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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS PARTICIPANTES DO GREEN AND BLUE FESTIVAL,
NO DIA DO AMBIENTE "EARTH FOR ALL"

Segunda-feira, 5 de junho de 2023

[Multimídia]

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Queridos irmãos e irmãs!

Passaram mais de 50 anos desde a inauguração da primeira grande Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo, a 5 de junho de 1972. Ela deu início a várias assembleias que convocaram a comunidade internacional para se confrontar sobre o modo como a humanidade administra a nossa casa comum. Por isso, 5 de junho tornou-se o Dia Mundial do Meio Ambiente. Não esqueço que, quando fui a Estrasburgo, o então Presidente Hollande convidou a Ministra do Meio Ambiente, Ségolène Royal, para me receber, e ela disse-me que ouvira dizer que eu estava a escrever algo sobre o meio ambiente. Eu respondi-lhe que sim, que estava a pensar, com um grupo de cientistas e também com um grupo de teólogos. E ela disse-me o seguinte: “Por favor, publique-o antes da Conferência de Paris”. E assim foi feito. E o de Paris foi realmente um bom encontro, não devido a este meu documento, mas porque era de alto nível. Depois de Paris, infelizmente... E isso preocupa-me!

Muitas coisas mudaram neste meio século; basta pensar no advento das novas tecnologias, no impacto de fenómenos transversais e globais como a pandemia, na transformação de uma «sociedade cada vez mais globalizada [que] nos torna próximos, mas não irmãos».1  Assistimos a uma «crescente sensibilidade em relação ao meio ambiente e ao cuidado da natureza», amadurecendo «uma sincera e dolorosa preocupação pelo que acontece com o nosso planeta» (Enc. Laudato si’ , 19). Os especialistas realçam com clareza que as escolhas e ações realizadas nesta década terão impactos durante milhares de anos.2  Ampliou-se o nosso conhecimento sobre o impacto das nossas ações na nossa casa comum e em quantos a habitam e a habitarão. Isto aumentou também o nosso sentido de responsabilidade perante Deus, que nos confiou o cuidado da criação, perante o próximo e perante as gerações vindouras.

«Enquanto a humanidade do período pós-industrial talvez seja recordada como uma das mais irresponsáveis da história, espera-se que a humanidade do início do século XXI possa ser recordada por ter assumido generosamente as suas graves responsabilidades» (ibid ., 165).

O fenómeno das mudanças climáticas recorda-nos insistentemente as nossas responsabilidades: ele atinge em particular os mais pobres e os mais frágeis, que menos contribuíram para a sua evolução. É primeiro uma questão de justiça e, depois, de solidariedade. As mudanças climáticas levam-nos também a basear a nossa ação numa cooperação responsável de todos: hoje o nosso mundo é demasiado interdependente e não se pode permitir de ser subdividido em blocos de países que promovem os próprios interesses de forma isolada ou insustentável. «As feridas causadas à humanidade pela pandemia de Covid-19 e pelo fenómeno das mudanças climáticas são comparáveis às resultantes de um conflito global»,3  onde o verdadeiro inimigo é o comportamento irresponsável, que tem repercussões em todas as componentes da nossa humanidade, hoje e amanhã. Há alguns anos, vieram visitar-me os pescadores de San Benedetto del Tronto que, num ano, conseguiram tirar do mar doze toneladas de plástico!

Tal como «na sequência da segunda guerra mundial, hoje é necessário que toda a comunidade internacional dê prioridade à realização de ações colegiais, solidárias e clarividentes»,4  reconhecendo «a grandeza, a urgência e a beleza do desafio que temos à nossa frente» (Laudato si’, 15). Um desafio grande, urgente e belo, que exige uma dinâmica coesa e proativa.

Trata-se de um desafio “grande” e exigente, pois requer uma mudança de rota, uma alteração decisiva em relação ao atual modelo de consumo e de produção, demasiadas vezes mergulhado na cultura da indiferença e do descarte, descarte do meio ambiente e descarte das pessoas. Hoje, os grupos da MacDonald’s, empresa de restaurantes, vieram dizer-me que aboliram o plástico e que tudo é feito com papel reciclável, tudo... No Vaticano, o plástico é proibido. E conseguimos chegar a 93%, disseram-me, sem plástico. São passos, passos reais que devemos continuar a dar. Passos reais!

Além disso, como indicado por muitos no mundo científico, a mudança deste modelo é “urgente” e já não pode ser adiada. Um grande cientista disse recentemente — alguns de vós estavam certamente presentes: “Ontem nasceu uma neta minha; não gostaria que a minha netinha, daqui a trinta anos, vivesse num mundo inabitável”. Temos que fazer algo. É urgente, não pode ser adiado. Temos que consolidar «o diálogo sobre o modo como construímos o futuro do planeta» (ibid ., 14),  conscientes de que viver «a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional, nem um aspeto secundário [da nossa experiência de vida], mas parte essencial de uma existência virtuosa» (ibid ., 217).

Trata-se, portanto, de um desafio “belo”, estimulante e realizável: passar de uma cultura do descarte para estilos de vida marcados pela cultura do respeito e do cuidado, cuidado da criação e cuidado do próximo, vizinho ou distante no espaço e no tempo. Estamos diante de um percurso educativo para uma transformação da nossa sociedade, uma conversão tanto individual como comunitária (cf. ibid ., 219).

Não faltam oportunidades e iniciativas que visam enfrentar seriamente este desafio. Saúdo aqui os representantes de algumas Cidades de vários Continentes, que me fazem pensar como este desafio deve ser enfrentado, de modo subsidiário, a todos os níveis: das pequenas escolhas quotidianas às políticas locais, passando pelas internacionais. Mais uma vez, é importante recordar a importância da cooperação responsável a todos os níveis. Precisamos da contribuição de todos. E isto custa! Recordo que os pescadores de San Benedetto del Tronto me disseram: “Para nós, a escolha foi um pouco difícil no início, pois trazer plástico em vez de peixe não nos fazia ganhar”. Mas havia algo: o amor pela criação era maior. Eis,  o plástico e o peixe... E assim continuaram. Mas custa!

É necessário acelerar esta mudança de rota a favor de uma cultura do cuidado  — como se cuida das crianças — que coloque no centro a dignidade humana e o bem comum. E que seja alimentada por «aquela aliança entre ser humano e meio ambiente,  que deve ser espelho do amor criador de Deus, de quem vimos e para quem estamos a caminho».5

«Não privemos as novas gerações da esperança num futuro melhor».6  Obrigado por tudo o que fazeis!

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1 Bento XVI, Carta Encíclica Caritas in veritate  (29 de junho de 2009), 19.

2 Cf. IPCC, Climate Change 2023 Synthesis Report, Summary for Policymakers , c .1, p. 24.

3 Mensagem ao Presidente da COP 26 , 29 de outubro de 2021.

4 Ibidem.

5 Bento XVI, Caritas in veritate, 50.

6 Mensagem vídeo ao Climate Ambition Summit , 12 de dezembro de 2020.



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