacramento da Ordem: «Os presbíteros, elevados ao presbiterado pela ordenação, estão unidos entre si numa íntima fraternidade sacramental. Especialmente na diocese a cujo serviço, sob o Bispo respectivo, estão consagrados, formam um só presbitério. […] Cada membro do colégio presbiterial está unido aos outros por laços especiais de caridade apostólica, de ministério e de fraternidade». [12] Assim sendo, a fraternidade presbiteral, mais do que uma tarefa a realizar, é um dom inerente à graça da Ordenação. É necessário reconhecer que este dom nos precede: não se constrói apenas com boa vontade e em virtude de um esforço coletivo, mas é dom da Graça, que nos torna participantes do ministério do Bispo e se realiza na comunhão com ele e com os irmãos presbíteros.

15. Porém, precisamente por isso, os presbíteros são chamados a corresponder à graça da fraternidade, manifestando e ratificando com a vida o que foi estipulado entre eles não só pela graça batismal, mas também pelo sacramento da Ordem. Ser fiel à comunhão significa, em primeiro lugar, superar a tentação do individualismo, que não condiz com a ação missionária e evangelizadora referente, desde sempre, à Igreja como um todo. Não por acaso, o  Concílio Vaticano II falou dos presbíteros quase sempre no plural: nenhum pastor existe sozinho! O próprio Senhor «constituiu Doze – a quem chamou apóstolos – para que estivessem com ele» ( Mc 3, 14): isto significa que não pode existir um ministério desligado da comunhão com Jesus Cristo e com o seu corpo, que é a Igreja. Tornar cada vez mais visível esta dimensão relacional e comunitária do ministério ordenado, na consciência de que a unidade da Igreja deriva «da unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo», [13] é um dos principais desafios para o futuro, sobretudo num mundo marcado por guerras, divisões e discórdias.

16. A fraternidade presbiteral deve, portanto, ser considerada como um elemento constitutivo da identidade dos ministros, [14] não como um simples ideal ou slogan, mas como um ponto a ser trabalhado com renovado vigor. Nesse sentido, muito já foi feito ao aplicar as indicações da Presbyterorum Ordinis (cf. n. 8), mas resta ainda muito a fazer, começando, por exemplo, pela equiparação económica entre aqueles que servem paróquias pobres e aqueles que exercem o ministério em comunidades abastadas. Além disso, é preciso reconhecer que ainda não está assegurada a necessária assistência social na doença e na velhice em vários países e dioceses. O cuidado mútuo, em particular a atenção para com os irmãos mais sós, isolados, enfermos e idosos, não pode ser considerado menos importante do que o cuidado para com o povo que nos está confiado. Foi esta uma das recomendações fundamentais que fiz aos sacerdotes por ocasião do seu recente Jubileu. «Com efeito, como poderíamos nós, ministros, ser construtores de comunidades vivas, se entre nós não houvesse antes de tudo uma fraternidade efetiva e sincera?». [15]

17. Em muitos lugares – sobretudo no Ocidente –, surgem novos desafios para a vida dos presbíteros, relacionados com a mobilidade atual e a fragmentação do tecido social. Isso faz com que os sacerdotes já não se encontrem inseridos num contexto coeso e crente que sustentava o seu ministério no passado. Consequentemente, eles estão mais expostos às vicissitudes da solidão, que apaga o impulso apostólico e pode causar uma triste reclusão em si mesmo. Também por este motivo, seguindo as indicações dos meus predecessores, [16] desejo que em todas as Igrejas locais possa nascer um renovado empenho em investir e promover formas possíveis de vida comum, a fim de que «os presbíteros encontrem auxílio mútuo na vida espiritual e intelectual, para que mais facilmente possam cooperar no ministério e para se defenderem dos perigos da solidão que possam surgir». [17]

18. Por outro lado, é necessário recordar que a comunhão presbiteral nunca pode ser determinada por um nivelamento de indivíduos, carismas ou talentos que o Senhor derramou na vida de cada um. É importante que nos presbíteros diocesanos, mediante o discernimento do Bispo, se consiga encontrar um ponto de equilíbrio entre a valorização destes dons e a salvaguarda da comunhão. A escola da sinodalidade – nesta perspetiva – pode ajudar todos a amadurecer interiormente o acolhimento dos diversos carismas numa síntese que consolide a comunhão do presbitério, fiel ao Evangelho e aos ensinamentos da Igreja. Num tempo de grandes fragilidades, todos os ministros ordenados são chamados a viver a comunhão, voltando ao essencial e aproximando-se das pessoas, para guardar a esperança que ganha forma no serviço humilde e concreto. Neste horizonte, sobretudo o ministério do diácono permanente, configurado a Cristo Servo, é sinal vivo de um amor que não permanece à superfície, mas se inclina, escuta e se doa. A beleza de uma Igreja feita de presbíteros e diáconos, que colaboram unidos pela mesma paixão ao Evangelho e atentos aos mais pobres, torna-se um testemunho luminoso de comunhão. É desta unidade, enraizada no amor recíproco, que – segundo a palavra de Jesus (cf. Jo 13, 34-35) – o anúncio cristão recebe credibilidade e força. Por isso, o ministério diaconal, especialmente quando vivido em comunhão com a própria família, é um dom a conhecer, valorizar e apoiar. O serviço, discreto mas essencial, de homens dedicados à caridade recorda-nos que a missão não se realiza com grandes gestos, mas unidos pelo amor ao Reino e pela fidelidade quotidiana ao Evangelho.

19. Uma imagem feliz e eloquente da fidelidade à comunhão é, sem dúvida, a que apresenta Santo Inácio de Antioquia na Carta aos Efésios: «Deveis estar de acordo com o pensamento do vosso bispo, como já fazeis. O vosso memorável presbitério, digno de Deus, está em harmonia com o bispo como as cordas de uma cítara. Esta vossa concórdia e harmonia na caridade é como um hino a Jesus Cristo. […] Vale bem a pena viver em unidade irrepreensível, para poder participar sempre da vida de Deus.». [18]

Fidelidade e sinodalidade

20. Introduzo, agora, um ponto que me toca particularmente. Ao falar da identidade dos sacerdotes, o Decreto Presbyterorum Ordinis realça, antes de mais, o vínculo com o sacerdócio e a missão de Jesus Cristo (cf. n. 2) e indica, de seguida, três coordenadas fundamentais: a relação com o bispo, que encontra nos presbíteros «colaboradores e conselheiros necessários», com os quais mantém uma relação fraterna e amigável (cf. n. 7); a comunhão sacramental e a fraternidade com os outros presbíteros, de tal modo que juntos contribuam «para uma mesma obra» e exerçam «um único ministério», trabalhando todos «pela mesma causa», ainda que se ocupem de diferentes tarefas (n. 8); a relação com os fiéis leigos, no meio dos quais com a sua missão específica os presbíteros são irmãos entre irmãos, partilhando a mesma dignidade batismal, unindo «os seus esforços aos dos fiéis leigos» e valendo-se «da sua experiência e competência nos diversos campos da atividade humana, de modo a poderem juntos reconhecer os sinais dos tempos». Longe de se destacarem ou de concentrarem todas as tarefas em si mesmos, «devem descobrir com sentido de fé os carismas, humildes ou excelentes, que sob múltiplas formas são concedidos aos leigos» (n. 9).

21. Sob este aspeto, há ainda muito a fazer. O impulso do processo sinodal é um forte convite do Espírito Santo para dar passos decisivos nesta direção. Reitero, pois, o meu desejo de «convidar os sacerdotes [...] a abrir de alguma forma o seu coração e a participar nestes processos» [19] que estamos a viver. Neste sentido, a segunda sessão da XVI Assembleia Sinodal, no Documento Final, [20] propôs uma conversão das relações e dos processos. É fundamental que, em todas as Igrejas particulares, se tomem iniciativas adequadas para que os presbíteros possam familiarizar-se com as diretrizes deste Documento e experimentar a fecundidade de um estilo sinodal de Igreja.

22. Tudo isto requer um compromisso formativo a todos os níveis, em particular no âmbito da formação inicial e permanente dos sacerdotes. Numa Igreja cada vez mais sinodal e missionária, o ministério sacerdotal não perde em nada a sua importância e atualidade; pelo contrário, poderá concentrar-se ainda mais nas tarefas que lhe são próprias e específicas. O desafio da sinodalidade – que não elimina diferenças, antes as valoriza – continua a ser uma das principais oportunidades para os sacerdotes do futuro. Como recorda o referido Documento Final, «os presbíteros são chamados a viver o seu serviço numa atitude de proximidade às pessoas, de acolhimento e de escuta de todos, abrindo-se a um estilo sinodal» (n. 72). Para implementar cada vez melhor uma eclesiologia de comunhão, é necessário que o ministério do presbítero supere o modelo de uma liderança exclusiva – que determina a concentração da vida pastoral e o peso de todas as responsabilidades confiadas apenas a ele –, tendendo para uma condução cada vez mais colegial, na cooperação entre presbíteros, diáconos e todo o Povo de Deus, naquele enriquecimento recíproco que é fruto da variedade dos carismas suscitados pelo Espírito Santo. Como nos recorda a Evangelii gaudium, o sacerdócio ministerial e a configuração com Cristo Esposo não devem levar-nos a identificar a potestade sacramental com o poder, pois «a configuração do sacerdote com Cristo Cabeça – isto é, como fonte principal da graça – não comporta uma exaltação que o coloque por cima dos demais». [21]

Fidelidade e missão

23. A identidade dos presbíteros constitui-se em torno do seu ser para e é indissociável da sua missão. Na verdade, quem «pretende encontrar a identidade sacerdotal indagando introspectivamente na própria interioridade, talvez não encontre nada mais senão sinais que dizem “saída”: sai de ti mesmo, sai em busca de Deus na adoração, sai e dá ao teu povo aquilo que te foi confiado, e o teu povo terá o cuidado de fazer-te sentir e experimentar quem és, como te chamas, qual é a tua identidade e fazer-te-á rejubilar com aquele cem por um que o Senhor prometeu aos seus servos. Se não sais de ti mesmo, o óleo torna-se rançoso e a unção não pode ser fecunda». [22] Como ensinava São João Paulo II, «os presbíteros são, na Igreja e para a Igreja, uma representação sacramental de Jesus Cristo Cabeça e Pastor, proclamam a sua palavra com autoridade, repetem os seus gestos de perdão e oferta de salvação, nomeadamente com o Batismo, a Penitência e a Eucaristia, exercitam a sua amável solicitude, até ao dom total de si mesmos, pelo rebanho que reúnem na unidade e conduzem ao Pai por meio de Cristo no Espírito». [23] Assim, a vocação sacerdotal desdobra-se entre as alegrias e os esforços de um serviço humilde aos irmãos, que o mundo muitas vezes desconhece, mas do qual sente uma profunda sede: encontrar testemunhas crentes e credíveis do Amor de Deus, fiel e misericordioso, constitui uma via essencial de evangelização.

24. No nosso mundo contemporâneo, caracterizado por ritmos acelerados e pela ansiedade de estar hiperconectados, o que nos torna muitas vezes agitados e nos leva ao ativismo, há pelo menos duas tentações que se insinuam contra a fidelidade a esta missão. A primeira consiste numa mentalidade dirigida para a eficiência, segundo a qual o valor de cada um é medido pelo desempenho, ou seja, pela quantidade de atividades e projetos realizados. Segundo esta forma de pensar, o que fazemos prevalece sobre o que somos, invertendo a verdadeira hierarquia da identidade espiritual. A segunda tentação, em contrapartida, qualifica-se como uma espécie de quietismo: assustados pelo contexto, fechamo-nos em nós mesmos, recusando o desafio da evangelização e assumindo uma atitude preguiçosa e derrotista. Um ministério alegre e apaixonado, ao contrário, apesar de todas as fraquezas humanas, pode e deve assumir com ardor a tarefa de evangelizar todas as dimensões da nossa sociedade, em particular a cultura, a economia e a política, para que tudo seja recapitulado em Cristo (cf. Ef 1, 10). Para vencer estas duas tentações e viver um ministério alegre e fecundo, cada presbítero há de permanecer fiel à missão que recebeu, isto é, ao dom da graça transmitido pelo Bispo durante a Ordenação sacerdotal. Fidelidade à missão significa assumir o paradigma que nos deu  São João Paulo II quando recordou a todos que a caridade pastoral é o princípio que unifica a vida do presbítero. [24] É precisamente mantendo vivo o fogo da caridade pastoral, ou seja, o amor do Bom Pastor, que cada sacerdote pode encontrar equilíbrio na vida quotidiana e saber discernir o que, de acordo com as indicações da Igreja, é benéfico e o que é o proprium do ministério.

25. A harmonia entre contemplação e ação deve ser buscada não através da adoção extenuante de planos de trabalho ou de um simples equilíbrio de atividades, mas assumindo como central no ministério a dimensão pascal. Em todo caso, doar-se sem reservas não pode e não deve comportar a renúncia à oração, ao estudo, à fraternidade sacerdotal, mas, pelo contrário, torna-se o eixo no qual se compreende tudo, na medida em que é orientado para o Senhor Jesus, morto e ressuscitado pela salvação do mundo. Deste modo, cumprem-se também as promessas feitas na Ordenação, as quais, associadas ao desapego dos bens materiais, realizam no coração do presbítero uma perseverante busca e adesão à vontade de Deus, fazendo assim transparecer Cristo em todas as suas ações. Por exemplo, isso acontece quando se foge de todo o individualismo e celebração de si mesmo, apesar da exposição pública a que, por vezes, o cargo pode obrigar. Educado pelo mistério que celebra na santa liturgia, cada sacerdote deve «desaparecer para que Cristo permaneça, fazer-se pequeno para que Ele seja conhecido e glorificado (cf. Jo 3, 30), gastar-se até ao limite para que a ninguém falte a oportunidade de O conhecer e amar». [25] Por isso, a exposição mediática, o uso das redes sociais e de todos os instrumentos hoje à disposição devem ser sempre avaliados com sabedoria, tendo como paradigma de discernimento o serviço à evangelização. «Tudo me é lícito! Sim, mas nem tudo convém» ( 1 Cor 6, 12).

26. Em todas as situações, através do testemunho de uma vida sóbria e casta, os presbíteros são chamados a dar uma resposta eficaz à grande fome de relações autênticas e sinceras que se nota na sociedade contemporânea, testemunhando uma Igreja que seja «fermento eficaz dos laços, das relações e da fraternidade da família humana», «capaz de alimentar as relações: com o Senhor, entre homens e mulheres, nas famílias, nas comunidades, entre todos os Cristãos, entre grupos sociais, entre as religiões». [26] Para tal, é necessário que sacerdotes e leigos – todos juntos – realizem uma verdadeira conversão missionária que oriente as comunidades cristãs, sob a orientação dos seus pastores, «ao serviço da missão que os fiéis realizam na sociedade, na vida familiar e profissional». Como observou o Sínodo, «se tornará mais claro que a paróquia não está centrada em si mesma, mas orientada para a missão e chamada a apoiar o empenho de tantas pessoas que, de modos diversos, vivem e testemunham a fé na profissão e na atividade social, cultural e política». [27]

Fidelidade e futuro

27. Espero que a celebração do aniversário dos dois Decretos conciliares e o caminho que somos chamados a partilhar para os concretizar e atualizar possam traduzir-se em um renovado Pentecostes vocacional dentro da Igreja, suscitando santas, numerosas e perseverantes vocações ao sacerdócio ministerial, para que nunca faltem operários à messe do Senhor. Possa também despertar em todos nós a vontade de nos empenharmos profundamente na promoção vocacional e na oração constante ao Senhor da messe (cf. Mt 9, 37-38).

28. Todavia, para além da oração, a escassez de vocações sacerdotais – especialmente em algumas regiões do mundo – exige que todos reflitam sobre a fecundidade das práticas pastorais da Igreja. É verdade que os motivos desta crise podem, frequentemente, ser variados e múltiplos, dependendo, em particular, do contexto sociocultural; porém, ao mesmo tempo, é necessário que tenhamos a coragem de fazer propostas fortes e libertadoras aos jovens, disponibilizando cada vez mais nas Igrejas particulares «os ambientes e as formas de pastoral juvenil impregnadas de Evangelho, onde as vocações ao dom total de si possam manifestar-se e amadurecer». [28] Certos de que o Senhor nunca deixa de chamar (cf. Jo 11, 28), é preciso ter sempre presente a perspetiva vocacional nos diversos âmbitos pastorais, especialmente no juvenil e familiar. Recordemos que não há futuro sem cuidar de todas as vocações!

29. A concluir, dou graças ao Senhor, que está sempre próximo do seu Povo e caminha ao nosso lado, enchendo os nossos corações de esperança e paz, para as transmitirmos a todos. «Irmãos e irmãs, gostaria que fosse este o nosso primeiro grande desejo: uma Igreja unida, sinal de unidade e comunhão, que se torne fermento para um mundo reconciliado». [29] Agradeço também a todos vós, pastores e fiéis leigos, que abris a mente e o coração à mensagem profética dos Decretos conciliares Presbyterorum Ordinis e Optatam totius e vos dispondes, em conjunto, a tirar deles alimento e estímulo para o caminho da Igreja. Confio os seminaristas, diáconos e presbíteros à intercessão da Virgem Imaculada, Mãe do Bom Conselho, e a São João Maria Vianney, padroeiro dos párocos e modelo para todos os sacerdotes. Como costumava dizer o Santo Cura d’Ars: «O sacerdócio é o amor do coração de Jesus». [30] Um amor tão forte que dissipa as nuvens da rotina, do desânimo e da solidão; um amor total que nos é dado em plenitude na Eucaristia. Amor eucarístico, amor sacerdotal.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 8 de dezembro, Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria, do Ano Jubilar de 2025, primeiro do meu Pontificado.

LEÃO PP. XIV

____________________

[1] CONC. ECUM. VAT. II, Decr. Optatam totius sobre a formação sacerdotal, Proémio.

[2] Cf. SÃO J.H. NEWMAN, An Essay on the Development of Christian Doctrine, Notre Dame 2024. Neste sentido, recordo o apelo de Optatam totius, 16, à renovação e promoção dos estudos eclesiásticos, ainda em curso.

[3] Cf. SÍNODO DOS BISPOS, Para uma Igreja sinodal: comunhão – participação – missão, Documento preparatório (2021), 1; FRANCISCO, Discurso por ocasião da comemoração do 50.º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos (17 de outubro de 2015).

[4] BENTO XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), 1.

[5] BENTO XVI, Homilia na Missa de encerramento do Ano Sacerdotal (11 de junho de 2010).

[6] «Perguntando a Pedro se o amava, não o interrogou por precisar de conhecer o amor do discípulo, mas porque queria demonstrar a grandeza do seu amor» (SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, De Sacerdotio II, 1: SCh 272, Paris 1980, 104, 48-51).

[7] CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis – O dom da vocação presbiterial (8 de dezembro de 2016), n. 57.

[8] LEÃO XIV, Discurso do Santo Padre aos participantes no Encontro internacional “Sacerdotes felizes – «Chamei-vos amigos» (Jo 15, 15)” promovido pelo Dicastério para o Clero por ocasião do Jubileu dos Sacerdotes e dos Seminaristas (26 de junho de 2025) .

[9] LEÃO XIV, Meditação por ocasião do Jubileu dos Seminaristas (24 de junho de 2025).

[10] BENTO XVI, Catequese (24 de junho de 2009).

[11] CONC. ECUM. VAT. II, Decr. Presbyterorum Ordinis sobre o ministério e a vida dos sacerdotes, 9.

[12] Ibid., 8.

[13] SÃO CIPRIANO, De domenica oratione, 23: CCSL 3A, Turnhout 1976, 105.

[14] Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, O dom da vocação sacerdotal. Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis (8 de dezembro de 2016), nn. 87-88.

[15] LEÃO XIV, Discurso do Santo Padre aos participantes no Encontro internacional “Sacerdotes felizes – «Chamei-vos amigos» (Jo 15, 15)” promovido pelo Dicastério para o Clero por ocasião do Jubileu dos Sacerdotes e dos Seminaristas (26 de junho de 2025).

[16] Cf. SÃO JOÃO PAULO II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de março de 1992), 61; BENTO XVI, Carta ap. em forma de «motu proprio» Ministrorum institutio (16 de janeiro de 2013).

[17] COM. ECUM. VAT. II, Decreto Presbyterorum Ordinis (7 de dezembro de 1965), 8.

[18] SANTO INÁCIO DE ANTIOQUIA, Ad Ephesios, 4, 1-2: SCh 10, Paris 1969 4, 72.

[19] LEÃO XIV, Aos participantes do Jubileu das equipas sinodais e dos organismos de participação (24 de outubro de 2025).

[20] SÍNODO DOS BISPOS, Documento final da Segunda Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária «Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão» (26 de outubro de 2024).

[21] FRANCISCO, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 104.

[22] ID., Homilia na Santa Missa do Crisma (17 de abril de 2014).

[23] SÃO JOÃO PAULO II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de março de 1992), 15.

[24] Cf. ibid., 23.

[25] LEÃO XIV, Homilia na Santa Missa pro Ecclesia (9 de maio de 2025).

[26] SÍNODO DOS BISPOS, Documento final da Segunda Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária «Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão» (26 de outubro de 2024), 20; 50.

[27] Ibid., 59; 117.

[28] LEÃO XIV, Discurso do Santo Padre aos participantes no Encontro internacional “Sacerdotes felizes – «Chamei-vos amigos» (Jo 15, 15)” promovido pelo Dicastério para o Clero por ocasião do Jubileu dos Sacerdotes e dos Seminaristas  (26 de junho de 2025).

[29] LEÃO XIV, Homilia para o início do ministério petrino do Bispo de Roma (18 de maio de 2025).

[30] « Le Sacerdoce, c’est l’amour du cœur de Jésus», in BERNARD NODET, Le curé d’Ars. Sa pensée, son cœur, Paris 1995, 98.