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DICASTÉRIO PARA A DOUTRINA DA FÉ

UNA CARO

Elogio à monogamia

Nota doutrinal sobre o valor do matrimônio
como união exclusiva e pertença recíproca

 


Índice

Apresentação

I. Introdução

II. A monogamia na Bíblia

A monogamia no capítulo 2 do Génesis
O simbolismo nupcial profético
A literatura sapiencial
O simbolismo nupcial do Novo Testamento

III.Ecos da Escritura na história

Algumas reflexões de teólogos cristãos
Primeiros desenvolvimentos sobre a unidade e a comunhão matrimonial nos Padres da Igreja
Alguns autores medievais e modernos
O desenvolvimento da visão teologal nos tempos recentes
Intervenções magisteriais

Primeiras intervenções
Leão XIII
Pio XI
Os tempos do Concílio
São João Paulo II
Bento XVI
Francisco
Leão XIV

IV. Algumas reflexões da filosofia e das culturas

No pensamento cristão clássico
Comunhão de duas pessoas
Uma pessoa inteiramente referida a outra
Face a face
O pensamento de Karol Wojtyła
Mais além
Outros olhares

V. A palavra poética

VI.Algumas reflexões a aprofundar

Pertencimento recíproco

A transformação
A não pertenç
Ajuda mútua

Caridade conjugal

Uma forma especial de amizade
Em corpo e alma
A fecundidade multiforme do amor
Uma amizade aberta a todos

VII. Conclusão

 

 

Apresentação

Este é um texto para a Igreja universal, que pode, no entanto, ser levado em consideração em qualquer lugar diante dos desafios culturais locais. O documento, de fato, leva a sério o atual contexto global de desenvolvimento do poder tecnológico, no qual o ser humano é tentado a pensar a si mesmo como uma criatura sem limites, que pode obter tudo o que imagina. Dessa forma, o valor de um amor exclusivo, reservado a uma única pessoa, é facilmente obscurecido, o que por si só implica uma renúncia livre a muitas outras possibilidades.

Na verdade, a intenção desta Nota é fundamentalmente propositiva: extrair das Sagradas Escrituras, da história do pensamento cristão, da filosofia e até mesmo da poesia, razões e motivações que levem a escolher uma união de amor única e exclusiva, uma pertença recíproca rica e totalizante.

Trata-se de um esforço que permitirá enriquecer a reflexão e o ensino sobre o matrimônio com um aspecto até o momento não muito desenvolvido. Ao mesmo tempo, poderá constituir para os movimentos e grupos matrimoniais um material variado e útil para o estudo e o diálogo. Isso justifica a extensão da Nota e o número de autores e textos citados: para alguns, essa escolha pode parecer um excesso de informação, mas acreditamos que de cada um dos autores e textos citados se pode extrair alguma nuance ou algum destaque diferente que estimule uma reflexão serena e um aprofundamento prolongado.

Levaremos em consideração os mais importantes pronunciamentos do Magistério e uma série de autores desde a antiguidade até tempos recentes: teólogos, filósofos, poetas. Encontramos uma grande riqueza de reflexões que valorizam a união dos cônjuges, a reciprocidade, o significado totalizante da relação matrimonial. Desta forma, os diferentes textos irão compor um belo mosaico que certamente enriquecerá nossa compreensão da monogamia.

Caso se deseje apenas uma breve síntese reflexiva para motivar a escolha de uma união exclusiva entre uma só mulher e um só homem, bastará ler o último capítulo e a conclusão da presente Nota, centrados na pertença recíproca dos cônjuges e na caridade conjugal. De qualquer forma, permitimo-nos sugerir a leitura paciente da Nota na sua integridade, a fim de compreender plenamente toda a amplitude dos aspectos que entram em jogo nesta rica matéria.

Víctor Manuel Card. Fernández
Prefeito


I. Introdução

1. [Una caro] “Uma só carne” é o modo com o qual a Bíblia exprime a unidade matrimonial. Ao contrário, na linguagem comum “nós dois” é uma expressão que aparece quando há um forte sentimento de reciprocidade em um matrimônio, ou melhor, a percepção da beleza de um amor exclusivo, de uma aliança entre dois que compartilham a vida em sua totalidade, com todas as suas lutas e esperanças. “Nós dois” é o que uma pessoa diz quando se refere aos desejos, sofrimentos, ideias e sonhos compartilhados: em uma palavra, quando se refere às histórias que apenas os cônjuges viveram. Esta é uma manifestação verbal de algo mais profundo: uma convicção e uma decisão de pertencerem um ao outro, de serem “uma só carne”, de percorrerem juntos o caminho da vida. Como disse Papa Francisco: «Também os esposos deveriam formar uma primeira pessoa do plural, um “nós”. Estar um diante do outro como um “eu” e um “tu”, e estar perante o resto do mundo, incluindo os filhos, como um “nós”»[1]. Isso acontece porque, apesar de serem duas pessoas diferentes, duas individualidades que conservam cada uma sua identidade própria e intransferível, elas forjaram com seu livre consentimento uma união que as coloca juntas diante do mundo. É uma união que se abre generosamente aos outros, mas sempre a partir daquela realidade única e exclusiva do “nós” conjugal.

2. São João Paulo II, falando da monogamia, afirmou que «merece ser cada vez mais aprofundada»[2]. Esta sua indicação sobre a necessidade de uma abordagem mais ampla deste tema é uma das motivações que levaram o Dicastério para a Doutrina da Fé a preparar a presente Nota doutrinal. Além disso, na origem deste texto estão, por um lado, os vários diálogos com os Bispos da África e de outros continentes sobre a questão da poligamia, no contexto de suas visitas ad limina[3], e, por outro lado, a constatação de que diversas formas públicas de união não monogâmica – às vezes chamadas de “poliamor” – estão crescendo no Ocidente, além das mais reservadas ou secretas que foram comuns ao longo da história.

3. Mas essas razões estão subordinadas à primeira, porque a monogamia, sebem entendida, não resulta simplesmente como o oposto da poligamia. É muito mais do que isso, e seu aprofundamento permite conceber o matrimônio em toda a sua riqueza e fecundidade. A questão está intimamente ligada ao fim unitivo da sexualidade, que não se reduz a garantir a procriação, mas ajuda no enriquecimento e no fortalecimento da união única e exclusiva e do sentimento de pertença recíproca.

4. Como estabelece o próprio Código de Direito Canônico: «as propriedades essenciais do matrimônio são a unidade e a indissolubilidade»[4]. Em outro lugar, o mesmo afirma que o matrimônio é «um vínculo que, por sua natureza, é perpétuo e exclusivo»[5]. É importante destacar a existência de uma abundante bibliografia sobre a indissolubilidade da união conjugal na literatura católica: este tema teve muito mais espaço no Magistério, particularmente no recente ensinamento de muitos bispos diante da legalização do divórcio em vários Países. Sobre a unidade do matrimônio – aqui entendido como união única e exclusiva entre um único homem e uma única mulher – encontra-se, ao contrário, um desenvolvimento de reflexão menos amplo em relação ao tema da indissolubilidade, tanto no Magistério como nos manuais dedicados ao assunto.

5. Por esse motivo, no presente texto, optou-se por se concentrar na propriedade da unidade e em seu reflexo existencial: a comunhão íntima e totalizante entre os cônjuges. Portanto, para não esperar desta Nota algo que ela não pretende desenvolver, é necessário insistir no fato de que, nas páginas a seguir, ela não tratará da indissolubilidade conjugal – uma união que dura no tempo até que a morte separe os cônjuges cristãos – nem do fim da procriação: ambos os temas são amplamente tratados na teologia e no Magistério. A Nota se concentrará apenas na primeira propriedade essencial do matrimônio, a unidade, que pode ser definida como a união única e exclusiva entre uma só mulher e um só homem ou, em outras palavras, como a pertença recíproca dos dois, que não pode ser compartilhada com outros.

6. Esta propriedade é tão essencial e primária que o matrimônio é frequentemente definido simplesmente como “união”. Assim, a Summa Theologiae de Santo Tomás de Aquino afirma que «o matrimônio é a união (coniunctio) conjugal do homem com a mulher, contraída por pessoas legítimas, que implica uma comunhão indivisível e indissolúvel de vida»[6], e que «é evidente que no matrimônio existe uma união pela qual um se diz marido e a outra esposa; e essa união é o matrimônio»[7]. Uma definição semelhante já se encontrava em Justiniano, que reunia opiniões pré-existentes: «é a união (coniunctio) do homem e da mulher que contém uma comunhão de vida inseparável»[8]. Mais próximo de nós, Dietrich von Hildebrand afirma que o matrimônio «é a união mais profunda e íntima entre pessoas humanas»[9].

7. Já nessas definições clássicas, vemos que a unidade dos dois cônjuges, como dado objetivo fundamental e propriedade essencial de todo matrimônio, é chamada a uma expressão e desenvolvimento constantes como “comunhão de vida”, ou seja, como amizade conjugal, ajuda recíproca, partilha total que, com a ajuda da graça, representa cada vez mais outra união que a transcende e a engloba: a união entre Cristo e sua amada esposa, a Igreja, o Povo de Deus pelo qual Ele deu o seu sangue (cf. Ef 5, 25-32).

8. São João Paulo II liga intimamente estes dois aspectos. De fato, se «em virtude do pacto de amor conjugal, o homem e a mulher “já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19, 6; cf. Gn 2, 24)», ao mesmo tempo «são chamados a crescer continuamente nesta comunhão [...para] que progridam continuamente numa união cada vez mais rica a todos os níveis»[10].

9. Nesta Nota, portanto, serão aprofundadas tanto a unidade como propriedade essencial, realidade objetiva e constitutiva do matrimônio, característica primeira e fundadora de todas as suas manifestações, como as diferentes expressões dessa mesma unidade que enriquecem e fortalecem a aliança conjugal, tornando assim possível, ao mesmo tempo, a percepção dessa unidade não como um reflexo monolítico da unidade divina, mas como expressão do único Deus que é comunhão nas relações trinitárias.

10. Espera-se, finalmente, que esta Nota sobre o valor da monogamia, destinada antes de tudo aos Bispos, referindo-se a um tema tão importante e, ao mesmo tempo, muito belo, possa ser de ajuda aos casais já casados, aos noivos e aos jovens que pensam em uma futura união, a fim de compreender ainda mais a riqueza da proposta cristã sobre o matrimônio. É verdade que, para muitos, tal mensagem pode parecer estranha ou contrária à corrente dominante, mas podemos aplicar a ela as seguintes palavras de Santo Agostinho: «Dê-me um coração que ama e ele compreenderá o que digo»[11]. Ademais, uma verdadeira e própria paixão pela beleza do amor, encontrou expressão na dedicação de tantas pessoas – homens e mulheres – que acompanharam muitos casais no caminho do matrimônio e que desenvolveram uma espiritualidade conjugal. Por todos estes exemplos luminosos, não podemos deixar de expressar um necessário agradecimento.

II. A monogamia na Bíblia

11. «Já não são dois, mas uma só carne» (Mc 10, 8). Esta declaração de Jesus sobre o matrimônio traduz a beleza do amor, um «cimento que dá solidez a esta comunidade de vida e o entusiasmo que a arrasta para uma plenitude cada vez mais perfeita»[12]. Institucionalizado “no princípio”, já no momento da Criação, o matrimônio aparece como uma aliança conjugal desejada por Deus, como «um sacramento do Criador do universo, inscrito precisamente no próprio ser humano, que está orientado para este caminho, no qual o homem abandona os pais e se une à sua mulher para formar uma só carne, para que, desta forma, se tornem uma única existência»[13]. Embora «é sabido que a história do Antigo Testamento é teatro da sistemática defecção perante a monogamia»[14], visto, por exemplo, os acontecimentos dos Patriarcas, onde se lê, de acordo com o costume do tempo, sobre personagens com várias esposas (cf. 2Sm 3, 2-5; 11, 2-27; 15,1 6; 1Re 11, 3), ao mesmo tempo muitos passos do Antigo Testamento celebram o amor monogâmico e a união exclusiva: «Setenta são as rainhas e oitenta, as concubinas e não têm número as adolescentes; mas uma só é a minha pomba, minha perfeita» (Ct 6, 8-9a). Isso é atestado também pelos exemplos de Isaac (cf. Gn 25, 19-28), José (cf. Gn 41, 50), Rute (cf. Rt 2-4), Ezequiel (cf. Ez 24, 15-18) e Tobias (cf. Tb 8, 5-8). No entanto, se do ponto de vista factual e normativo a monogamia não tem bases sólidas no Antigo Testamento, seus fundamentos teológicos se desenvolvem em profundidade, e este é o caminho fecundo que será percorrido nas seguintes reflexões[15].

A monogamia no capítulo 2 do Gênesis

12. Na raiz do modelo monogâmico, o capítulo 2 do livro do Gênesis apresenta-se como um verdadeiro e próprio manifesto antropológico colocado no início das Escrituras. Ele descreve o projeto que o Criador propõe como ideal para a liberdade da criatura humana. A exclamação divina: «Não é bom que o homem esteja só. Vou providenciar um auxílio (‘ēzer) que lhe corresponda» (Gn 2, 18), destaca claramente a necessidade em que se encontra o homem recém-saído das mãos de Deus, ou seja, um estado de solidão-isolamento. Apesar da presença de outros seres vivos, o homem quer uma ajuda que lhe corresponda (cf. Gn 2, 20), um aliado vivo, único e pessoal, que ele possa olhar nos olhos, como sugere a palavra k ͤneḡdô, geralmente traduzida como “semelhante” ou “correspondente”, para destacar a necessidade de um encontro dialógico de olhares e rostos. De fato, a «expressão original hebraica faz-nos pensar numa relação direta, quase “frontal” – olhos nos olhos –, num diálogo também sem palavras, porque, no amor, os silêncios costumam ser mais eloquentes do que as palavras: é o encontro com um rosto, um “tu” que reflete o amor divino e constitui – como diz um sábio bíblico – “o primeiro dos bens, uma ajuda condizente e uma coluna de apoio” (Sir 36, 24)»[16]. O homem procura, desse modo, um rosto insubstituível diante de si, um “tu”, com o qual tecer uma verdadeira relação de amor feita de doação e reciprocidade.

13. Em seu comentário a este trecho do Gênesis, Bento XVI afirma: «a primeira novidade da fé bíblica consiste na imagem de Deus; a segunda, essencialmente ligada a ela, encontramo-la na imagem do homem. A narração bíblica da Criação fala da solidão do primeiro homem, Adão, querendo Deus pôr a seu lado um auxílio. Dentre todas as criaturas, nenhuma pôde ser para o homem aquela ajuda de que necessita, apesar de ter dado um nome a todos os animais selvagens e a todas as aves, integrando-os assim no contexto da sua vida. Então, de uma costela do homem, Deus plasma a mulher. Agora Adão encontra a ajuda de que necessita: “Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2, 23). Na narração bíblica, não se fala de punição; porém, a ideia de que o homem de algum modo esteja incompleto, constitutivamente a caminho a fim de encontrar no outro a parte que falta para a sua totalidade, isto é, a ideia de que, só na comunhão com o outro sexo, possa tornar-se “completo”, está sem dúvida presente»[17].

14. A conclusão da narrativa bíblica: «o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá (dāḇaq) à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne» (Gn 2, 24), expressa bem essa necessidade de uma união íntima, um apego físico e interior tal que o Salmista o adota para descrever a união mística com Deus: «A ti se apega (dabaq) minha alma» (Sl 63, 8; cf. 1Cor 6, 16-17). Como afirma o Papa Francisco: «No original hebraico, o verbo “unir-se” indica uma estreita sintonia, uma adesão física e interior, a ponto de se utilizar para descrever a união com Deus, como canta o orante: “A minha alma está unida(dāḇaq) a Ti” (Sl 63, 8). Deste modo, evoca-se a união matrimonial não apenas na sua dimensão sexual e corpórea, mas também na sua doação voluntária de amor. O fruto desta união é “tornar-se uma só carne”, quer no abraço físico, quer na união dos corações e das vidas e, porventura, no filho que nascerá dos dois e, em si mesmo, há-de levar as duas “carnes”, unindo-as genética e espiritualmente»[18]. Com a fórmula “uma carne”, a doação recíproca e total do casal torna-se uma relação exclusiva e integral. Portanto, com o sugestivo termo ’iššāh aplicado à mulher (cf. Gn 2, 23), o autor sagrado quis lembrar que essas duas pessoas constituem um casal, iguais em sua dignidade radical, mas diferentes em sua identidade individual. A plenitude da união entre os seres humanos está nessa igualdade feita de reciprocidade necessária, dialógica e complementar. Em definitiva, segundo o projeto original do Criador, ao qual o próprio Jesus se refere usando a expressão “no princípio” no comentário sobre a indissolubilidade nupcial (cf. Mt 19, 4), o homem e a mulher são chamados no matrimônio a uma relação única, pessoal, plena e duradoura, a uma aliança exclusiva de vida e amor, prioritária em relação ao próprio vínculo social de sangue (cf. Gn 2, 24). Nesta chave de leitura, a aplicação da metáfora nupcial à relação de Deus com Israel, que emerge com toda a sua força nos textos proféticos, abre um horizonte ainda mais rico para a compreensão da vida dos cônjuges na linha de uma pertença mútua.

O simbolismo nupcial profético

15. Nos Profetas, as categorias do amor conjugal imprimem traços particulares à compreensão da aliança entre Deus e seu povo, não mais modulada segundo o cânone dos pactos entre o rei e os príncipes vassalos.

16. Aqui surge, de forma emblemática, a história pessoal do profeta Oséias (século VIII a.C.), que é assumida como paradigma teológico para reler a história de amor entre o Senhor e Israel (cf. Os 2, 4-25). Apesar da traição de Gômer, ele não consegue extinguir seu amor pela esposa e, na verdade, alimenta a esperança de que ela, abandonada e decepcionada por seus amantes, “retorne” para casa a fim de recompor plenamente a relação amorosa, sendo aquela mulher a única de sua vida, perdoando-lhe as traições (cf. Os 2, 16-17).

17. Essa transposição nupcial simbólica da fidelidade divina continuará na tradição profética, com diferentes ênfases: Ezequiel conta como Deus se preocupa com seu povo, como um homem que estende seu manto sobre uma mulher (cf. Ez 16, 8). Por um lado, esse gesto indica o pacto conjugal no qual se oferece proteção à esposa; por outro, visa proteger a mulher do olhar dos outros, evocando assim a exclusividade do vínculo.

18. O profeta Malaquias condena a ruptura dos laços matrimoniais entre os membros de Israel e o novo casamento com mulheres pagãs: «Se alguém, com ódio, repudia sua esposa, diz o Senhor, Deus de Israel, cobre com violência suas vestes, diz o Senhor dos exércitos» (Ml 2, 16). Esta passagem teve também outra interpretação chamada “cultual” ou “tipológica”, como se se referisse a uma única perversão (a idolatria), estabelecendo um paralelismo implícito entre profanar a aliança com Deus e enganar o cônjuge (o adultério).

19. Em última análise, o amor conjugal permite realmente descrever uma dialética de aliança entre Israel e o Senhor, entre a humanidade e Deus. A ideia de Deus como único esposo de Israel está também ligada à de Israel como única esposa. A unicidade do amado transparece também no tema da eleição que faz de Israel o único povo escolhido (cf. Am 3, 2). Com efeito, a aliança assume uma dimensão adicional, na medida em que designa o vínculo entre Deus e seu povo, baseado em um vínculo monogâmico tão real que a adoração de outro deus constitui um adultério.

20. São João Paulo II oferece, a esse respeito, uma bela síntese: «Em muitos textos, a monogamia aparece como a única e justa analogia do monoteísmo entendido nas categorias da Aliança, ou seja, da fidelidade e da confiança no único e verdadeiro Deus-Javé: Esposo de Israel. O adultério é a antítese dessa relação conjugal, é a antinomia do casamento (também como instituição), na medida em que o matrimônio monogâmico realiza em si mesmo a aliança interpessoal entre o homem e a mulher, realiza a aliança nascida do amor e acolhida pelas duas partes precisamente como matrimônio (e, como tal, reconhecida pela sociedade). Este tipo de aliança entre duas pessoas constitui o fundamento daquela união pela qual “o homem... se unirá à sua mulher e os dois serão uma só carne” (Gn 2, 24)»[19].

A literatura sapiencial

21. Na mesma linha, encontra-se toda a literatura sapiencial que elogia a união monogâmica como a verdadeira expressão do amor entre um homem e uma mulher. A passagem do Cântico dos Cânticos: «O meu amado é todo meu e eu sou dele» (Ct 2, 16), representa aqui um verdadeiro ápice. Nesta joia poética, a mulher do Cântico expressa seu amor, usando o símbolo do selo que, no antigo Oriente Próximo, designava uma pessoa, a identificava e era usado em uma pulseira ou em uma corrente no peito: «Guarda-me como o sinete sobre o teu coração, como o sinete, sobre o teu braço! Porque o amor é forte como a morte» (8, 6). Sendo assim, a amada declara ser quase a “carteira de identidade” de seu homem: um não existe sem o outro e vice-versa. Inteligência, vontade, afeto, ação, personalidade inteira de um se comunica ao outro de forma recíproca e exclusiva, em plena simbiose. Contra essa unidade vital, a morte se ergue em vão.

22. Além disso, a afirmação repetida duas vezes no Cântico dos Cânticos: «O meu amado é todo meu e eu sou dele […]. Eu sou para o meu amado e meu amado é para mim» (Ct 2, 16; 6, 3), expressa essa unidade de doação total, de reciprocidade e de pertença mútua, como uma reedição da declaração de amor dirigida pelo homem à sua mulher em Gn 2, 23: «osso dos meus ossos e carne da minha carne».

23. A tradição judaica e a cristã (especialmente na mística) concordam em interpretar o Cântico dos Cânticos como uma alegoria da aliança entre Deus e Israel, da relação entre Deus e a alma. Em sentido simbólico, pode-se afirmar que o livro do Cântico dos Cânticos exalta o amor entre um homem e uma mulher, enfatizando justamente a unicidade de uma relação exclusiva. Na história de amor, os dois enamorados se procuram e desejam, com uma reciprocidade na qual não há espaço para um tertium. Pois bem este dado antropológico fundamental remete à profissão de fé de Israel: «Escuta, Israel! O Senhor é nosso Deus, o Senhor é um» (Dt 6, 4). Trata-se de uma das proclamações a respeito de Deus mais solenes do Antigo Testamento e é uma proclamação que usa a linguagem da unicidade ao professar a verdade da fé. Em outras palavras, o Cântico afirma que, no coração pulsante de uma das mais profundas experiências antropológicas, que é a relação amorosa, existe uma unicidade análoga àquela que a fé proclama a respeito de Deus. Portanto, a monogamia está profundamente ligada à unicidade e à exclusividade do Deus de Israel e anda de mãos dadas com o monoteísmo.

24. A esse respeito, Bento XVI afirma: «Deus serviu-se do caminho do amor para revelar o profundo mistério da sua vida trinitária. Além disso, a íntima relação existente entre a imagem de Deus-Amor e o amor humano permite-nos compreender que “à imagem do Deus monoteísta corresponde o matrimônio monogâmico. O matrimônio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano”. Em grande parte, esta indicação ainda deve ser explorada»[20].

25. A dupla fórmula: «O meu amado é todo meu e eu sou dele [...] Eu sou para o meu amado e meu amado é para mim» (Ct 2, 16; 6, 3), remete, portanto, à fórmula teológica da aliança entre Deus e o Israel bíblico: “O Senhor é o seu Deus e você é o seu povo” (cf. Dt 7, 6), e permite acessar a categoria teológica da aliança como compromisso recíproco de fidelidade. A categoria bíblica da aliança permite, finalmente, delinear a santidade do matrimônio entre marido e mulher em sua expressão de verdadeira comunidade de vida e amor através de uma doação mútua e exclusiva. Tudo isso se tornará plenamente evidente nos textos do Novo Testamento[21].

A simbologia nupcial do Novo Testamento

26. No Evangelho, Jesus remete explicitamente “ao princípio”, ou seja, às origens do primeiro casal humano (cf. Gn 1, 27; 2, 24), para reafirmar que o amor monogâmico, fiel e indissolúvel exalta a relação de casal, concebida pelo Criador numa dimensão de totalidade e exclusividade (cf. Mt 19, 3-9).

27. Nas narrativas evangélicas de Marcos e Mateus, Jesus se expressou de forma inequívoca sobre a monogamia, referindo-se às origens, à vontade do Criador. O debate com os fariseus sobre a possibilidade do divórcio oferece-lhe a oportunidade de um pronunciamento com autoridade. Ele reafirma o princípio da monogamia que está na base do projeto de Deus para a família: «desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne, de modo que já não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem não separe» (Mc 10, 6-9; cf. Mt 19, 4-6). Como base para sua afirmação, Jesus une dois elementos exegéticos importantes: «fez o homem e a mulher» (Gn 1, 27) e «por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e [os dois] se tornarão uma só carne» (Gn 2, 24). Por conseguinte, o primeiro homem e a primeira mulher são unidos pelo próprio Deus, em uma só carne, no casal. Em outras palavras, Jesus restitui a validade do projeto original de Deus, indo além da norma dada por Moisés e invocando uma mais antiga, ao mesmo tempo em que enfatiza uma presença divina na própria raiz dessa relação: «O que Deus uniu, o homem não separe» (Mt 19, 6).

28. Além disso, o Novo Testamento, na esteira da teologia profética, introduz repetidamente a simbologia nupcial nas temáticas cristológicas e eclesiológicas (cf. Ap 19, 7-9): Cristo é chamado pelo Batista de “esposo” por excelência (cf. Jo 3, 29), enquanto a esposa do Cordeiro é a nova Jerusalém (cf. Ap 21, 1ss), mãe fecunda, salva do ataque do dragão (cf. Ap 12, 3-6).

29. São Paulo desenvolve de forma sistemática o tema do amor nupcial pleno e perfeito entre Cristo e a Igreja na Carta aos Efésios (cf. Ef 5, 21-33), retomando, entre outras coisas, a passagem do Gênesis sobre o casal ser “uma só carne” (cf. Gn 2, 24). O amor monogâmico indissolúvel entre os dois cônjuges – sempre na linha do tema desenvolvido pelos profetas para definir a aliança entre o Senhor e Israel – revela-se como o símbolo para descrever o vínculo entre Cristo e a Igreja. O matrimônio cristão, em sua autenticidade e plenitude, é, consequentemente, sinal da nova aliança cristã.

30. Merece atenção também a fórmula do “grande mistério”, tradução do original grego mysterion. Esta foi traduzida por São Jerônimo, na Vulgata, com o termo sacramentum, o que permitiu à tradição eclesial assumir a fórmula paulina como proclamação explícita da sacramentalidade do matrimônio. A passagem em sua integralidade exalta de modo intenso a função teológica desempenhada pelo amor nupcial exclusivo. Os dois cônjuges que se unem em modo indissolúvel são um sinal que remete ao abraço com o qual Cristo envolve a Igreja. Os cônjuges cristãos, portanto, testemunham no mundo não apenas um vínculo humano, eros e ágape, mas são também a “imagem” viva de um vínculo sagrado e transcendente, ou seja, aquele que une Cristo à comunidade dos cristãos. Já no Gênesis, o casal que ama e gera era definido como “imagem” do Deus criador: «Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou» (Gn 1, 27).

31. O Apóstolo, evocando sobretudo a passagem do Gênesis em que os dois, o homem e a mulher, “formam uma só carne” (cf. Gn 2, 24), define a intimidade de amor entre marido e mulher como um emblema luminoso da comunhão de vida e caridade que existe entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5, 32). Através desta página da Carta aos Efésios, tão cheia de humanidade, mas também tão densa em sua qualidade teológica, Paulo não se limita a propor um modelo de comportamento matrimonial cristão, mas indica na união perfeita e única entre Cristo e a Igreja a fonte originária do matrimônio monogâmico. Este não é apenas uma imagem dessa união, mas a reproduz e encarna através do amor dos cônjuges. É um sinal eficaz e expressivo da graça e do amor que sustenta a união entre Cristo e a Igreja.

32. Por último, encontramos uma bela exortação na Carta aos Hebreus. Após o apelo à caridade (cf. Hb 13, 1-3), o Autor trata brevemente do matrimônio, recomendando a estima por esse vínculo e o respeito pela fidelidade conjugal: «O matrimônio seja honrado por todos, e o leito conjugal, sem mancha»[22] (Hb 13, 4). O Autor exorta a honrar a instituição matrimonial, sublinhando o valor das relações conjugais fiéis. E acrescenta uma advertência solene: Deus julgará os fornicadores e os adúlteros, ou seja, aqueles que não respeitam a santidade e a unicidade do matrimônio. A exortação à estima do matrimônio e do leito conjugal era historicamente motivada pelo fato de que várias tendências ascéticas denegriam essa instituição e a viam como um compromisso com a matéria, retomando, à sua maneira, o que foi expresso em Col 2, 20-23. A exortação, porém, não é dirigida contra as relações sexuais, mas contra aqueles que negavam a fidelidade dos cônjuges e a unicidade do matrimônio.

 

III. Ecos da Escritura na história

33. Ao longo da história da Igreja, a Palavra revelada nas Sagradas Escrituras produziu vários ecos que tentaremos repassar, ao menos em parte.

Algumas reflexões de teólogos cristãos

34. É útil acolher a riqueza do pensamento cristão ao longo dos séculos, partindo dos Padres da Igreja, com sua importância particular, até teólogos de diferentes escolas e orientações.

Primeiros desenvolvimentos sobre a unidade e a comunhão matrimonial nos Padres da Igreja

35. São João Crisóstomo reconhece à unidade matrimonial um valor particular. Diversamente de outros Padres, ele sustenta que «um tempo o matrimônio tinha dois motivos, agora tem apenas um». Ele explica, de fato, que São Paulo (cf. 1Cor 7, 2.5.9) «ordena que se unam, não para que se tornem pais de muitos filhos», mas porque isso leva os cônjuges à «abolição da libertinagem e do desejo desenfreado»[23]. Em última análise, o santo Doutor considera que a unidade do matrimônio, com a escolha de uma única pessoa com quem se unir, leva as pessoas a libertarem-se de uma prática sexual desregrada, sem amor nem fidelidade, orientando adequadamente a sexualidade.

36. Santo Agostinho, embora enfatize, em primeiro lugar, a importância da procriação, destaca antes de tudo o bem da unidade que se expressa na fidelidade: «Pela fidelidade, cuide-se de não haver comércio carnal com outra ou com outro fora do vínculo conjugal»[24]. Agostinho também soube expressar a beleza da unidade conjugal como um bem em si mesmo, descrita dinamicamente como um caminhar juntos, “lado a lado”: «A primeira sociedade foi constituída por um homem e uma mulher. Deus não os criou separadamente, unindo-os depois como dois estranhos. Do homem tirou a mulher, manifestando assim a força da união no lado, do qual foi extraída e formada a mulher (Gn 2, 21). Pelos lados se unem dois que caminham juntos, e se dirigem ao mesmo ponto»[25].

37. Já antes de Agostinho, é bem conhecido o louvor de Tertuliano ao matrimônio entendido como unidade na carne e no espírito de dois que caminham “em uma única esperança”: «Onde irei buscar forças para descrever, de modo satisfatório, a felicidade do Matrimônio que a Igreja une [...]. Que jugo o de dois cristãos, unidos por uma só esperança, um único desejo, uma única disciplina, um mesmo serviço! Ambos filhos do mesmo Pai, servos do mesmo Senhor; nada os separa, nem no espírito nem na carne; pelo contrário, eles são verdadeiramente dois numa só carne. Ora, onde a carne é só uma, também um só é o espírito»[26].

38. Este fato de serem “uma só carne” é interpretado pelos Padres de maneira intensamente realista, a tal ponto que, diante das contradições nos fatos da realidade da unidade conjugal, eles não temem fazer afirmações como as seguintes: «divide sua carne, divide seu corpo»[27]; «como a maldade de cortar sua carne»[28]; «Deus não quis que o corpo fosse dividido e separado»[29].

39. De qualquer forma, é preciso lembrar que a Igreja latina enfatiza particularmente os aspectos jurídicos do matrimônio, que levaram à bela convicção de que os próprios cônjuges são ministros do Sacramento[30]. Com o seu consentimento, eles dão origem à união matrimonial única e exclusiva, dado objetivo que precede qualquer experiência ou sentimento, mesmo espiritual. Os Padres e as Igrejas orientais enfatizam mais os aspectos teológicos, místicos e eclesiais de uma união que, graças à bênção da Igreja, se enriquece ao longo do tempo sob o impulso da graça, enquanto a comunhão entre os cônjuges é cada vez mais integrada na comunhão eclesial. É por isso que no Oriente o rito do matrimônio, com todos os seus sinais, a oração e os gestos do sacerdote, foi mais valorizado. Já São João Crisóstomo fala da coroação dos noivos (stephánōma) realizada pelo sacerdote e explica o seu significado mistagógico: «Por esta razão, são colocadas coroas sobre as suas cabeças, como símbolo de vitória, pois, tendo permanecido invictos, chegam ao leito matrimonial»[31].

40. Por sua vez, no Oriente prevalece uma visão mais positiva do aspecto relacional, que se expressa também na união sexual no matrimônio, sem reduzir sua finalidade apenas à procriação. Isso é testemunhado, por exemplo, quando São Clemente de Alexandria se distancia fortemente daqueles que consideram o casamento um pecado, ainda quando o toleram com o fim de garantir a perpetuação da espécie. Em vez disso, ele reafirma: «Se o matrimônio é pecado segundo a Lei, não sei como alguém pode dizer que conhece Deus quando afirma que o mandamento de Deus é pecado! Não, se a “Lei é santa”, o matrimônio é santo»[32]. Para São João Crisóstomo, além disso, o matrimônio «não deve ser considerado uma compra e venda, mas uma comunhão de vida»[33], e ressalta que a continência exagerada no casamento poderia colocar em risco a unidade matrimonial.

41. A unidade e a comunhão conjugal como reflexo da união entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5, 28-30) é um tema particularmente desenvolvido pelos Padres orientais, e São Gregório Nazianzeno tira dele consequências espirituais concretas: «É belo para a mulher respeitar Cristo através do marido, e é belo para o homem não desprezar a Igreja através da esposa [...]. Mas que também o marido cuide da esposa: e, de fato, Cristo cuida da Igreja»[34].

Alguns autores medievais e modernos

42. No pensamento de São Boaventura sobre o matrimônio, substancialmente homogêneo ao de Santo Tomás, sobre o qual falaremos mais adiante, podemos identificar uma reflexão, no quadro de uma visão teologal, que inclui a necessidade da consumação para que o matrimônio possa significar plenamente a união entre nós e Cristo: «Uma vez que o consentimento, como consentimento sobre uma ação futura, não é propriamente consentimento, mas promessa dele; e porque o consentimento, na verdade, antes da união carnal não produz uma união plena, uma vez que ainda não são uma só carne, segue-se que, através das palavras sobre o futuro, se diz que o casamento teve início, é ratificado com palavras referidas ao presente, mas consumado na união carnal, porque então são uma só carne e tornam-se um só corpo; e com isso se significa plenamente aquela união que existe entre nós e Cristo. Então, de fato, o corpo de um é plenamente dado ao corpo do outro»[35].

43. É útil lembrar também o pensamento teológico-pastoral de Santo Afonso Maria de Ligório, que apresenta a união e a doação mútua dos cônjuges de forma integral (incluindo as relações sexuais), apresentando-as como fins intrínsecos essenciais, enquanto considera a procriação como um fim intrínseco, mas acidental. Portanto, ele sustenta que «podem-se considerar três fins no casamento: fins intrínsecos essenciais, intrínsecos acidentais e fins acidentais extrínsecos. Os fins intrínsecos essenciais são dois: a doação recíproca com a obrigação de satisfazer a dívida [ou seja, as relações sexuais] e o vínculo indissolúvel. Os fins intrínsecos e acidentais são igualmente dois: a geração da prole e o remédio para a concupiscência»[36].

44. Santo Afonso também se refere a fins extrínsecos, como o prazer, a beleza e muitos outros, que são lícitos[37]. Desta forma, o santo Doutor da Igreja tenta enriquecer a visão sobre o matrimônio para poder desenvolver uma abordagem pastoral que ajude os cônjuges a viver a sua união de uma forma mais rica e estimulante. É permitido desejar o matrimônio também com base na atração particular por algum destes fins extrínsecos, porque, desde que não se excluam os fins principais, isso «não é uma desordem»[38].

45. Mais próximo de nossos tempos, o teólogo e filósofo personalista Dietrich von Hildebrand retoma a ênfase na centralidade do amor no matrimônio dada pelo ensinamento do Papa Pio XI, a fim de aprofundar a compreensão das propriedades e dos significados do próprio matrimônio[39]. Em relação ao tema em questão, ele distingue duas formas de união que se complementam e enriquecem a abordagem inicial deste documento: a primeira forma de união é expressa pelo pronome “nós”, a segunda pelo par “eu-tu”. No “eu-tu”, os dois se encontram face a face, se entregam um ao outro, de tal forma que «a outra pessoa age inteiramente como um sujeito, nunca como um mero objeto»[40]. Isso também implica a passagem da consideração do outro como um “ele” para uma que chega a reconhecê-lo como um “tu”. Em vez disso, quando a união é considerada como um “nós”, o outro está comigo, está ao meu lado, caminhando juntos motivados pelas coisas comuns que nos unem[41]. A união conjugal vive de ambas as experiências.

46. Na união matrimonial, von Hildebrand evidencia duas atitudes indispensáveis. A primeira é a “discretio”, ou seja, um espaço de intimidade pessoal que preserva a identidade e a liberdade de cada um, mas que pode ser compartilhado com uma decisão totalmente livre e, nesse caso, leva a um aprofundamento do vínculo. A segunda atitude é a “reverência” pelo outro, que manifesta, em particular na união sexual, o fato de que se ama uma pessoa, sagrada e inviolável, não um objeto qualquer. O dinamismo interno do vínculo matrimonial – o “nós”, segundo as categorias de von Hildebrand – leva os cônjuges a manifestar cada vez mais sua íntima comunhão pessoal.

47. Esta visão é também partilhada por Alice von Hildebrand, nascida Jourdain, esposa de Dietrich. Em particular, ela sustenta que a plena realização da humanidade só pode ser alcançada na união entre homem e mulher, a “invenção divina”: «não só Ele [Deus] fez o homem composto de alma e corpo – uma realidade espiritual e uma material –, mas, além disso, para coroar essa complexidade, “homem e mulher os criou”. Claramente, a plenitude da natureza humana encontra-se na união perfeita entre homem e mulher»[42]. Portanto, o amor conjugal entre homem e mulher é considerado pela filósofa e teóloga belga como o ápice da vocação humana, a expressão suprema da imagem divina como chamado à doação de si mesmo no amor, onde a ternura do afeto entre os dois desempenha um papel fundamental, desejado pelo próprio Criador: «O coração é o centro da pessoa»[43], adverte von Hildebrand, diante de certas tentações de antepor o ativismo à receptividade do amor, entendido justamente no sentido afetivo. Ela, pois, acrescenta que «onde a ternura reina, a concupiscência se afasta»[44].

48. O caráter de doação total do amor conjugal também pode ser visto naquilo que ela conota como uma verdadeira dimensão “sacrificial” do amor – com uma referência evidente ao amor “até o fim” de Cristo – que consiste em colocar o bem do outro à frente do próprio, naquilo que se pode chamar de uma “morte” para si mesmo, que em algumas ocasiões pode levar a renunciar até mesmo às alegrias da vida familiar por amor a um bem maior: «O que muitos “amantes” esquecem, seja entre amigos ou entre marido e mulher, é que o sacrifício é a seiva dos grandes amores. Que o sacrifício seja a vitamina sagrada do amor também se aplica ao matrimônio, que oferece aos cônjuges inúmeras ocasiões para morrer para si mesmos»[45]. Em outras palavras, isso significa que o amor conjugal mostra sua fecundidade, simultaneamente humana e espiritual, quando permanece aberto às exigências mais elevadas da caridade[46].

O desenvolvimento da visão teologal em tempos recentes

49. Hans Urs von Balthasar atribui uma importância particular ao consentimento matrimonial que cria aquela nova unidade que transcende os dois indivíduos: «O convir de duas pessoas tão despojadas de si mesmas só é possível num terceiro elemento, aquele que [...] é o fator objetivo que se compõe das suas duas liberdades: o seu voto, a sua promessa solene, na qual cada um dá o seu consentimento definitivo à liberdade do outro e ao seu mistério e se entrega a esse mistério. É uma realidade que deve ser chamada de objetiva apenas porque é mais do que a justaposição de suas duas subjetividades [...] sua vontade tornada uma (de pertencer um ao outro), que se coloca acima deles e entre eles, porque nenhum dos dois pode reivindicar para si a unidade que surgiu»[47].

50. Este pacto, em que cada um transcende a si mesmo e se rende diante da nova realidade que se cria, não é de forma alguma uma negação de si enquanto indivíduos livres; é, ao contrário, uma plenitude de liberdade que se realiza na entrega total a outra pessoa: «o evento de se doarem na posse recíproca, que se realiza somente sob a abóbada estendida sobre eles pelo Espírito de amor que os guia e inspira, é tudo menos uma alienação de si mesmo por parte do indivíduo. Este não alcança a si mesmo senão em virtude do apelo da outra liberdade, que lhe dá a capacidade de resolver, de decidir a sua própria, e esta resolução torna-se madura, “maior de idade”, precisamente quando ele não continua a recuperar-se com hesitação, mas concentra-se, recolhe-se, para se doar de uma vez por todas»[48].

51. Este autor contempla de uma maneira particular e teologicamente profunda como essa unidade matrimonial reflete a união entre Cristo e sua Igreja: «A unidade de medida do amor matrimonial torna-se o amor entre Cristo e sua Igreja [...]. A unidade original consiste nisto: a Igreja nasce de Cristo como Eva de Adão: brotou do lado traspassado do Senhor adormecido na cruz, à sombra da morte e do inferno. Por isso, ela é o seu corpo, como Eva era carne da carne de Adão. Nesse sono mortal da Paixão, ele “formou para si a Igreja, como esposa maravilhosa, sem ruga e sem mancha” (Ef 5, 24-27). Ele mesmo se deixa, como homem, cair no sono da morte, para poder, como Deus, retirar misteriosamente do morto aquela fecundidade a partir da qual criará sua esposa, a Igreja. Assim, ela é ele mesmo, e, no entanto, não é ele mesmo: é seu corpo e sua esposa. “Quem ama sua esposa, ama a si próprio. Ninguém jamais odiou sua própria carne; protege-a e cuida dela. Assim também faz Cristo com sua Igreja, pois somos membros do seu corpo” (Ef 5, 28-30)»[49].

52. Tal visão cristológica e pneumatológica tem consequências concretas na experiência matrimonial: «Se voltarmos a olhar para a dedicação mútua dos cônjuges, isso mostra claramente, mais uma vez, que a lei comum do seu amor (em sentido cristológico) brota tanto da sua atitude própria de se entregarem voluntariamente, e, portanto, não é uma lei imposta de fora, como realmente se eleva, superando ambos, como uma terceira entidade fecunda, criativa (em sentido pneumatológico) e os inspira aos atos da sua dedicação»[50].

53. Também Karl Rahner pensa a unidade matrimonial como expressão do amor entre Cristo e a Igreja, mas não como se Cristo e a Igreja fossem iguais um de fronte do outro, dado que o amor com o qual Cristo ama a Igreja tem sua origem na «vontade misericordiosa de Deus de se comunicar»[51]. Desta vontade, como causa, brota o primeiro efeito que é a unidade Cristo-Igreja. No final, o amor, tal como se expressa na vida dos cônjuges, chega à sua origem em Deus mesmo[52] . É útil deter-nos em dois textos de Rahner suficientemente eloquentes. O primeiro: «No amor realmente pessoal, há algo de incondicional que remete para além e acima da causalidade do encontro dos amantes: quando amam realmente, eles crescem continuamente para além de si mesmos, chegam a um fluxo que não tem mais seu ponto de chegada no finito e no determinável. O que repousa numa distância infinita, que é tacitamente evocado num tal amor, pode-se, no fim das contas, chamar-se com um único nome: Deus»[53]. E o segundo texto: «O matrimônio e o vínculo entre Deus e a humanidade em Cristo não só podem ser comparados entre si por nós, mas estão objetivamente em uma relação recíproca tal que o matrimônio representa objetivamente esse amor que Deus tem em Cristo pela Igreja, a relação e o comportamento de Cristo com a Igreja prefiguram a relação e o comportamento que vigem no matrimônio, e nisso encontram sua realização, de modo que compreendem em si o casamento como um momento de si»[54].

54. A visão cristológico-trinitária sobre a unidade matrimonial também foi fortemente e poeticamente enfatizada por vários autores ortodoxos contemporâneos. Apresentamos três exemplos:

55. Partindo de sua visão mística, o teólogo ortodoxo Alexander Schmemann afirma: «Em um matrimônio cristão, de fato, são três as pessoas casadas; e a lealdade unida dos dois para com o terceiro, que é Deus, mantém os dois em uma unidade ativa entre si e com Deus. No entanto, é justamente a presença de Deus que marca o fim do matrimônio como algo puramente “natural”. É a cruz de Cristo que põe fim à autossuficiência da natureza. Mas “com a cruz, a alegria entrou no mundo inteiro”. A sua presença é, em virtude disso, a verdadeira alegria do matrimônio»[55].

56. Outro belo testemunho encontra-se nas seguintes palavras do filósofo e teólogo russo Pavel Evdokimov: «a unidade consubstancial do matrimônio forma a unidade de duas pessoas que se colocam em Deus [...]. Assim, a estrutura trinitária inicial é: homem-mulher no Espírito Santo. A atualização efetiva de sua unidade no matrimônio (onde o marido, segundo Paulo, é imagem de Cristo e a esposa é imagem da Igreja) torna-se semelhança conjugal da unidade Cristo-Espírito»[56].

57. Por fim, vale a pena citar uma passagem esclarecedora do teólogo John Meyendorff: «Um cristão é chamado – já neste mundo – a experimentar uma vida nova, a tornar-se cidadão do Reino, e pode fazê-lo no matrimônio […]. É uma união singular de dois seres apaixonados, dois seres que podem transcender a sua própria humanidade e estar assim unidos não só “um com o outro”, mas também “em Cristo”»[57].

58. Os autores orientais de nosso tempo também insistem no aspecto relacional à luz da Trindade. O teólogo grego Ioannis Zizioulas afirma que «a pessoa é alteridade na comunhão e comunhão na alteridade. A Pessoa é uma identidade que emerge através da relação (schesis, na terminologia dos Padres gregos); é um “eu” que só pode existir enquanto se relaciona com um “tu” que afirma a sua existência e a sua alteridade. [...] [O “eu”] não pode simplesmente ser sem o outro. É isso que distingue a pessoa do indivíduo»[58]. No contexto dessa particular avaliação oriental da relação, que é, em última análise, um reflexo da comunhão trinitária, outro teólogo e filósofo grego, Christos Yannaras, mostra como a vida conjugal deve ser compreendida no quadro mais amplo das relações na comunidade eclesial, o que permite entender a sexualidade como uma relação pessoal transfigurada pela graça trinitária: «A relação e o conhecimento entre os cônjuges tornam-se eventos eclesiais, realizam-se não só por meio da natureza, mas também por meio da Igreja [...] no âmbito das relações que mantêm unida a Igreja como imagem do modelo trinitário»[59]. E imediatamente explica que «isso não significa “espiritualização” do matrimônio e desvalorização da relação natural, mas transformação dinâmica do impulso natural em evento de comunhão pessoal, segundo o modo em que a Igreja realiza a comunhão, ou seja, como graça-dom gratuito da alteridade e da liberdade pessoais»[60].

Intervenções magisteriais

Primeiras intervenções

59. Até Leão XIII, as intervenções relacionadas à monogamia foram poucas e essenciais. É importante mencionar uma breve, mas importante intervenção de Inocêncio III no ano de 1201, na qual ele se refere aos pagãos que «dividem o afeto conjugal com mais mulheres ao mesmo tempo» e, com referência ao Gênesis, afirma que isso é «contrário à fé cristã, dado que a princípio uma só costela foi transformada em uma só mulher»[61]. Em seguida, ele se refere à Escritura (cf. Ef 5, 31; Gn 2, 24; Mt 19, 5) para enfatizar que se diz que «serão dois em uma só carne» (duo in carne una) e que o homem se unirá “à esposa”, não “às esposas”. Por fim, interpreta a proibição do adultério (cf. Mt 19, 9; Mc 10, 11) como referindo-se ao matrimônio monogâmico[62].

60. O Segundo Concílio de Lyon reafirma que «tem como certo que não é permitido ao homem ter contemporaneamente várias mulheres, nem à mulher ter vários maridos»[63]. O Concílio de Trento deduz o sentido da monogamia do fato de Cristo Senhor ter ensinado mais abertamente que por este vínculo somente dois se podem associar e unir, quando, citando as palavras acima como proferidas por Deus, disse: “Assim já não são dois, mas uma só carne”[64]. No século XVIII, Bento XIV, levando em consideração a situação dos casamentos clandestinos, reafirma que «nenhum dos dois pode, enquanto o outro estiver vivo, contrair outras núpcias»[65].

Leão XIII

61. A respeito do tema da monogamia, o ensinamento de Leão XIII retorna a argumentação central sobre o fato de que os cônjuges constituem “uma só carne”: «Isso vemos declarado e solenemente ratificado pelo Evangelho com a autoridade divina de Jesus Cristo, que proclamou aos judeus e aos apóstolos que o casamento, por sua própria instituição, deve ser apenas entre dois, ou seja, entre um homem e uma mulher; que dos dois se forma como que uma só carne»[66].

62. Em sua reflexão, a defesa da monogamia constitui igualmente uma defesa da dignidade das mulheres, que não pode ser negada ou desonrada nem mesmo pelo desejo de procriação. A unidade do matrimônio implica, portanto, uma escolha livre da mulher, que tem o direito de exigir uma reciprocidade exclusiva: «Nada era mais miserável do que a esposa, rebaixada a tal vilania que era considerada quase apenas como um instrumento destinado a satisfazer a luxúria ou a procriar filhos. Nem se envergonhava pelo fato de que aquelas que deviam ser colocadas como esposas fossem compradas e vendidas como coisas corporais, sendo às vezes dada ao pai ou ao marido a faculdade de condenar a esposa ao extremo suplício»[67].

63. O casamento monogâmico é a expressão de uma busca mútua e exclusiva do bem do outro: «É necessário, isto é, que eles tenham sempre o coração tão disposto a compreender que devem um ao outro um amor muito grande, uma fé constante, uma ajuda solícita e contínua»[68]. Esta realidade de ser “uma só carne” adquire com Cristo uma nova e preciosa motivação e atinge a sua plenitude no Sacramento do matrimônio: «Acrescente-se que o matrimônio é Sacramento precisamente por isso: porque é um sinal sagrado, que produz a graça e torna imagem das núpcias místicas de Cristo com a Igreja. A forma e a figura destas são expressas pelo mesmo vínculo de união perfeita com o qual o homem e a mulher se unem entre si, e que não é outra coisa senão o próprio matrimônio»[69].

Pio XI

64. O Papa Pio XI oferece um maior desenvolvimento da doutrina sobre a unidade matrimonial na Encíclica Casti connubii. Ele sublinha o valor da «mútua fidelidade dos cônjuges no cumprimento do contrato matrimonial; de sorte que o que, em vista deste contrato sancionado segundo a lei divina, compete apenas ao cônjuge, nem lhe seja negado, nem permitido a uma terceira pessoa». E conclui: «Esta fidelidade, portanto, exige em primeiro lugar a absoluta unidade do matrimônio, que o próprio Criador adotou no matrimônio dos nossos primeiros pais, querendo que não fosse senão entre um só homem e uma só mulher»[70].

65. O Pontífice enriquece, assim, o ensinamento sobre a unidade do matrimônio, propondo uma reflexão inédita sobre o amor conjugal, «que pervade todos os deveres da vida conjugal e que no matrimônio cristão ocupa como que o primado de nobreza»[71]. E o que há de mais nobre em um matrimônio é o amor conjugal, sobretudo quando alcança, por graça, o nível sobrenatural da caridade. Como consequência, a união matrimonial torna-se um caminho de crescimento espiritual: «não compreende somente o auxílio mútuo, mas deve estender-se também, ou melhor, ter em vista sobretudo que os cônjuges se auxiliem entre si para uma formação e perfeição interior cada vez mais plena, de modo que na recíproca união de vida progridam cada vez mais na virtude, principalmente na caridade para com Deus e com o próximo [...]. Esta mútua formação interior dos cônjuges, com a assídua aplicação em se aperfeiçoarem reciprocamente, pode ser chamada, com toda a verdade [...] causa primária e razão de ser do matrimônio»[72]. Esta “ampliação” do sentido do matrimônio, que supera o sentido estrito, predominante até então, de instituição ordenada à procriação e à educação correta dos filhos, abriu caminho para um aprofundamento do sentido unitivo do matrimônio e da sexualidade.

66. Pode-se também lembrar como, em sua época, o Papa Pio XI se sentiu compelido a destacar as tendências contrárias à monogamia que hoje se tornaram muito mais comuns: «Por isso, corrompem a fidelidade em primeiro lugar aqueles que estimam que devem ser indulgentes com as ideias e os costumes do nosso tempo, em torno da falsa e prejudicial amizade com terceiros, e sustentam que, nessas relações estranhas, devem permitir aos cônjuges uma certa maior liberdade de pensar e agir, tanto mais que (como dizem) muitos têm uma constituição sexual congênita, que não podem satisfazer dentro dos estreitos limites do casamento monogâmico. Assim sendo, essa disposição de espírito, pela qual os cônjuges honestos condenam e rejeitam qualquer afeto e ato libidinoso com terceiros, eles consideram uma fraqueza antiquada da mente e do coração ou uma inveja abjeta e vil; por esta razão dizem que as leis penais do Estado sobre a obrigação da fidelidade conjugal são nulas ou devem ser anuladas»[73].

Os tempos do Concílio Vaticano II

67. Seguindo o caminho aberto pela Casti connubii, o Concílio Vaticano II apresenta o matrimônio antes de tudo como uma obra de Deus que consiste em uma comunhão de amor e de vida que os dois cônjuges compartilham, comunhão que não é orientada apenas para a procriação, mas também para o bem integral de ambos. O matrimônio é definido como «íntima comunidade da vida e do amor conjugal»[74]. No matrimônio, o homem e a mulher, que pela aliança conjugal «“já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19, 6), prestam-se recíproca ajuda e serviço com a íntima união das suas pessoas e atividades, tomam consciência da própria unidade e cada vez mais a realizam. Esta união íntima, já que é o dom recíproco de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união»[75].

68. O próprio Cristo «vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimônio. E permanece com eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e se entregou por ela, de igual modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem com perpétua fidelidade. O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino, e dirigido e enriquecido pela força redentora de Cristo e pela ação salvadora da Igreja»[76]. Desta forma, é possível viver o amor conjugal: «pois vai de pessoa a pessoa com um afeto voluntário […] compreende o bem de toda a pessoa e, por conseguinte, pode conferir especial dignidade às manifestações do corpo e do espírito, enobrecendo-as como elementos e sinais peculiares do amor conjugal. E o Senhor dignou-se sanar, aperfeiçoar e elevar este amor com um dom especial de graça e caridade. Unindo o humano e o divino, esse amor leva os esposos ao livre e recíproco dom de si mesmos, que se manifesta com a ternura do afeto e, com as obras, e penetra toda a sua vida»[77]. Os atos sexuais no matrimônio, «realizados de modo autenticamente humano, exprimem e alimentam a mútua entrega pela qual se enriquecem um ao outro na alegria e gratidão»[78].

69. O Concílio refere-se explicitamente à unidade matrimonial para expressar que ela, «confirmada pelo Senhor, manifesta-se também claramente na igual dignidade da mulher e do homem que se deve reconhecer no mútuo e pleno amor»[79]. A defesa da unidade matrimonial no Concílio baseia-se, assim, em dois pontos firmes: por um lado, o Concílio reafirma que a união matrimonial é totalizante, «permeia toda a vida dos cônjuges»[80] e, consequentemente, só é possível entre duas pessoas; por outro lado, sublinha que tal amor corresponde à igual dignidade de cada um dos cônjuges, os quais, no caso de uma união “plural”, se encontrariam na situação de ter de partilhar com outros o que deve ser íntimo e exclusivo, tornando-se assim como objetos, numa relação que degrada a sua dignidade pessoal[81].

70. São Paulo VI, ao terminar o Concílio e retomar suas reflexões sobre o casamento, expressa uma profunda preocupação com as questões do matrimônio e da família. Embora na Humanae vitae ele deseje enfatizar o significado procriador do matrimônio e dos atos sexuais quer, ao mesmo tempo, mostrar que esse significado é inseparável do outro: o caráter unitivo. De fato, ele afirma que «pela sua estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo tempo que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a geração de novas vidas»[82]. Nesse contexto, ele reafirma o valor da reciprocidade e da exclusividade que remete à comunhão de amor e ao aperfeiçoamento mútuo[83]. Existe uma «conexão inseparável» entre os dois significados dos atos sexuais: «Salvaguardando estes dois aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato conjugal conserva integralmente o sentido de amor mútuo e verdadeiro e a sua ordenação para a altíssima vocação do homem para a paternidade»[84]. Logo, se dizemos que o significado unitivo é inseparável da procriação, devemos dizer ao mesmo tempo que a busca da procriação é inseparável do significado unitivo, como esclareceu posteriormente São João Paulo II: «A doação física total seria falsa se não fosse sinal e fruto da doação pessoal total»[85].

São João Paulo II

71. São João Paulo II usa a referência de Cristo “no princípio” para introduzir, na reflexão sobre a relação conjugal, a hermenêutica do dom[86]. Na Criação se revela a autodoação de Deus e a própria Criação constitui a doação fundamental e originária. O ser humano é a única criatura que pode receber o mundo criado como dom e, ao mesmo tempo, como imagem de Deus, fazer da própria vida um dom. É nessa lógica que o significado esponsal do corpo humano, em sua masculinidade e feminilidade, revela que o ser humano foi criado para se doar ao outro e que somente nessa doação de si mesmo realiza o verdadeiro significado de seu ser e de sua existência[87].

72. Nesse horizonte, em sua exposição da concepção cristã da monogamia, São João Paulo II defende a origem semítica e não ocidental de seus fundamentos mais profundos, afirmando que «aparece como a expressão da relação interpessoal em que cada uma das partes é reconhecida pela outra, com o mesmo valor e na totalidade da sua pessoa. Esta concepção monógama e personalista do casal humano é uma revelação absolutamente original, que traz o selo de Deus, e que merece ser cada vez mais aprofundada»[88].

73. Todavia, o santo Pontífice deve reconhecer que toda «a tradição da Antiga Aliança indica que a consciência das gerações que se foram seguindo no povo eleito, ao “ethos” delas, não se juntou nunca a exigência efetiva da monogamia [...] não se entende, porém o adultério como aparece do ponto de vista da monogamia estabelecida pelo Criador»[89]. Por essa razão, ele se esforça para ler o Antigo Testamento não do ponto de vista normativo, mas do ponto de vista teológico, e o faz a partir de dois pilares. O primeiro é a vontade de Cristo de retornar ao princípio[90], à origem da Criação, quando o casal original era monogâmico, no sentido de “dois em uma só carne”: «Deus fez o homem à Sua semelhança, ao criar varão e mulher. Eis o que surpreende logo de início. A humanidade, para assemelhar-se a Deus, deve ser um casal de duas pessoas em movimento uma para a outra»[91]. O outro ponto de referência é a reflexão dos profetas sobre o amor exclusivo entre Deus e seu povo, pelo qual «denunciam muitas vezes o abandono do verdadeiro Deus-Javé por parte do povo, comparando-o ao “adultério” [...]. O adultério é pecado porque constitui a ruptura da aliança pessoal do homem e da mulher [...]. Em muitos textos a monogamia mostra-se a única e justa analogia do monoteísmo entendido segundo as categorias da Aliança, isto é, da fidelidade e entrega ao único e verdadeiro Deus-Javé: Esposo de Israel. O adultério é a antítese daquela relação esponsal, é a antinomia do matrimônio»[92].

74. Seguindo esta linha de pensamento, São João Paulo II sustenta que esta união não expressa a vontade original de Deus sobre a monogamia se a outra pessoa, mesmo que a união seja exclusiva, se torna apenas um objeto usado para satisfazer os próprios desejos: «A união ou “comunhão” pessoal, a que o homem e a mulher são reciprocamente chamados “desde o princípio”, não corresponde, pelo contrário, está em contraste, a possível circunstância de uma das duas pessoas existir só como sujeito de satisfação da necessidade sexual, e a outra se tornar exclusivamente objeto de tal satisfação. Além disso, não corresponde a tal unidade de «comunhão» – pelo contrário, opõe-se-lhe – o caso de ambos, homem e mulher existirem reciprocamente como objeto de satisfação da necessidade sexual, e cada um por sua parte ser só sujeito daquela satisfação. Tal “redução” de tão rico conteúdo na recíproca e perene atração das pessoas humanas [...] apaga o significado pessoal e “de comunhão”, precisamente do homem e da mulher»[93].

75. O dom do «Espírito Santo infuso na celebração sacramental oferece aos esposos cristãos o dom de uma comunidade nova, de amor, que é a imagem viva e real daquela unidade singularíssima, que torna a Igreja o indivisível Corpo Místico do Senhor [...] impulso estimulante a que progridam continuamente numa união cada vez mais rica a todos os níveis – dos corpos, dos caracteres, dos corações, das inteligências e das vontades, das almas»[94].

Bento XVI

76. Bento XVI retoma este ensinamento quando recorda, também ele remetendo para o relato da Criação, que «o eros está de certo modo enraizado na própria natureza do homem; Adão anda à procura e “deixa o pai e a mãe” para encontrar a mulher; só no seu conjunto é que representam a totalidade humana, tornam-se “uma só carne”. Não menos importante é o segundo aspecto: numa orientação baseada na criação, o eros impele o homem ao matrimônio, a uma ligação caracterizada pela unicidade e para sempre; deste modo, e somente assim, é que se realiza a sua finalidade íntima»[95].

77. Bento XVI também ensinou que o casamento não faz senão recolher e levar a cabo aquela força disruptiva que é o amor, o qual, na sua dinâmica de exclusividade e definitividade, não quer mortificar a liberdade humana, mas, pelo contrário, abre a vida a nada menos que um horizonte de eternidade: «Faz parte da evolução do amor para níveis mais altos, para as suas íntimas purificações, que ele procure agora o carácter definitivo, e isto num duplo sentido: no sentido da exclusividade – “apenas esta única pessoa” – e no sentido de ser “para sempre”»[96].

Francisco

78. O Papa Francisco nos presenteou com uma reflexão original e enraizada na experiência concreta sobre diversos aspectos da união exclusiva dos cônjuges no quarto capítulo da Exortação Apostólica Amoris laetitia, onde pode ser encontrada uma descrição detalhada do amor conjugal em suas diversas manifestações, tendo como ponto de partida 1Cor 13, 4-7. Em primeiro lugar, a paciência, sem a qual «sempre acharemos desculpas para responder com ira, acabando por nos tornarmos pessoas que não sabem conviver, anti-sociais incapazes de dominar os impulsos»[97]; depois, a benevolência, o “fazer o bem” como «uma reação dinâmica e criativa perante os outros»[98]; portanto, a amabilidade, porque quem aprendeu a amar «detesta fazer sofrer os outros»[99] e «é capaz de dizer palavras de incentivo, que reconfortam, fortalecem, consolam, estimulam»[100]. O amor implica também um certo “distanciamento de si mesmo”, para se doar gratuitamente até dar a vida[101]. Consequentemente, o amor é capaz de superar a violência interior em relação aos defeitos alheios, que «nos põe à defesa perante os outros [...] acabando por nos isolar»[102]. A tudo isso, se soma o perdão, que «pressupõe a experiência de ser perdoados por Deus»[103], a capacidade de se alegrar com os outros, de modo que «uma pessoa que consegue algo de bom na vida, sabe que ali se vão congratular com ela»[104] e a confiança, porque o amor «deixa em liberdade, renuncia a controlar tudo, a possuir, a dominar»[105]. O amor, enfim, espera pelo outro, «sempre espera que seja possível um amadurecimento, um inesperado surto de beleza, que as potencialidades mais recônditas do seu ser germinem algum dia»[106].

79. O Papa Francisco nos ajuda assim a “encarnar” o que é a “caridade conjugal”. Ao mesmo tempo, com saudável realismo, ele adverte sobre o perigo de idealizar a união matrimonial com deduções inadequadas, como se os mistérios teológicos devessem encontrar uma correspondência perfeita na vida do casal, e esta última devesse ser perfeita em todas as circunstâncias. Na realidade, isso criaria um constante sentimento de culpa nos cônjuges mais frágeis, que lutam e fazem o seu melhor para manter a sua união: «convém não confundir planos diferentes: não se deve atirar para cima de duas pessoas limitadas o peso tremendo de ter que reproduzir perfeitamente a união que existe entre Cristo e a sua Igreja, porque o matrimônio como sinal implica “um processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus”»[107]. Em vez disso, é preciso avaliar positivamente todos os esforços, os momentos dolorosos, os desafios que surpreenderam e desestabilizaram os cônjuges, as mudanças na pessoa amada e também as derrotas superadas, como parte de um caminho onde o Espírito Santo opera como quer, porque assim, depois «de ter sofrido e lutado unidos, os cônjuges podem experimentar que valeu a pena, porque conseguiram algo de bom, aprenderam alguma coisa juntos ou podem apreciar melhor o que têm. Poucas alegrias humanas são tão profundas e festivas como quando duas pessoas que se amam conquistaram, conjuntamente, algo que lhes custou um grande esforço compartilhado»[108].

Leão XIV

80. Entre as primeiras intervenções do Papa Leão XIV, em referência ao tema desta Nota, pode-se levar em consideração o que ele exprime na mensagem para a comemoração do 10º aniversário da canonização dos cônjuges Luís e Zélia Martin, pais de Santa Teresinha do Menino Jesus. Nessa ocasião, o Santo Padre refere-se ao «modelo de casal que a Santa Igreja apresenta aos jovens» como «uma aventura tão bonita: um modelo de fidelidade e atenção ao outro, um modelo de fervor e perseverança na fé, de educação cristã dos filhos, de generosidade no exercício da caridade e da justiça social; um modelo também de confiança na provação»[109].

81. Na verdade, o próprio lema do Papa Leão XIV, «In illo uno, unum» («Naquele que é Um, somos um»), extraído de um trecho de Santo Agostinho[110], poderia ser aplicado à vida de casal, sugerindo que «ser uma só coisa» é possível e plenamente realizável em Deus. Nesse sentido, a unidade matrimonial encontra seu fundamento e sua plenitude na relação com Deus. Por ocasião do Jubileu das Famílias, dos Avós e dos Idosos, o Papa Leão XIV, dirigindo-se diretamente aos cônjuges, reiterou que «o casamento não é um ideal, mas a regra do verdadeiro amor entre o homem e a mulher; amor total, fiel, fecundo [...]. Esse mesmo amor, ao transformar-vos numa só carne, torna-vos capazes de, à imagem de Deus, doar a vida»[111].

*

82. O Código de Direito Canônico refere-se ao «pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio íntimo de toda a vida, ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole», e lembra que «entre os batizados foi elevado por Cristo Nosso Senhor à dignidade de sacramento»[112].

83. Por fim, em sua visão sintética, o Catecismo da Igreja Católica afirma que: «A poligamia é contrária a essa igual dignidade e ao amor conjugal, que é único e exclusivo»[113]. Além disso, «o amor conjugal exige dos esposos uma fidelidade inviolável. Esta é uma consequência da doação de si mesmos que os esposos fazem um ao outro»[114]. Por este motivo, o «adultério é uma injustiça. Aquele que o comete, falta aos seus compromissos. Viola o sinal da Aliança, que é o vínculo matrimonial, lesa o direito do outro cônjuge e atenta contra a instituição do matrimônio, violando o contrato em que assenta. Compromete o bem da geração humana e dos filhos que têm necessidade da união estável dos pais»[115]. Isso não exclui que se possa compreender «o drama daquele que, desejoso de se converter ao Evangelho, se vê obrigado a repudiar uma ou mais mulheres com quem partilhou anos de vida conjugal. Contudo, a poligamia não está de acordo com a lei moral. “Opõe-se radicalmente à comunhão conjugal”»[116].

 

IV. Algumas perspectivas da filosofia e das culturas

No pensamento cristão clássico

84. Em Santo Tomás de Aquino, podemos encontrar um pensamento filosófico cristão, que se tornou clássico, sobre os fundamentos da monogamia. No terceiro livro da Summa contra Gentiles, sua concepção aparece principalmente sob o ponto de vista filosófico, com raciocínios extraídos da teologia natural e de seus conhecimentos da biologia da época. A relação conjugal é apresentada como um vínculo de ordem natural, uma «união do homem com a mulher»[117] ou uma forma de «vínculo social (socialis coniunctio[118], inerente à natureza humana, que une o homem e a mulher.

85. Santo Tomás defende que a monogamia deriva essencialmente do instinto natural, estando inscrita na natureza de cada ser humano; este âmbito prescinde, assim, das exigências da fé. De fato, «o homem quer naturalmente ter certeza da sua prole, certeza esta que seria totalmente anulada se muitos homens fossem companheiros de uma só mulher. Logo, provém do instinto natural que uma mulher seja de um só homem»[119]. Essa união, que consolida o equilíbrio recíproco entre o homem e a mulher, é regida por «uma equidade natural». Portanto, não há espaço para qualquer forma de poliandria, nem para a poligamia que, aliás, o Aquinate define como uma forma de escravidão: «Parece também contrariar a equidade a dissolução da sociedade matrimonial […]. Se, pois, um homem que assumiu a mulher na juventude, quando fecunda e bela, pudesse abandoná-la quando ela envelhecer, causar-lhe-ia dano contra a equidade natural […]. Se, portanto, o marido pudesse abandonar a mulher, a sociedade entre ambos não seria equitativa, mas haveria uma certa servidão da mulher»[120].

86. Além disso, a equidade no amor estabelece uma paridade substancial entre os cônjuges, ou seja, uma igualdade fundamental entre o homem e a mulher: «a amizade consiste em uma certa igualdade. Se, pois, não é lícito às mulheres ter muitos maridos (porque isto vai contra a certeza da prole), o fato de ser lícito ao marido ter muitas mulheres não manteria a amizade livre da mulher para o marido, mas seria uma amizade quase servil. E isto é também comprovado pela experiência, porque, nos maridos de muitas mulheres, estas são tratadas como criadas […]. Além disso, não há amizade intensa para muitos. Como diz o Filósofo. Se, pois, a mulher tiver um só marido e este, muitas mulheres, não haverá amizade igual em ambas as partes»[121].

87. Por conseguinte, a fidelidade conjugal tem como fundamento o grau máximo de amizade que se estabelece entre o homem e a mulher. Essa amizade no grau máximo (maxima amicitia), como amor de benevolência (amor benevolentiae), diferente do amor de concupiscência (amor concupiscentiae) que é orientado mais para o próprio benefício, leva a uma troca íntima e total entre iguais, na qual cada parceiro se entrega sem reservas, buscando o bem do outro: «Além disso, quanto maior a amizade, tanto mais durável. Ora, verifica-se que a amizade entre esposo e esposa é a máxima (maxima amicitia), pois unem-se não só no ato da cópula carnal, que mesmo entre os animais realiza-se em agradável convívio, como também para o todo consórcio da convivência familiar. Donde, em sinal disto, o homem abandona o pai e a mãe por causa da esposa, como se lê no Gênesis (2, 24)»[122].

Comunhão de duas pessoas

88. No século XX, alguns filósofos cristãos enfatizam uma visão do matrimônio como união entre pessoas ou comunhão de vida. No contexto do pensamento tomista clássico, Antonin-Dalmace Sertillanges apresenta o matrimônio como união de duas pessoas, que nunca pode ser entendida como uma espécie de fusão ou destruição de si mesmos para constituir uma unidade superior, nem como puro meio de procriação para o bem da espécie: «O homem, que é pessoa, ou seja, um fim em si mesmo [...]; o homem que vale independentemente da raça, enquanto vale por si mesmo, buscará em sua união, juntamente com o bem da raça, também o seu próprio bem. Portanto, se o homem e a mulher fundam uma vida cimentada pelo amor, essa vida se desenvolverá em dois centros como uma elipse em dois focos [...] sem que ninguém seja sacrificado»[123].

89. Coerente com esse pensamento, Sertillanges mostra que, no matrimônio, até mesmo a busca do bem para si mesmo constitui uma forma de levar a sério a outra pessoa, abrindo para ela a possibilidade de ser fecunda graças ao seu cônjuge: «É melhor dar do que receber, dizíamos; mas receber é também dar. Ó meu coração, recebe, para que o amigo encontre em você o testemunho do que ele dá. Seja feliz, para que o amigo possa dizer: eu trago, portanto, felicidade!»[124]. Desta forma, «as duas vidas enriquecem-se tanto mais quanto a sua aliança se destina a tornar-se mais estreita e as suas contribuições mútuas se destinam, por natureza, a complementar-se»[125], porque «este amor que faz com que duas pessoas unidas sejam o que cada uma delas, por si só, não poderia ser, é o enriquecimento natural mais decisivo»[126]. Desta forma, a comunhão matrimonial implica uma «dupla preferência que se cruza para formar o mais forte dos laços, e faz de cada um, por sua vez, o mais amante e o mais querido, e faz com que cada um obtenha o que lhe é devido precisamente ao mesmo tempo que o proporciona ao outro; a felicidade de ser um em dois»[127].

Uma pessoa inteiramente referida a uma outra

90. Neste ponto, é útil relacionar três autores que aprofundaram cada vez mais uma linha de pensamento sobre a unidade matrimonial. O primeiro é Søren Kierkegaard. É sua convicção que a pessoa se realiza quando é capaz de sair de si mesma, tornando assim possível o amor e a união: «O amor é abandono, mas o abandono só é possível graças ao fato de eu sair de mim mesmo»[128], aceitando o risco e a imprevisibilidade. Só assim se torna possível a decisão de pertencer plenamente a uma única pessoa, com todos os riscos que essa decisão pode acarretar: «é preciso dar um passo decisivo e, para isso, é preciso coragem; no entanto, o amor matrimonial precipita-se no nada quando isso não acontece, porque é somente graças a isso que se mostra que não se ama a si mesmo, mas ao outro. E como se deve demonstrar isso, senão pelo fato de se estar sozinho por outra pessoa?»[129]. Consequentemente, sustenta o filósofo dinamarquês, «percebeu-se a afronta e, portanto, o quão desagradável é querer amar com uma parte da alma, mas não com toda ela, reduzir o próprio amor a um momento e, no entanto, tomar todo o amor de outra pessoa»[130].

91. Assim, encontramos o fundamento da monogamia precisamente na ideia de pessoa, que permite ao mesmo tempo compreender o sentido da própria existência e amar a do cônjuge. O chamado interior para se abandonar diante do outro torna-se, assim, o fundamento de «amar apenas um»[131]. O próprio Kierkegaard confirma isso quando reconhece que, se existe um amor verdadeiro que nos faz sair de nós mesmos em direção ao outro, «os amantes estão intimamente convencidos de que sua relação é um todo perfeito em si mesmo»[132]. Ele também reconhece que essa realidade significa para os cônjuges um chamado a «transformar o instante do prazer em uma pequena eternidade»[133]. Isso implica, então, a ação da vontade espiritual, mas sobretudo a referência a Deus, sem separar o matrimônio – compreendido em seu componente de prazer e sexualidade – do amor de Deus: «os amantes referem seu amor a Deus», que efetivamente «lhe dará uma marca absoluta de eternidade»[134].

92. Estas fontes também alimentam o personalismo de Emmanuel Mounier, que parte do «valor absoluto da pessoa humana»[135], cuja plena realização só pode ocorrer na doação de si mesmo, em um processo que transfigura todas as tensões da personalidade[136]. Ao contrário, «constituída em sociedade fechada, a família torna-se à imagem do indivíduo que lhe propôs o mundo burguês»[137], e, dessa forma, constitui apenas a soma de dois particularismos, não uma união. Se compreendermos sua verdadeira natureza, «os indivíduos devem sacrificar a ela seu particularismo […]. Ela é uma aventura a ser vivida, um compromisso a ser fecundado»[138]. Mas com a condição de se empenharem nela com todo o seu esforço. Essa união totalizante é entre dois e não admite rivais.

93. Também defensor do personalismo, Jean Lacroix inspira-se mais diretamente em Kierkegaard e expressa ideias semelhantes sob a figura do reconhecimento mútuo das duas pessoas (s’avouer l’un à l’autre), que as abre à comunhão com todos: «No momento em que se reconhecem mutuamente, os cônjuges reconhecem-se ao mesmo tempo perante uma realidade superior […]. A família, de fato, pode ser sem dúvida o lugar, a fonte e a origem de toda socialidade [...]. Será, portanto, a própria análise do reconhecimento que nos permitirá discernir o que há de verdadeiro e o que há de falso na concepção da família entendida como célula social»[139]. O reconhecimento do outro é o «ato humano que assume plenamente o caráter de intimidade e o caráter de socialidade» e, deste modo, responde ao desejo transcendental do amor em seu sentido mais rico[140]. Mas trata-se de reconhecer o outro «como outro»[141]. Desta forma, a tendência para lutar contra o outro «transforma-se em reconhecimento mútuo»[142]. Neste horizonte, compreende-se que «o fundamento do matrimônio, que é essencialmente amor, não pode ser outro senão o reconhecimento integral – reconhecimento do corpo, reconhecimento da alma, reconhecimento total deste espírito encarnado que é o homem concreto»[143]. Portanto, a monogamia emerge claramente da afirmação de que o matrimônio entre um homem e uma mulher é uma «unidade superior» a qualquer outra nesta terra: «o ser familiar é a mais alta realização da unidade humana»[144].

Face a face

94. O filósofo francês Emmanuel Lévinas, com sua reflexão sobre o rosto do outro, propõe-se a descobrir a relação pessoal sempre como um «face a face». Graças ao rosto, que sempre impõe seu reconhecimento, a interioridade pessoal torna-se comunicável e exige a descoberta sempre nova do outro[145]. O desejo sexual, quando se move dentro desta dinâmica do rosto do outro, pode manter adequadamente juntas a sensibilidade e a transcendência, a afirmação de si mesmo e o reconhecimento da alteridade. Neste cara a cara, a carícia age como expressão do amor que busca a união admirando, respeitando e preservando a alteridade: «Não é uma intencionalidade de desvelamento, mas de procura: caminho para o invisível»[146]. O pensamento de Lévinas pode ser um caminho fecundo para aprofundar o significado do matrimônio como união exclusiva: um face a face que só é possível entre dois e que, quando se realiza plenamente, reivindica para si a pertença recíproca exclusiva, incomunicável e intransferível para fora desse “nós dois”.

95. A poligamia, o adultério ou o poliamor baseiam-se na ilusão de que a intensidade da relação pode ser encontrada na sucessão de rostos. Como ilustra o mito de Don Juan, o número dissolve o nome: dispersa a unidade do impulso amoroso. Se Lévinas mostrou que o rosto do outro convoca a uma responsabilidade infinita, única e irredutível, multiplicar os rostos numa pretensa união total significa fragmentar o sentido do amor matrimonial.

O pensamento de Karol Wojtyła

96. Por trás das conhecidas catequeses sobre o amor oferecidas por São João Paulo II como Pontífice, podemos encontrar a reflexão filosófica desenvolvida pelo jovem Bispo Karol Wojtyła. Trata-se de uma reflexão que ajuda a compreender em profundidade o sentido da união única e exclusiva do matrimônio.

97. O jovem pensador polonês leva muito a sério o tema objeto da presente Nota. Ele explica que o matrimônio possui «uma estrutura interpessoal: é uma união e uma comunidade de duas pessoas»[147]. Este é o «seu caráter essencial», «a razão de ser interior e essencial do casamento», que é «sobretudo constituir uma união de duas pessoas». Este é o seu «valor integral», que permanece mesmo para além da procriação[148].

98. Na base de todo o seu pensamento, encontra-se o que ele mesmo chama de «princípio personalista», que exige «tratar a pessoa de maneira correspondente ao seu ser» e não «na situação de um objeto de gozo, a serviço de outra pessoa»[149], como acontece na poligamia. Ser pessoa implica necessariamente que «nunca pode ser para outra pessoa um objeto de gozo utilitário, mas apenas objeto (mais exatamente co-sujeito) de amor»[150], porque «não pode ser tratada como objeto de uso, portanto como um meio»[151].

99. O pensamento de Wojtyła permite compreender por que razão apenas a monogamia garante que a sexualidade se desenvolva num quadro de reconhecimento do outro como sujeito com quem se partilha integralmente a vida, sujeito que é um fim em si mesmo e nunca um meio para as próprias necessidades. A união sexual, que envolve toda a pessoa, só pode tratar o outro como pessoa, ou seja, como co-sujeito no amor e não objeto de uso, se se desenvolver no quadro de uma pertença única e exclusiva. Neste caso, aqueles que se doam plena e completamente ao outro só podem ser dois. Em qualquer outro caso, seria uma doação parcial de si mesmo, porque tal doação deve deixar espaço para outros e, consequentemente, todos seriam tratados como meios e não como pessoas. Por estas razões, ele conclui que «a monogamia estrita é uma manifestação da ordem personalística»[152].

100. Na mesma obra, Karol Wojtyła amplia a reflexão sobre a monogamia com um desenvolvimento original sobre a finalidade unitiva da sexualidade, que se torna uma expressão e uma maturação daquele dado objetivo que é a unidade matrimonial como propriedade essencial do matrimônio. Por essa razão, ele nega veementemente a tese rigorista – que ele considera própria de visões “maniqueístas” ou “ultra-espiritualistas” – segundo a qual «o Criador se serve do homem e da mulher, assim como de suas relações sexuais, para assegurar a existência da espécie homo. Assim, ele utiliza as pessoas como meios»[153]. Somente nesse contexto, o prazer sexual se tornaria tolerável. Wojtyła sustenta, ao contrário, que «não é de forma alguma incompatível com dignidade objetiva das pessoas o fato de que seu amor conjugal implique um “prazer” sexual [...]. Existe uma alegria conforme à natureza da tendência sexual e, ao mesmo tempo, à dignidade das pessoas; no vasto campo do amor entre o homem e a mulher, ela brota da ação comum, da compreensão mútua, da realização harmoniosa dos fins escolhidos em conjunto. Essa alegria, esse gozo, pode provir tanto do prazer multiforme criado pela diferença dos sexos quanto da voluptuosidade sexual que as relações conjugais oferecem [...] desde que seu amor se desenvolva normalmente a partir do impulso sexual»[154].

101. Em seu esforço para evitar o rigorismo extremo, que acaba por excluir a finalidade unitiva da sexualidade no matrimônio, Wojtyła explica que o outro pode ser verdadeiramente amado como pessoa e, ao mesmo tempo, ser plenamente desejado. Estas duas coisas «diferenciam-se entre si, mas não a ponto de se excluírem», porque «uma pessoa pode desejar outra como um bem para si mesma, mas pode ao mesmo tempo desejar o bem para ela, independentemente do fato de ser também um bem para si»[155]. Reconhecendo a integralidade da pessoa e de suas necessidades, deve-se também admitir que o amor recíproco requer muitas outras expressões, não apenas a sexualidade: se «o que as duas pessoas trazem para o amor é única ou principalmente a concupiscência em busca do gozo e do prazer, então a reciprocidade será privada das características»[156] que oferecem estabilidade ao casamento (o amor virtuoso, a confiança, os dons desinteressados, etc.).

Mais além

102. O matrimônio de Jacques e Raïssa Maritain parece ser um caso especial de comunhão intelectual, cultural e espiritual, que não pode ser apresentado como o único modelo, pois as formas de união conjugal são certamente tão diversas quanto as pessoas. No entanto, o caso especial deles tem muito a dizer. Dada a maravilhosa experiência de compartilhar com Raïssa uma busca interior da verdade e, acima de tudo, de Deus, Jacques relativiza – sem excluí-la – a importância do desejo, da paixão e da sexualidade: «A verdade é esta, na minha opinião: em primeiro lugar, o amor como desejo ou paixão, e o amor romântico – ou pelo menos um elemento dele – deveriam, na medida do possível, estar presentes no casamento como um primeiro incentivo, como ponto de partida [...]. Em segundo lugar, o matrimônio, longe de ter como objetivo principal levar à perfeição o amor romântico, tem de realizar nos corações humanos uma obra bem diferente: uma operação de alquimia infinitamente mais profunda e misteriosa»[157]. Ele é fascinado por «um amor verdadeiramente desinteressado, que não exclui o sexo, é claro, mas que se torna cada vez mais independente do sexo»[158]. Ele não se refere, num sentido gnóstico ou jansenista, a um amor espiritual completamente desconectado da corporeidade ou das realidades terrenas, porque tal interpretação seria contrária ao seu pensamento antropológico, mas precisamente ao ideal de «uma doação completa e irrevogável de um ao outro, por amor ao outro. É assim que o matrimônio pode ser uma autêntica comunidade de amor entre homem e mulher: algo construído não sobre areia, mas sobre rocha»[159]. Este ideal da plena doação de si ao cônjuge implica «a árdua disciplina do auto-sacrifício e a força das renúncias e purificações [...]. Cada um, em outras palavras, pode então se dedicar realmente ao bem e à salvação do outro»[160]. Neste contexto, ele ressalta a necessidade constante do perdão: «preparado e pronto, assim como um Anjo da guarda deve ser, para perdoar muito ao outro: de fato, a lei evangélica do perdão mútuo expressa bem, me parece, uma exigência fundamental»[161].

103. A visão filosófica de Maritain mostra-se neste texto completamente transfigurada por uma visão sobrenatural, onde o poder do amor teologal empurra completamente a pessoa que ama para fora de si mesma, em busca do bem do outro, até à plenitude desse bem do amado que consiste na sua salvação, ou seja, na sua união total com Deus. Esta visão profundamente espiritual de Maritain parece excluir uma abordagem filosófica completa do amor matrimonial que podemos encontrar em outros autores, mas tem o grande mérito de guiar a nossa reflexão sobre o amor monogâmico em uma ascensão voltada para os valores mais elevados, onde tal amor amadurece em um sentido oblativo, que no matrimônio assume a forma de uma união radical. Essa união admirável se manifesta na preocupação sincera e constante pelo bem do outro como movimento sobrenatural, e na busca terna e generosa da realização plena e total da pessoa amada no amor salvífico de Deus.

104. De qualquer forma, num texto posterior nota-se uma maior precisão filosófica. Trata-se das anotações que Maritain desenvolve a partir do Diário da esposa, publicado após a morte desta. São anotações completadas pelo próprio Maritain e publicadas separadamente[162]. Já nas primeiras páginas retorna o tema daquele amor muito especial que atinge níveis altíssimos de generosidade e desinteresse. O filósofo francês chama-o de «amor louco»[163], porque é um amor «considerado na sua forma extrema e completamente absoluta»[164], caracterizado «no poder que tem de alienar a alma de si mesma»[165]. Mas a novidade é que, neste comentário ao Diário de Raïssa, ele dá um passo decisivo: integra positivamente a sexualidade também no contexto desse amor perfeito. Partindo da natureza humana feita de espírito e corpo e da característica totalizante do amor matrimonial, ele chega a afirmar: «uma pessoa humana pode se dar a outra ou se extasiar em outra a ponto de fazer dela seu Tudo, somente se lhe der, ou estiver disposta a lhe dar, seu corpo, ao mesmo tempo em que lhe dá sua alma»[166]. Nesse amor supremo entre dois seres humanos, a unidade matrimonial encontra sua expressão terrena mais preciosa.

Outros pontos de vista

105. É útil aqui ter em mente também uma visão voltada para o Oriente não cristão. Detenhamo-nos, por exemplo, sobre as tradições da Índia. Nessa região, embora a monogamia tenha sido habitualmente a norma e considerada um ideal na vida conjugal, ao longo dos séculos a poligamia continuou presente. De qualquer forma, um dos textos mais antigos extraído das escrituras hindus, o Manusmṛti, afirma o seguinte: «Que a fidelidade mútua continue até a morte, isso pode ser considerado como o resumo da lei suprema para marido e mulher. Que o homem e a mulher, unidos em casamento, se esforcem constantemente, que (eles não sejam) desunidos (e) não violem sua fidelidade mútua»[167]. Um texto importante que é frequentemente citado para defender a monogamia é o do Srimad Bhagavatam ou Bhagavata Purana, no qual se lê: «O Senhor Rāmachandra fez voto de aceitar uma única esposa e de não ter qualquer vínculo com outras mulheres. Ele era um rei virtuoso, e tudo em seu caráter era bom, não contaminado por qualidades como a ira»[168]. Quando Ravana rapta sua esposa Sita, o Senhor Rāmachandra, que poderia ter tomado qualquer outra mulher como esposa, não toma nenhuma. Além disso, a ênfase dada à castidade da esposa no Thirukkural (uma coleção clássica de aforismos em língua tâmil) indica a importância da fidelidade total: «Se a mulher pudesse preservar a castidade, que tesouro mais precioso poderia conter o mundo? [...] Aquela que vigia incessantemente para se proteger, cuida do marido e do bom nome da própria família, dai-lhe um nome de mulher»[169].

106. Em conexão com a reflexão filosófica e cultural desenvolvida até aqui, é oportuno prestar atenção também ao tema da educação. De fato, nossa época conhece diversos desvios em relação ao amor: multiplicação dos divórcios, fragilidade das uniões, banalização do adultério, promoção do poliamor. Diante de tudo isso, é preciso reconhecer que as grandes narrativas coletivas (romances, filmes, canções) continuam a exaltar o mito do “grande amor” único e exclusivo. O paradoxo é evidente: as práticas sociais minam o que o imaginário celebra. Isso revela que o desejo de um amor monogâmico permanece inscrito no profundo do ser humano, mesmo quando os comportamentos parecem negá-lo.

107. Como preservar, então, a possibilidade de um amor fiel e monogâmico? A resposta está na educação. Não basta denunciar os fracassos; partindo dos valores que o imaginário popular ainda conserva, é preciso preparar as gerações para acolher a experiência amorosa como um mistério antropológico. O universo das redes sociais, onde o pudor desaparece e proliferam as violências simbólicas e sexuais, mostra a urgência de uma nova pedagogia. O amor não pode ser reduzido a um impulso: ele sempre convoca à responsabilidade e à capacidade de esperança de toda a pessoa. O noivado, entendido em seu sentido tradicional, encarna esse tempo de prova e amadurecimento, em que o outro é acolhido como promessa de infinito. Assim, a educação para a monogamia não constitui uma coerção moral, mas uma iniciação à grandeza de um amor que transcende a imediatez. Ela orienta a energia erótica para uma sabedoria da durabilidade e para uma abertura ao divino. A monogamia não é arcaísmo, mas profecia: ela revela que o amor humano, vivido em sua plenitude, antecipa, em qualquer forma, o próprio mistério de Deus.

V. A palavra poética

108. A propósito da palavra poética, o Papa Francisco afirma que «a palavra literária é como um espinho no coração que leva à contemplação e te põe em caminho. A poesia é aberta, leva você para outro lugar»[170]. E acrescenta: «O artista é o homem que com seus olhos olha e ao mesmo tempo sonha, vê mais profundamente, profetiza, anuncia uma maneira diferente de ver e compreender as coisas que estão diante dos nossos olhos. De fato, a poesia não fala da realidade a partir de princípios abstratos, mas colocando-se à escuta da própria realidade»[171]. Dadas estas premissas, não é possível deixar de fazer referência à palavra poética para melhor compreender aquele mistério do amor de dois que se unem e se pertencem mutuamente.

109. É útil notar como muitos poetas tentaram expressar a beleza dessa união única e exclusiva. Reconhecer agora a força de sua poesia certamente não implica sustentar que sua vida foi perfeita ou que sempre foram fiéis no amor. De qualquer forma, parece evidente que, quando encontraram o amor e decidiram pertencer exclusivamente a outra pessoa, ou quando perceberam o valor de uma união exclusiva, esses poetas precisaram expressá-lo por meio de sua arte, quase como se indicassem que se trata de algo que vai além da satisfação sexual, da realização de uma necessidade pessoal ou de uma aventura superficial. Podemos considerar alguns exemplos:

Passeamos e passeamos,
enquanto não voltamos para casa,
nós dois
[172].

Nenhuma outra, amor, dormirá com meus sonhos.
Tu irás, iremos juntos através das águas do tempo
...[173].

110. Nestes versos percebe-se que, num caminho de respeito e liberdade, o tempo consagra a escolha mútua, fortalece o vínculo, aprofunda a satisfação de pertencer um ao outro, embeleza aquele “nós” que chega a ser sentido como indestrutível. No contexto dessa união, cada um dos dois sabe que, assim como deu algo de si ao outro, da mesma forma recebeu muito do amado:

Desci milhões de escadas dando-te o meu braço
não porque com quatro olhos talvez se veja mais.
Desci-as contigo porque sabia que
de nós dois
as únicas pupilas verdadeiras, embora tão ofuscadas,
eram as tuas
[174].

Eu te dou a mim mesma,
minhas noites sem dormir,
os longos goles
de céu e estrelas – bebidos
nas montanhas,
a brisa dos mares percorridos
em direção a auroras distantes. [...]
E tu acolhe minha admiração
de criatura,
meu tremor de haste
vivo no círculo
dos horizontes,
dobrado ao vento
limpo – da beleza:
e tu deixas que eu olhe esses olhos
que Deus te deu,
tão densos de céu –
profundos como séculos de luz
mergulhados além
dos picos
[175].

111. A relação é vista como insubstituível, de tal forma que, quando o poeta quer reencontrar suas raízes, ele se concebe como referido à outra pessoa, com uma força que transcende o tempo:

Eu fecharei os olhos
e só quero cinco coisas,
cinco raízes preferidas.
Uma é o amor sem fim...
A quinta coisa são os teus olhos
Minha Matilde, bem-amada,
Não quero dormir sem o teu olhar,
não quero ficar sem que tu me olhes
[176].

112. Nos grandes poetas, geralmente não se encontra um romantismo ingênuo, mas um realismo que reconhece os riscos da dependência estática, aceita os desafios que estimulam o crescimento e, ao mesmo tempo, não perde de vista a necessidade de uma abertura além do círculo restrito dos dois:

Nós dois de mãos dadas
Acreditamos que estamos em casa em qualquer lugar [...]
Ao lado de sábios e loucos
Entre crianças e adultos
[177].

113. Isso está enraizado no fato de que a autenticidade dessa união exclui qualquer forma de fusão fechada em si mesma. A pertença mútua não é apenas fruto de uma necessidade pessoal, mas de uma decisão de pertencer ao outro que permite superar a solidão e o abandono: uma decisão que é ao mesmo tempo intimamente marcada por um grande respeito pelo outro e por seu mistério pessoal. O amor, que vê no outro um valor único, percebe à sua maneira que a pessoa humana é “intransferível”, que não pode ser sua propriedade, e exige para si uma atitude semelhante:

Teus olhos me interrogam tristes.
Gostariam de sondar todos os meus pensamentos
enquanto a lua sonda o mar [...]
Mas é o meu coração, o meu amor.
Suas alegrias e suas ansiedades
são imensas
e infinitos seus desejos e suas riquezas.
Este coração está perto de ti como a tua própria vida,
Mas tu não podes conhecê-lo por completo
[178].

114. Nestes poucos exemplos citados, fica claro como a palavra poética leva a sério o valor da união exclusiva de duas pessoas que decidiram livremente ficar juntas e pertencer-se uma à outra, de forma exclusiva. Pode resumir-se o que foi dito sobre o caráter totalizante do amor com as palavras de outra grande poetisa, Emily Dickinson: «Que o Amor é tudo / é tudo o que sabemos sobre o Amor[179].

 

VI. Algumas reflexões para aprofundar

115. Graças ao caminho percorrido até aqui, agora é possível reunir uma bagagem consistente de considerações que podem ajudar a perceber a união matrimonial, única e exclusiva, de forma harmoniosa e multiforme. Trata-se de considerações úteis para um aprofundamento válido do significado da monogamia; parece, no entanto, oportuno, nesta última parte da Nota, concentrar a atenção em alguns importantes pontos específicos sobre o tema em análise. Como vimos, a unidade-união matrimonial poderia ser expressa sob diferentes figuras filosóficas, teológicas ou poéticas, mas entre tantas possibilidades duas parecem decisivas: a pertença recíproca e a caridade conjugal. Ambas surgiram com frequência em vários textos citados na presente Nota.

Pertença recíproca

116. Uma forma de expressar essa união exclusiva entre duas pessoas resume-se na expressão “pertença recíproca”. Já no século V, São Leão Magno se refere à pertença recíproca dos cônjuges quando fala da situação dos soldados que, dados como mortos, voltam da guerra e descobrem que foram “substituídos” por outros. Então, o Papa ordena que «cada um receba o que lhe pertence»[180]. Esta ideia nos leva agora a refletir sobre essa pertença recíproca de uma maneira mais rica e profunda.

117. Santo Tomás de Aquino afirma que, para estabelecer uma amizade, «a benevolência não é suficiente [...], é preciso que haja reciprocidade de amor»[181]. A pertença recíproca baseia-se no consentimento livre de ambos. De fato, no rito latino do casamento, o consentimento é expresso dizendo: «Eu te recebo por minha esposa», «Eu te recebo por meu esposo»[182]. A este respeito, seguindo o ditame do Concílio Vaticano II, deve dizer-se que o consentimento é um «ato humano com o qual os cônjuges mutuamente se dão e recebem»[183]. Este ato «que une os esposos entre si»[184] é um dar-se e receber-se: é o dinamismo que dá origem à pertença recíproca, chamada a aprofundar-se, a amadurecer e a tornar-se cada vez mais sólida. Em termos técnicos, o mútuo doar-se é a matéria; o acolhimento recíproco é a forma.

118. Não por acaso, São Paulo VI relaciona a «doação pessoal recíproca» no casamento à unidade do vínculo, caracterizando-a como «própria e exclusiva»[185]. E, ainda a propósito da reciprocidade, Karol Wojtyła sustenta que ela «nos obriga a considerar o amor do homem e da mulher não apenas como o amor de um pelo outro, mas sim como algo que existe entre eles […]. O amor não está apenas na mulher nem apenas no homem, – porque então teríamos, em definitiva, dois amores –, mas é único, é aquilo que os une […]. O seu ser, na sua plenitude, é interpessoal e não individual […]. É a reciprocidade que, no amor, decide o nascimento desse “nós”. Ela prova que o amor amadureceu, tornou-se algo entre as pessoas, criou uma comunidade»[186]. Essa reciprocidade é reflexo da vida trinitária: «duas pessoas que um amor perfeito reúne na unidade. Este movimento e este amor fá-las semelhantes a Deus, que é o próprio Amor, a Unidade absoluta das Três Pessoas»[187]. A unidade da relação dos esposos está profundamente enraizado na comunidade trinitária.

119. O Papa Francisco gostava de falar sobre o matrimônio em termos de pertença livremente escolhida, porque «sem sentido de pertença não se pode sustentar uma entrega aos outros, acabando cada um por procurar apenas as próprias conveniências»[188]. No casamento, cada um dos dois «expressa a firme opção de se pertencerem um ao outro. Casar-se é uma maneira de exprimir que realmente se abandonou o ninho materno, para tecer outros laços fortes e assumir uma nova responsabilidade perante outra pessoa. Isto vale muito mais do que uma mera associação espontânea para mútua compensação»[189]. A pertença recíproca e exclusiva torna-se uma forte motivação para a estabilidade da união: «No matrimônio, vive-se também o sentido de pertencer completamente a uma únicapessoa. Os esposos assumem o desafio e o anseio de envelhecer e gastar-se juntos, e assim reflectem a fidelidade de Deus […]. É uma pertença do coração, lá onde só Deus vê (cf. Mt 5, 28). Cada manhã, quando se levanta, o cônjuge renova diante de Deus esta decisão de fidelidade, suceda o que suceder ao longo do dia. E cada um, quando vai dormir, espera levantar-se para continuar esta aventura»[190].

A transformação

120. Com o passar do tempo, mesmo quando a atração física e a possibilidade de ter relações sexuais enfraquecem, a pertença recíproca não está destinada à dissolução. A opção pela união dos dois se modifica, transforma-se. Naturalmente, não faltarão várias expressões íntimas de afeto, que, no entanto, também são consideradas exclusivas, pois são expressões da única união matrimonial, que não poderia ser oferecida a outras pessoas sem experimentar uma inadequação. Precisamente porque a experiência de pertença recíproca e exclusiva se aprofundou e se fortaleceu ao longo do tempo, há expressões que são reservadas apenas àquela pessoa com quem se escolheu compartilhar o próprio coração de maneira única.

121. Para o Papa Francisco, esta é precisamente uma das vantagens de entender a união matrimonial como pertença recíproca: «A relação íntima e a mútua pertença devem ser mantidas durante quatro, cinco ou seis décadas, e isto gera a necessidade de renovar repetidas vezes a recíproca escolha. Talvez o cônjuge já não esteja apaixonado com um desejo sexual intenso que o atraia para outra pessoa, mas sente o prazer de lhe pertencer e que esta pessoa lhe pertença, de saber que não está só, de ter um «cúmplice» que conhece tudo da sua vida e da sua história e tudo partilha. É o companheiro no caminho da vida»[191]. Assim, «ainda que muitos sentimentos confusos girem pelo coração, mantém-se viva dia-a-dia a decisão de amar, de se pertencer, de partilhar a vida inteira e continuar a amar-se e perdoar-se [...]. No curso de tal caminho, o amor celebra cada passo, cada etapa nova [...]. O vínculo encontra novas modalidades e exige a decisão de reatá-lo repetidamente; e não só para o conservar, mas para o fazer crescer»[192]. De qualquer forma, é preciso reconhecer que a pertença recíproca é uma forma de entender a união conjugal que tem sua grande riqueza e, ao mesmo tempo, limites que é indispensável esclarecer.

A não pertença

122. Uma característica da pessoa é que ela é um fim em si mesma. O ser humano é a «única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma»[193]. Assim, pode-se dizer que o homem é um fim em si mesmo, e, portanto, não pode ser reduzido a ser meramente o objetivo de outros. A pessoa não pode ser tratada de uma forma que não corresponda a esta dignidade, que pode ser chamada de “infinita”[194], tanto pelo amor ilimitado que Deus nutre por ela, quanto porque é uma dignidade absolutamente inalienável. Cada «indivíduo humano possui a dignidade de pessoa; não é somente alguma coisa, mas alguém»[195]. Consequentemente, a pessoa «não pode ser tratada como objeto de uso, portanto como um meio»[196].

123. Quando não existe esta convicção, própria do amor verdadeiro que se detém diante da dimensão sagrada do outro, desenvolvem-se facilmente as doenças de uma posse indevida do outro: manipulações, ciúmes, perseguições, infidelidades. Por outro lado, a mútua pertença própria do amor recíproco exclusivo implica um cuidado delicado, um santo temor de profanar a liberdade do outro, que tem a mesma dignidade e, portanto, os mesmos direitos. Quem ama sabe que o outro não pode ser um meio para resolver suas insatisfações, sabe que seu vazio deve ser preenchido de outras maneiras, nunca através do domínio do outro. Isso é o que não acontece em muitas formas de desejo doentio que resultam em várias manifestações de violência explícita ou sutil, de opressão, pressão psicológica, controle e, finalmente, asfixia. Essa falta de respeito e reverência pela dignidade do outro também se encontra nas pretensões de complementaridade, nas quais um dos dois é obrigado a desenvolver apenas algumas de suas possibilidades, enquanto o outro encontra amplos espaços de expansão pessoal. Para evitar tudo isso, é preciso reconhecer que não existe um modelo único de reciprocidade matrimonial. Em uma relação saudável e generosa, «há funções e tarefas flexíveis, que se adaptam às circunstâncias concretas de cada família»[197]. Consequentemente, «no lar, as decisões não se tomam unilateralmente, e ambos compartilham a responsabilidade pela família; mas cada lar é único e cada síntese conjugal é diferente»[198].

124. Quando, em vez de uma saudável pertença recíproca – mesmo que isso exija sempre paciência e generosidade –, surgem no cônjuge sinais de irritação e até mesmo algumas faltas de respeito, é preciso reagir a tempo, antes que apareçam formas de manipulação ou violência. Nesses casos, a pessoa deve fazer valer sua dignidade, estabelecer os limites necessários e iniciar um caminho de diálogo sincero, de modo a expressar uma mensagem clara: “Você não me possui, você não me domina”. E isso não apenas para se defender, mas também pela dignidade do outro, porque «na lógica do domínio, o dominador acaba também negando a sua própria dignidade»[199].

125. O saudável e belo “nós dois” só pode ser a reciprocidade de duas liberdades que nunca são violadas, mas que se escolhem mutuamente, deixando sempre segura uma fronteira que não pode ser ultrapassada, que não pode ser transposta com a desculpa de alguma necessidade, de uma ansiedade pessoal ou de um estado psicológico. Como destaca o Papa Francisco, os cônjuges «são chamados a uma união cada vez mais intensa, mas correm o risco de pretender apagar as diferenças e a distância inevitável que existe entre os dois. Com efeito, cada um possui uma dignidade própria e irrepetível»[200]. Respeitar plenamente este princípio «exige um despojamento interior»[201].

126. Levando realmente a sério o que foi dito até agora, a palavra “pertença” só pode ser aplicada ao casamento de forma análoga. De fato, uma forma de pertença diferente daquela de um amor que sente o outro como sagrado em sua liberdade, intransferível em seu núcleo pessoal e autônomo, seria apenas uma forma egocêntrica de subjugar o cônjuge aos próprios fins ou projetos. A pessoa não se dispersa na relação nem se funde com a pessoa amada, permanece sempre um núcleo intransferível. Isso não deve ser entendido como um limite ou uma pobreza do amor recíproco; pelo contrário, permite manter intacto aquele nível de respeito e admiração que fazem parte de todo amor saudável, que nunca pretende absorver o outro.

127. Isto é confirmado pelo fato de que existe uma dimensão da pessoa que, sendo a mais profunda, transcende todas as outras – incluindo a corporal – e onde somente Deus pode entrar sem violá-la. Há um núcleo do ser humano no qual somente o amor infinito de Deus pode reinar. Somente Ele tem o amor onipotente e criador que torna possível a própria existência da liberdade. Portanto, se Ele a toca, só pode fortalecê-la, promovê-la, exaltá-la em sua própria natureza, sem qualquer possibilidade de mutilá-la, dominá-la, enfraquecê-la ou sobrepor-se a ela. De fato, «só Deus penetra [illabitur] na alma»[202]: somente Deus pode entrar no profundo do coração humano, pois somente Ele pode fazê-lo sem perturbar a liberdade e a identidade da pessoa[203]. Deus, através da graça, torna-se plenamente próximo, com uma identificação no mais profundo do ser humano que só Ele pode alcançar[204]. Portanto, «ninguém pode pretender possuir a intimidade mais pessoal e secreta da pessoa amada»[205].

128. À medida que o amor amadurece, o casal poderá compreender e aceitar pacificamente que a preciosa pertença recíproca que caracteriza o casamento não é uma posse, mas deixa abertas muitas possibilidades. Por exemplo, que um dos dois peça um momento de reflexão, ou algum espaço habitual de solidão ou autonomia, ou que recuse a intrusão do outro em algum âmbito de sua intimidade, ou que conserve algum segredo pessoal guardado no sancta sanctorum de sua consciência sem ser seguido ou observado.

129. Quando o amor amadurece, esse “nós dois” possui toda a força da união livremente escolhida por ambos, toda a alegria de uma memória comum, toda a satisfação do caminho e dos sonhos compartilhados, toda a segurança que deriva de sentir que não se está e não se estará sozinho. Mas essa beleza é exaltada por uma magnífica liberdade que nenhum amor verdadeiro seria capaz de ferir.

130. Portanto, o matrimônio também exclui um controle que possa dar segurança, certeza absoluta, ausência de qualquer surpresa. Em um amor maduro, se o outro precisa de espaço para redescobrir o mundo, só há lugar para a confiança, não para a pretensão de tranquilidade absoluta, desprovida de qualquer medo secreto, incapaz de enfrentar novos desafios. Nesse sentido, o casamento não nos liberta completamente da solidão, porque o cônjuge não pode alcançar um espaço que só pode ser de Deus, nem preencher um próprio vazio interior que nenhum ser humano é capaz de preencher. O fato de seu afeto não ser perfeito não significa que seja falso, que seja totalmente egoísta, que não seja autêntico, mas simplesmente que é terreno, limitado, que não se pode esperar que satisfaça todas as nossas necessidades.

Ajuda mútua

131. Certamente, esta capacidade de aceitar o risco da liberdade não implica que um cônjuge muito sensível à defesa de seus espaços de autonomia cultive uma indiferença em relação aos medos do outro, uma confiança excessiva em si mesmo, uma pretensão de total independência que o limitado coração humano da outra parte, sobretudo se o ama, não poderá aceitar sem grande sofrimento. Não pode sentir-se salvo em sua autossuficiência autônoma, porque uma aliança de amor implica também o reconhecimento de que o outro precisa dele.

132. Juntamente com a salvaguarda de uma liberdade saudável, a Palavra de Deus, embora aprove o pedido de espaços de autonomia e solidão por um certo período, também exige: «não se recusem um ao outro» (1Cor 7, 5). Quando a distância se torna muito frequente, o “nós dois” se expõe ao seu possível eclipse, ao enfraquecimento do desejo do outro. Em todo caso, se a atração mútua enfraquece, é sempre possível encontrar um espaço de diálogo sincero para sanar o que provoca o afastamento recíproco. Em última análise, é sempre possível buscar caminhos alternativos que consolidem e enriqueçam o “nós” de uma maneira inédita. Trata-se de um equilíbrio saudável, mas difícil, que cada casal alcança à sua maneira, através do diálogo sincero e da doação recíproca.

133. A pertença recíproca torna-se ajuda mútua, que não busca só a felicidade do cônjuge e o alívio de suas dores, mas também o ajudar-se um ao outro para amadurecer como pessoas, até chegar ao fim último da vida de ambos diante de Deus, no banquete do céu. São Paulo VI lembra que mediante «a doação pessoal recíproca, que lhes é própria e exclusiva, os esposos tendem para a comunhão dos seus seres, em vista de um aperfeiçoamento mútuo pessoal»[206]. A oração como casal é certamente um meio precioso para crescer no amor e para se santificarem juntos, oração que «tem como conteúdo original a própria vida de família»[207]. Neste caminho de santificação – diz Sertillanges – não se deve excluir a sexualidade vivida como expressão santa de uma plena doação de si ao outro, como Cristo e sua Igreja se doam mutuamente: «O ato assim realizado não é somente lícito, como efeito de uma instituição natural e legal; ele não é apenas virtuoso, como útil e implicado nos fins úteis; ele é santo pela santidade do sacramento no qual é empregado, da santidade da união sagrada de toda a humanidade com seu Redentor»[208].

134. Uma reflexão sobre a monogamia implica o reconhecimento do fato de que a singularidade do cônjuge reflete, na ordem “horizontal” das relações humanas, a singularidade da relação da pessoa humana com o Infinito divino. Pensar na monogamia significa questionar a relação do amor humano com sua realização última. Toda relação amorosa invoca silenciosamente a presença de um Terceiro infinito, que é o próprio Deus[209]. Sem esse Terceiro, o amor facilmente se fecha em sua finitude e desmorona. A exclusividade conjugal aparece então não como uma limitação, mas como a condição de possibilidade de um amor sobrenatural que, além da carne, abre-se para o eterno. De fato, Santo Tomás de Aquino ensina que o próprio «Espírito Santo procede invisivelmente à alma pelo dom do amor»[210], pelo que, consequentemente, na experiência do amor autêntico nos associamos àquele Amor infinito que é o Espírito Santo. É precisamente a experiência de um amor tão próximo, como o do matrimônio, que faz surgir no coração humano o desejo de um amor não só para sempre, mas sem fim. Então, o amor dos cônjuges torna-se epifania do destino transcendente e eterno da pessoa humana. Porque somente um amor capaz de transcender o amor humano, um Amor eterno e infinito, pode responder a esse desejo de amor “para sempre” e “sem fim” que suscita o amor conjugal. E é por isso que a experiência dessa proximidade particular e intensa, oferecida pelo vínculo conjugal, está destinada, em última análise, a revelar ao coração de cada homem e cada mulher o desejo daquela proximidade incomparável que só Deus pode oferecer de forma plena e definitiva. E o próprio Deus, tornando-se homem, começa a responder a esse desejo, conferindo também à proximidade que nasce do vínculo matrimonial o selo da unicidade, que é precisamente sinal e garantia da comunhão de Deus com cada um de nós numa aliança de amor sem fim. Consequentemente, como não pensar no casamento como um caminho de ajuda mútua para nos santificarmos juntos e para alcançarmos os cumes da união com Deus?

135. A ajuda recíproca para a santificação, na qual os dois se apoiam «mutuamente na graça»[211], realiza-se sobretudo no exercício da caridade conjugal, porque só a caridade exercida concretamente para com o outro nos permite crescer na vida da graça, e sem a caridade qualquer esforço para a santificação «de nada me serviria» (1Cor 13, 3). Por esta razão, as últimas páginas deste documento são dedicadas àquela força unificadora que é a caridade conjugal.

Caridade conjugal

136. Já se discutiu sobre o caráter recíproco da união conjugal, que pode ser considerada como uma forma de amizade íntima e totalizante. A esse respeito, é útil lembrar que o próprio Santo Tomás especifica que a amizade é «fundada em alguma comunhão»[212]. Mais do que algumas afinidades ideológicas ou estéticas, que podem ser muito importantes, trata-se da comunhão que cria o amor, que com sua força unificadora torna os cônjuges semelhantes entre si, aumenta as coisas que compartilham, cria um tesouro de vida entre os dois. Portanto, antes de tudo, é preciso dizer que, para falar de amizade, é preciso haver amor.

Uma forma particular de amizade

137. Não se pode compreender bem o matrimônio sem falar do amor, que para os cristãos é sempre chamado a atingir os picos da caridade, o amor sobrenatural que «tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1Cor 13, 7). De fato, a «graça própria do sacramento do Matrimônio destina-se a aperfeiçoar o amor dos cônjuges»[213]. Esse amor sobrenatural é um dom divino, que se pede na oração e se alimenta na vida sacramental, e convida os cônjuges a lembrar que Deus é o principal autor da unidade do matrimônio e que, sem a sua ajuda, a união deles nunca poderá alcançar a sua plenitude. Quando no rito latino do matrimônio se relatam as palavras do Senhor: «Ninguém separe o que Deus uniu»[214] (cf. Mt 19, 6; Mc 10, 9), nota-se que a unidade conjugal não é constituída apenas pelo consentimento humano, mas é obra do Espírito Santo. O mesmo se deve dizer do crescimento na comunhão dos cônjuges, animados pela graça e pela caridade. Essa comunhão se desenvolve correspondendo a uma «vocação de Deus e [é]actuada como resposta filial ao seu apelo»[215]. Mas o crescimento da caridade não ocorre sem a cooperação humana: neste caso, a colaboração dos cônjuges que buscam todos os dias uma comunhão cada vez mais intensa, rica e generosa.

138. A caridade – incluindo a caridade conjugal – é uma união afetiva, entendendo-se aqui por “afetivo” algo mais do que sentimentos e desejos: «comporta certa união afetiva entre o que ama e o que é amado, enquanto considera a este como, de certo modo, unido a si»[216]. Ela se expressa na ação da vontade[217] que quer, escolhe alguém, decide entrar em íntima comunhão com ele, une-se a essa pessoa livremente, com todos os efeitos mais ou menos intensos que isso pode implicar na sensibilidade sob a forma de desejo, emoções, atração sexual, sensualidade. Mesmo quando esses efeitos sobre a sensibilidade ou o corpo enfraquecem ou se transformam nas várias fases da vida, a união afetiva permanece, às vezes com grande intensidade, na vontade. É a vontade que deseja permanecer em união com o outro ser humano, apreciando o seu «grande valor»[218] e constituindo com ele «uma única coisa consigo mesmo»[219].

139. Só assim é possível sustentar a fidelidade nos momentos adversos ou na tentação, porque a caridade nos mantém agarrados a um valor mais alto do que a satisfação das necessidades pessoais. Neste sentido, não podemos transcurar os vários testemunhos de casais, segundo os quais os cônjuges se sustentam mutuamente nas várias dificuldades da vida, às vezes em provações que duram anos, testemunhando assim a relevância profética da monogamia. Isso é bem expresso na fórmula do consentimento do rito do matrimônio: «te prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida»[220]. A caridade conjugal, precisamente, com a sua força unitiva, torna possível que esta promessa se cumpra verdadeiramente. Esta união afetiva, fiel e total, configura-se no matrimônio como uma amizade, porque a caridade é uma forma de amizade[221]. E o Papa Francisco, citando Santo Tomás de Aquino, sustenta que «depois do amor que nos une a Deus, o amor conjugal é a “amizade maior”»[222].

140. No Antigo Testamento há uma afirmação peremptória, referida à necessidade de amar: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo» (Lv 19, 18). Trata-se de uma afirmação que aparece ao final de um trecho em que são continuamente lembradas as obrigações do piedoso israelita para com aqueles que são o seu “próximo”. Esta é uma afirmação muito conhecida, pois Jesus a retoma e relança (cf. Mt 22, 39; Mc 12, 31; Lc 10, 29-37). Ele estabelece, assim, uma ligação muito especial entre a realidade do amor, fenômeno tão universal, e a categoria de “próximo”. Dessa forma, o próprio amor, quando é autêntico, não se dirige apenas àqueles que estão ao nosso lado, mas é também capaz de gerar uma “proximidade”. Resulta assim que o “próximo” é aquele com quem se realiza uma particular partilha de vida. Nesse sentido, justamente o amor conjugal revela e encarna uma “proximidade” especial, que faz ressoar de maneira particularmente convincente o que está contido no mandamento. O amor dos cônjuges, efetivamente, realiza e evoca uma proximidade única e singular entre dois corações que se amam, gerando uma afinidade especial que se nutre de uma tal partilha de si mesmo, dos bens e de toda a vida, que a profundidade do amor conjugal é capaz de realizar com intensidade incomparável. À medida que o amor amadurece e cresce no casamento, o coração da pessoa amada percebe que nenhum outro coração é capaz de fazê-la sentir-se “em casa” como o da pessoa que ela ama.

Em corpo e alma

141. Essa amizade conjugal, repleta de conhecimento mútuo, apreço pelo outro, cumplicidade, intimidade, compreensão e paciência, de busca do bem do outro ede gestos sensíveis, na medida em que supera a sexualidade, ao mesmo tempo a abraça e lhe dá seu significado mais bonito, profundo, unitivo e fecundo. A este respeito, o Papa Francisco recorda que o «próprio Deus criou a sexualidade, que é um presente maravilhoso»[223]. Paralelamente, a união sexual, «vivida de forma humana e santificada pelo sacramento […] é, por sua vez, um caminho de crescimento na vida da graça para os esposos»[224]. Por isso, colocar a sexualidade no quadro próprio de um amor que une os cônjuges numa única amizade, que busca o bem do outro, não implica uma desvalorização do prazer sexual. Orientando-o para a doação de si mesmo, ele não só é valorizado, mas também pode ser potencializado. Santo Tomás de Aquino explica-o muito bem quando lembra que «a natureza ajuntou o prazer às atividades necessárias à vida do homem» e que «pecaria quem evitasse os prazeres sensíveis a ponto de desprezar o que é necessário à conservação da natureza contrariando a ordem natural. Nisso consiste o vício da insensibilidade»[225]. Dentro dessa lógica, Santo Tomás sustenta que, antes do pecado original, o prazer sensível era maior, pois a natureza era mais pura, mais íntegra e, consequentemente, o corpo era mais sensível. Isso impede a ansiosa licenciosidade que acaba prejudicando o prazer, privando-o das possibilidades de uma experiência autenticamente humana[226]. Nas capacidades especificamente humanas, que permitem ao espírito humano permear a sensibilidade, orientá-la e levá-la à plenitude, não se pode dizer que «o prazer sensível aí teria sido menor», mas sim torna-se possível em toda a sua plenitude e riqueza, «porque a potência concupiscível não se teria elevado com tal desordem acima do prazer »[227]. Viver a sexualidade como ação de todo o ser humano, em sua corporeidade e interioridade, graças também ao poder transfigurador da caridade, significa que ela não é vivida passivamente, como um simples deixar-se levar pelos impulsos, mas como a ação da pessoa que escolhe unir-se plenamente ao outro.

142. Vista dessa maneira, a sexualidade não é mais a satisfação de uma necessidade imediata, mas é uma escolha pessoal que expressa a totalidade da própria pessoa e assume o outro como uma totalidade pessoal. Esta verdade, em vez de comprometer a intensidade do prazer, pode aumentá-lo, torná-lo mais intenso, rico e gratificante. O simples fato de ser tratado como uma pessoa e de tratar o outro da mesma forma pode libertar o coração de traumas, medos, angústias, ansiedades, sentimentos de solidão, abandono, incapacidade de amar, que certamente prejudicam o prazer. Além disso, o desenvolvimento do amor como virtude humana e teologal ajuda a libertar o melhor de cada pessoa em sua identidade única, tornando-a capaz de uma alegria maior e mais humana, a ponto de dar graças a Deus que criou tudo «para que possamos desfrutar» (1Tm 6, 17). Tudo isso não tira da união sexual aquela «abundância de prazer que está no ato venéreo ordenado segundo a razão» e que «não contradiz o meio da virtude»[228]. Em vez disso, se nos fechamos em nós mesmos e em nossas necessidades imediatas, e usamos o outro apenas como meio para satisfazê-las, o prazer deixa-nos mais insatisfeitos e o sentimento de vazio e solidão torna-se mais amargo.

143. Falando sobre a caridade conjugal, Karol Wojtyła convida a superar toda dialética inútil, explicando que «o amor-virtude se refere ao amor efetivo, assim como ao amor da concupiscência»[229]. O Papa Bento XVI, em Deus caritas est, reitera que o amor oblativo (amor benevolentiae) e o amor possessivo (amor concupiscentiae) não podem ser separados um do outro, porque «no fundo, o “amor” é uma única realidade, embora com distintas dimensões; caso a caso, pode uma ou outra dimensão sobressair. Mas, quando as duas dimensões se separam completamente uma da outra, surge uma caricatura ou, de qualquer modo, uma forma redutiva do amor»[230]. Quando falamos do amor de concupiscência, não devemos entender apenas o desejo sexual, mas também qualquer forma de buscar o outro como “um bem para mim”, para superar a solidão, para receber ajuda nas dificuldades, para ter um espaço de total confiança, etc. Essa forma de amor, que não é descartada do casamento, é uma maneira de expressar que eu não sou o salvador do outro nem um onipotente e inesgotável doador de bens, mas sou um ser necessitado, que também preciso do outro, que também sou incompleto e frágil e que, portanto, o outro é importante para mim e eu lhe dou a possibilidade de se tornar fecundo, fazendo-me bem. Fazer o contrário seria uma espécie de autossuficiência que pode ser facilmente transformada em um egocentrismo disfarçado, porque Satanás «se disfarça em anjo de luz» (2Cor 11, 14). Bento XVI explica assim que «o homem também não pode viver exclusivamente no amor oblativo, descendente. Não pode limitar-se sempre a dar, deve também receber. Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom»[231].

144. Nesse sentido, não podemos ignorar que, nas últimas décadas, no contexto do individualismo consumista pós-moderno, surgiram diversos problemas originados por uma busca excessiva e descontrolada por sexo, ou pela simples negação do fim procriador da sexualidade. Como peculiaridade das últimas décadas, pode-se destacar a negação explícita do fim unitivo da sexualidade e do próprio casamento. Isto ocorre especialmente devido à sensação de ansiedade, de estar sempre ocupado, de querer ter mais tempo livre para si mesmo, de estar sempre obcecado por viajar e conhecer outras realidades. Consequentemente, desaparece o desejo de troca afetiva, das próprias relações sexuais, mas também de diálogo e cooperação, coisas que são vistas como “estressantes”.

A fecundidade multiforme do amor

145. Uma visão integral da caridade conjugal não nega a sua fecundidade, a possibilidade de gerar uma nova vida, porque esta «totalidade, pedida pelo amor conjugal, corresponde também às exigências de uma fecundidade responsável»[232]. A união sexual, como forma de expressão da caridade conjugal, deve naturalmente permanecer aberta à comunicação da vida[233], mesmo que isso não signifique que este deva ser um objetivo explícito de cada ato sexual. Com efeito, podem ocorrer três situações legítimas:

a) Que um casal não possa ter filhos. Karol Wojtyła explica isso magnificamente, quando lembra que o casamento possui «uma estrutura interpessoal, é uma união e uma comunidade de duas pessoas [...]. Por muitas razões, o casamento pode não se tornar família, mas a falta desta não o priva de seu caráter essencial. De fato, a razão de ser interior e essencial do matrimônio não é apenas transformar-se em família, mas sobretudo constituir uma união de duas pessoas, uma união duradoura e fundada no amor [...]. Um matrimônio em que não há filhos, sem culpa dos cônjuges, conserva o valor integral da instituição [...] não perde nada de sua importância»[234].

b) Que um casal não procure conscientemente um determinado ato sexual como meio de procriação. Wojtyła também o afirma, sustentando que um ato conjugal, que «sendo em si mesmo um ato de amor que une duas pessoas, pode não ser necessariamente considerado por elas como um meio consciente e desejado de procriação»[235].

c) Que um casal respeite os períodos naturais de infertilidade. Seguindo esta linha de reflexão, como afirma São Paulo VI: «a Igreja ensina que então é lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimônio só nos períodos infecundos»[236]. Isso pode servir não só para «regular a natalidade», mas também para escolher os momentos mais oportunos para acolher uma nova vida. Enquanto isso, o casal pode aproveitar esses períodos «como manifestação de afeto e como salvaguarda da fidelidade mútua. Procedendo assim, eles dão prova de amor verdadeira e integralmente honesto»[237].

146. Tudo isso mostra a importante novidade que o Papa Pio XI oferece quando afirma que o amor conjugal «permeia todos os deveres da vida conjugal e, no matrimônio cristão, tem como primazia a nobreza»[238]. Desta forma, ele ajuda a superar a discussão sobre a relação entre os fins ou significados do matrimônio (procriador e unitivo) e a ordem que existe entre eles, colocando a caridade conjugal acima desta dialética dos fins e dos bens como questão central da vida conjugal, o que, por sua vez, lhe confere uma fecundidade multiforme. Os cônjuges, mesmo nos momentos mais difíceis, podem dizer: “Somos amigos, nos amamos, nos valorizamos, decidimos compartilhar toda a nossa vida, pertencemos um ao outro e escolhemos livremente esta união que o próprio Deus abençoou e consolidou. Se em um momento não há filhos, permanecemos unidos e somos fecundos de outras maneiras; se em um momento não há sexo, continuamos a viver esta amizade única, exclusiva e totalizante, que é também o nosso melhor caminho de amadurecimento e santificação”.

147. O próprio Santo Agostinho, que enfatiza tão fortemente o fim da procriação, ensina que o matrimônio em si mesmo, mesmo não havendo filhos, éum bem «pelo convívio social de ambos os sexos. Porque se assim não fosse, não poderíamos falar de matrimônio entre idosos, particularmente se já perderam os filhos ou se nunca os tiveram»[239]. Uma posição semelhante, expressa com outras palavras, é defendida por São João Crisóstomo: «Mas o que acontece quando não houver uma criança? Não serão dois? Serão; mas a cópula faz isso: funde e mistura o corpo de ambos, e, como quem mistura unguento com o óleo, faz uma coisa só, assim também aqui»[240]. Substanciamente, isto é afirmado também pelo Concílio Vaticano II: «mesmo que faltem os filhos, tantas vezes ardentemente desejados, o matrimônio conserva o seu valor e indissolubilidade, como comunidade e comunhão de toda a vida»[241].

148. Um autor ilustra bem que, além dos “objetivos” que os cônjuges podem estabelecer, que não constituem a essência do matrimônio, «a união-unidade que o casamento implica, explica-se e justifica-se por si mesma, com prioridade à sua tensão teleológica, porque é uma união-unidade que possui em si mesma a sua própria e completa razão de bem, da qual derivam, sem dúvida, determinadas obras próprias, mas como consequências, nunca como causas»[242]. Dessa união-unidade, que pertence à essência do matrimônio, a caridade conjugal é a principal e mais perfeita expressão moral e espiritual que dá ao matrimônio diversas formas de fecundidade.

Uma amizade aberta a todos

149. Do que foi dito, conclui-se que uma união exclusiva gerada e sustentada pelo amor verdadeiro, mesmo que ainda imaturo e frágil, não pode ser fechada em si mesma; ela não é a prolongação do individualismo na vida do casal, mas está aberta a outras relações, disposta à doação de si, aos projetos compartilhados pelos dois para fazer algo de bom para a comunidade e para o mundo.

150. Se o matrimônio já é, por si só, um quadro de relacionamento que amadurece ambos os cônjuges, isso é ainda mais verdadeiro quando ele é generosamente aberto aos outros, superando assim «uma originária e trágica reclusão do homem em si próprio»[243] que leva a pensar que, isolando-se, a pessoa é mais livre e mais feliz. Porque de «natureza espiritual, a criatura humana realiza-se nas relações interpessoais: quanto mais as vive de forma autêntica, tanto mais amadurece a própria identidade pessoal. Não é isolando-se que o homem se valoriza a si mesmo, mas relacionando-se com os outros e com Deus»[244].

151. Como ensina o Papa Francisco em seu apelo à fraternidade universal em sua Encíclica Fratelli tutti, a caridade é chamada a um crescimento intensivo, mas também extensivo, que «tende a abraçar a todos»[245]. A caridade, portanto, nos leva a ampliar o “nós” conjugal: «Mas não posso reduzir a minha vida à relação com um pequeno grupo, nem mesmo à minha própria família, porque é impossível compreender-me a mim mesmo sem uma teia mais ampla de relações […]. O vínculo de casal e de amizade está orientado para abrir o coração em redor, para nos tornar capazes de sair de nós mesmos até acolher a todos. Os grupos fechados e os casais autorreferenciais, que se constituem como um «nós» contraposto ao mundo inteiro, habitualmente são formas idealizadas de egoísmo e mera autoproteção»[246].

152. O risco da “endogamia”, ou seja, de um “nós” fechado, contradiz a própria natureza da caridade e pode feri-la mortalmente. Quatro fatores podem prevenir essa “endogamia” que desvirtua e empobrece o sentido da união conjugal:

a) Os espaços que cada um dos cônjuges vive no trabalho, nas iniciativas pessoais, nos momentos de aprendizagem e desenvolvimento fora da vida matrimonial. Se um dos dois não tem um emprego, torna-se necessário criar esses espaços para o bem do casamento, enriquecendo o diálogo e a relação em geral.

b) O significado procriador do casamento, que manifesta a fecundidade do amor que não se fecha à transmissão da vida. Para aqueles que não podem ter filhos, a adoção ou outras formas de apoio estável aos filhos de outros casais podem ser uma forma de realizar esta fecundidade.

c) O tempo que se compartilha com outros amigos casados, durante o qual, além de aprender com as experiências dos outros e receber apoio deles, há uma disponibilidade constante para auxiliar nos momentos difíceis, ajudando ao mesmo tempo o casal a tomar consciência de si mesmo como união, graças à amizade com outros casais.

d) O sentido social do casal, que, fiel à dimensão social da vida cristã, busca maneiras de prestar um serviço à sociedade e à Igreja, comprometendo-se juntos na busca do bem comum: «Mesmo a família com muitos filhos é chamada a deixar a sua marca na sociedade onde está inserida, desenvolvendo outras formas de fecundidade que são uma espécie de extensão do amor que a sustenta [...]. Não fica à espera, mas sai de si mesma à procura de solidariedade»[247]. «O amor social, reflexo da Trindade, é o que unifica o sentido espiritual da família e a sua missão fora de si mesma»[248].

153. Uma prova particular da abertura da amizade do casal para com os outros e da fecundidade da sua caridade manifesta-se na sua atenção para com os pobres. A propósito, recorda o Papa Leão XIV que «o cristão não pode considerar os pobres apenas como um problema social: eles são uma “questão familiar”. Pertencem “aos nossos”»[249]. Além disso, «o amor aos pobres – seja qual for a forma dessa pobreza – é a garantia evangélica de uma Igreja fiel ao coração de Deus»[250]. Esta realidade reflete-se em uma das opções para a bênção final no rito latino do matrimônio, que termina com a oração: «Sede no mundo um sinal do amor de Deus, abri vossas portas aos pobres e infelizes, que um dia vos receberão, agradecidos, na casa do Pai»[251].

 

VII. Conclusão

154. Em suma, embora cada união matrimonial seja uma realidade única, encarnada nos limites humanos, todo matrimônio autêntico é uma unidade composta por dois indivíduos, que requer uma relação tão íntima e totalizante que não pode ser compartilhada com outros. Ao mesmo tempo, por ser uma união entre duas pessoas que têm exatamente a mesma dignidade e os mesmos direitos, exige aquela exclusividade que impede que o outro seja relativizado em seu valor único e seja usado apenas como um meio entre outros para satisfazer necessidades. Esta é a verdade da monogamia que a Igreja lê na Escritura, quando afirma que dois se tornam “uma só carne”. É a primeira característica essencial e inalienável daquela amizade tão peculiar que é o casamento, e que requer como manifestação existencial uma relação totalizante – espiritual e corporal – que amadurece e cresce cada vez mais para uma união que reflete a beleza da comunhão trinitária e da união entre Cristo e seu amado Povo. Isso se verifica a tal ponto que podemos reconhecer «na íntima união conjugal, pela qual duas pessoas se tornam um só coração, uma só alma, uma só carne, o primeiro sentido original do matrimônio»[252].

155. O caminho percorrido ao longo desta Nota permite agora destacar uma evolução do pensamento cristão sobre o matrimônio, desde a antiguidade até os dias de hoje, sendo evidente que das suas duas propriedades essenciais – unidade e indissolubilidade – a unidade é a propriedade fundante. Por um lado, porque a indissolubilidade deriva como uma característica de uma união única e exclusiva;por outro lado, porque a unidade-união, aceitada e vivida com todas as suas consequências, torna possível a permanência e a fidelidade que a indissolubilidade exige. De fato, vários documentos magisteriais descreveram a união matrimonial simplesmente como «unidade indissolúvel»[253].

156. Esta união exige o crescimento constante do amor: «O amor matrimonial não se estimula falando, antes de mais nada, da indissolubilidade como uma obrigação, nem repetindo uma doutrina, mas robustecendo-o por meio dum crescimento constante sob o impulso da graça. O amor que não cresce, começa a correr perigo; e só podemos crescer correspondendo à graça divina com mais actos de amor, com actos de carinho mais frequentes, mais intensos, mais generosos, mais ternos, mais alegres»[254]. A unidade matrimonial não é apenas uma realidade que deve ser cada vez melhor compreendida em seu sentido mais belo, mas também uma realidade dinâmica, chamada a um desenvolvimento contínuo. Como afirma o Concílio Vaticano II, o marido e a esposa «tomam consciência da própria unidade e cada vez mais a realizam»[255]. Porque «o melhor ainda não foi alcançado, o vinho sazonado com o tempo»[256].


O Sumo Pontífice Leão XIV, na Audiência concedida ao subscrito Prefeito e ao Secretário para a Seção Doutrinal do Dicastério para a Doutrina da Fé, no dia 21 de novembro de 2025, Memória Litúrgica da Apresentação da Beata Virgem Maria, aprovou a presente Nota, deliberada na Sessão Ordinária deste Dicastério no dia 19 de novembro de 2025 e ordenou sua publicação.

Dado em Roma, na sede do Dicastério para a Doutrina da Fé, a 25 de novembro de 2025.

Víctor Manuel Card. Fernández
Prefeito

Mons. Armando Matteo
Secretário
para a Seção Doutrinal

Ex Audientia Die 21 novembris 2025
Leo PP. XIV

 

 

 


[1] Francisco, Audiência geral (23 de outubro de 2024): L’Osservatore Romano (23 ottobre 2024), 2.

[2] João Paulo II, Homilia na Missa para as famílias em Kinshasa (3 de maio de 1980), n. 2: AAS 72 (1980), 425.

[3] O “Symposium of Episcopal Conferences of Africa and Madagascar” (SECAM) assumiu o compromisso de redigir um relatório para o Sínodo dos Bispos sobre os desafios da poligamia. Enquanto se aguarda esse documento, parece oportuno salientar que, segundo uma opinião comum, o matrimônio monogâmico na África seria considerado uma exceção, dada a difusão da prática da poligamia nessas regiões. No entanto, estudos aprofundados sobre as culturas africanas mostram que as diferentes tradições atribuem uma importância especial ao primeiro matrimônio entre um homem e uma mulher e, sobretudo, ao papel que a primeira esposa é chamada a desempenhar em relação às outras esposas. Com efeito, as pesquisas indicam que a poligamia é uma prática tolerada devido às necessidades da vida (ausência de filhos, levirato, mão de obra para a sobrevivência, etc.). Por isso, muitas tradições promovem o modelo monogâmico como o ideal de matrimônio que corresponde aos desígnios divinos. A primeira esposa, casada regularmente de acordo com os costumes tradicionais, é frequentemente apresentada como aquela dada por Deus ao homem, embora este possa acolher outras mulheres. No caso da poligamia, à primeira esposa é reconhecido um lugar especial na realização dos rituais sagrados relacionados com os funerais ou na educação dos filhos nascidos de outras mulheres da família. É interessante notar que, nas últimas décadas, em alguns Estados, o legislador civil estabeleceu a monogamia como regime matrimonial ordinário (cf. Société Africaine de Culture, Les religions africaines comme source de valeurs de civilisation. Colloque de Cotonou, 16-22 août 1970, Présence Africaine, Paris 1972; Isidore de Souza, “Mariage et famille”, in Revue de l’Institut Catholique de l’Afrique de l’Ouest 5-6 [1993], 164; Id., “Notion et réalité de la famille en Afrique et dans la Bible”, in Savanes Forêts 30 [1984], 145-146).

[4] Can. 1056 CIC (grifo nosso). Cf. can. 776, § 3 CCEO.

[5] Can. 1134 CIC (grifo nosso). Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1638.

[6] O Suplemento da Summa Theologiae (Suppl., q. 44, a. 3) afirma a definição de matrimônio dada por Pedro Lombardo in Id., Sent. IV, d. 27, c. 2 (164): «Sunt igitur nuptiae vel matrimonium viri mulierisque coniunctio maritalis, inter legitimas personas, individuam vitae consuetudinem retinens».

[7] Tomás de Aquino, Summa Theologiae, Suppl., q. 44, a. 1. resp. (grifo nosso).

[8] Justiniano, Institutas, I, 9, 1: Institutas do Imperador Justiniano, tr. de A. Coelho Rodrigues, Typographia Mercantil, Recife 1879, 23.

[9] D. von Hildebrand, L’enciclica Humanae vitae: segno di contraddizione, Paoline, Roma, 1968, 43.

[10] João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 19: AAS 74 (1982) 101-102 (grifo nosso).

[11] Agostinho, In Ioannis Evangelium, tract. XXVI, 4 (“Da amantem, et sentit quod dico”): PL 35, 1608.

[12] Paulo VI, Discurso aos casais do movimento “Equipes de Nossa Senhora” (4 de maio de 1970), n. 6: AAS 62 (1970) 430.

[13] Bento XVI, Encontro com os jovens da Diocese de Roma em preparação para a XXI Jornada Mundial da Juventude (6 de abril de 2006), n. 2: AAS 98 (2006), 351. Cf. João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 68: AAS 74 (1982), 163-165.

[14] João Paulo II, Audiência geral (13 de agosto de 1980), n. 2: Insegnamenti III, 2 (1980), 397.

[15] Cf. Pontificia Commissione Biblica, Che cos’è l’uomo? (Sal 8,5). Un itinerario di antropologia biblica (30 settembre 2019), n. 173: Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano 2019, 148-149.

[16] Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 12: AAS 108 (2016), 315-316.

[17] Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 11: AAS 98 (2006), 226-227.

[18] Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 13: AAS 108 (2016), 316.

[19] João Paulo II, Audiência geral (27 de agosto de 1980), n. 4: Ensinamentos III, 2 (1980), 454.

[20] Bento XVI, Discurso por ocasião do XXV aniversário da fundação do Pontifício Instituto “João Paulo IIpara estudos sobre o matrimônio e a família (11 de maio de 2006): Ensinamentos II, 1 (2006), 579. Cf. Id., Carta enc. Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 11: AAS 98 (2006), 226-227.

[21] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 48: AAS 58 (1966), 1067; Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 67: AAS 108 (2016), 338.

[22] Em grego: «Τίμιος ὁ γάμος ἐν πᾶσιν καὶ ἡ κοίτη ἀμίαντος» (Hb 13, 4).

[23] João Crisóstomo, De virginitate, 19: PG 48, 547.

[24] Agostinho, Comentário ao Gênesis, tr. de Fr. A. Belmonte, IX, cap. 7, n. 12, in Patrística/21, Paulus, São Paulo 2005, 322: PL 34, 397.

[25] Id., Dos Bens do Matrimônio, 1, 1: PL 40, 373.

[26] Tertuliano, Ad uxorem, II, 8, 6-7: CCSL 1, 393, como citado no Catecismo da Igreja Católica, n. 1642 (cf. PL 1, 1302A-B). Observa-se, à margem, que Tertuliano tratou do tema da monogamia em uma obra específica: De monogamia (PL 2, 929-954). Além disso, outro Padre que abordou diretamente o assunto foi Jerônimo. Cf. Epistula 123, ad Geruchiam de monogamia (PL 22, 1046-1059).

[27] Ambrósio, Expositio Evangelii secundum Lucam, VIII, 7: PL 15, 1767.

[28] João Crisóstomo, Commentarium in Matthaeum, hom. 62, 2: PG 58, 597.

[29] Lactâncio, Divinae institutiones, VI, 23: PL 6, 720.

[30] Cf. Pio XII, Carta enc. Mystici Corporis Christi (29 de junho de 1943), «Matrimonio enim, quo coniuges sibi invicem sunt ministri gratiae, externo Christianae consortionis providetur ordinateque incremento»: AAS 35 (1943), 202.

[31] João Crisóstomo, Homilias sobre a primeira carta a Timóteo, tr. de Mosteiro de Maria Mãe do Cristo, hom. 9, in Patrística/27: Comentário às Cartas de São Paulo/3, 80: PG 62, 546. A Comissão Teológica Internacional procurou acolher a visão do Oriente cristão, explicando que é preciso evitar que o valor do consentimento dos cônjuges «faça do sacramento uma pura e simples emanação do seu amor. O sacramento, como tal, pertence totalmente ao mistério da Igreja, na qual eles são introduzidos, de modo privilegiado, pelo seu amor conjugal» (Comissão Teológica Internacional, A doutrina católica sobre o sacramento do matrimônio [1977], B. As “dezesseis teses cristológicas” de Gustave Marthelet, S.I., aprovadas “em forma genérica” pela Comissão Teológica Internacional, tese 10).

[32] Clemente de Alexandria, Stromata III, 12: PG 8, 1185B, que cita Rm 7, 12.

[33] João Crisóstomo, Quales ducendae sint uxores, 3: PG 51, 230 (grifo nosso).

[34] Gregório Nazianzeno, Oratione 37, 7: PG 36, 291.

[35] Boaventura, Breviloquium, VI, 13, 3, tr. a cura de M. Aprea, in Opuscoli teologici/2. Breviloquio, Opere di San Bonaventura 5/2, Città Nuova, Roma 1996, 293-295.

[36] A.M. de Ligório, Theologia moralis (Editio nova Leonardi Gaudé), Typis Polyglottis Vaticanis, Roma 1912, lib. VI, tract. VI, cap. II, dub. I, n. 882.

[37] Cf. Ibid., n. 882: «Em vez disso, os fins acidentais extrínsecos podem ser muitos, como a conquista da paz, a busca do prazer, etc.».

[38] Ibid., n. 883.

[39] Cf. D. von Hildebrand, Il matrimonio, tr. a cura de B. Magnino, Morcelliana, Brescia 1959.

[40] Id., Metaphysik der Gemeinschaft. Untersuchungen über Wesen und Wert der Gemeinschaft, Kirche und Gesellschaft 1, Haas & Grabherr, Augsburg 1930, 40.

[41] Ibid., 45.

[42] A. von Hildebrand, Man and Woman: A Divine Invention, Sapientia Press, Ave Maria (FL) 2010, xiii.

[43] Ibid., 58.

[44] Ibid., 10.

[45] Ibid., 135-136.

[46] Cf. Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 181: AAS 108 (2016), 383.

[47] H.U. von Balthasar, “Pneuma e istituzione”, in Spirito e istituzione. Saggi teologici IV, Jaca Book, Milano 2019, 232.

[48] Ibid., 236-237.

[49] H.U. von Balthasar, Gli stati di vita del Cristiano, Jaca Book, Milão 2017(3), 202-203.

[50] Id., “Pneuma e istituzione”, op. cit., 234.

[51] K. Rahner, Schriften zur Theologie, Band VIII, Benzinger, Einsiedeln–Zürich–Köln 1967, 539.

[52] Cf. Id., Sul matrimonio, tr. a cura di G. Ruggieri, Meditazioni teologiche 6, Queriniana, Brescia 1966, 10.

[53] Ibid.

[54] Id., Chiesa e sacramenti, tr. a cura de A. Bellini, Morcelliana, Brescia 1969(3), 106.

[55] A. Schmemann, For the Life of the World. Sacraments and Orthodoxy, St. Vladimir’s Seminary Press, Crestwood (NY) 1998(2), 90-91.

[56] P.N. Evdokimov, Le mariage, sacrement de l’amour, Editions du Livre Français, Lyon 1944, 199.

[57] J. Meyendorff, Marriage, An Orthodox Perspective, St. Vladimir’s Seminary Press, Crestwood (NY) 2000(3), 16.

[58] I. Zizioulas, Comunione e alterità, tr. a cura de M. Campatelli – G. Cesareo, Lipi, Roma 2016, 11.

[59] C. Yannaras, La libertà dell’ethos, tr. a cura de B. Petrà, Sequela oggi, Qiqajon, Magnano (BI) 2015, 164ss.

[60] Ibid.

[61] Inocêncio III, Carta Gaudemus in Domino (1201): DH 778.

[62] Cf. Ibid.: DH 779.

[63] Concílio de Lyon II, Sessão IV (6 de julho de 1274), Profissão de fé do Imperador Miguel VIII Paleólogo: DH 860.

[64]Cf. Concílio de Trento, Sessão XXIV (11 de novembro de 1563), Doutrina sobre o Sacramento do Matrimônio: DH 1798.

[65] Bento XIV, Declaração Matrimonia quae in locis (4 de novembro de 1741), n. 2: DH 2517.

[66] Leão XIII, Carta enc. Arcanum divinae Sapientiae (10 de fevereiro de 1880): ASS 12 (1879), 386-387 (grifo nosso).

[67] Ibid., 387.

[68] Ibid., 389.

[69] Ibid., 394.

[70] Pio XI, Carta enc. Casti connubii (31 de dezembro de 1930): AAS 22 (1930), 546.

[71] Ibid., AAS 22 (1930), 547-548 (grifo nosso); cf. Agostinho, Os bens do matrimônio, tr. de Pe. V. Rabanal OSA, 24, 32: PL 40, 394D.

[72] Pio XI, Carta enc. Casti connubii (31 de dezembro de 1930): AAS 22 (1930), 548 (grifo nosso).

[73] Ibid.: AAS 22 (1930), 566.

[74] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 48: AAS 58 (1966), 1067.

[75] Ibid., n. 48: AAS 58 (1966), 1068 (grifo nosso).

[76] Ibid.

[77] Ibid., n. 49: AAS 58 (1966), 1070.

[78] Ibid.

[79] Ibid.

[80] Ibid.

[81] Este mesmo argumento foi retomado por São João Paulo II quando explicou que a poligamia «é contrária à igual dignidade pessoal do homem e da mulher, que no matrimônio se doam com um amor total e, por isso mesmo, único e exclusivo» (João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio [22 de novembro de 1980], n. 19: AAS 74 [1982], 102; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes [7 de dezembro de 1965], n. 47: AAS 58 [1966], 1067).

[82] Paulo VI, Carta enc. Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 12: AAS 60 (1968), 488-489.

[83] Cf. ibid., n. 8: AAS 60 (1968), 485-486.

[84] Ibid., n. 12: AAS 60 (1968), 489.

[85] João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 11: AAS 74 (1982), 92.

[86] Cf. Id., Audiência geral (2 de janeiro de 1980): Ensinamentos III, 1 (1980), 11-15; Id., Audiência geral (9 de janeiro de 1980): Ensinamentos III, 1 (1980), 88-92; Id., Audiência geral (16 de janeiro de 1980): Ensinamentos III, 1 (1980), 148-152.

[87] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 24: AAS 58 (1966), 1045.

[88] João Paulo II, Homilia na Missa para as famílias em Kinshasa (3 de maio de 1980 ), n. 2: AAS 72 (1980), 425.

[89] João Paulo II, Audiência geral (13 de agosto de 1980), nn. 3-4: Ensinamentos III, 2 (1980), 398-399.

[90] Cf. Id., Audiência geral (20 de agosto de 1980 ): Ensinamentos III, 2 (1980), 415-419.

[91] Id., Homilia na Missa para as famílias em Kinshasa (3 de maio de 1980), n. 2: AAS 72 (1980), 425.

[92] Id., Audiência geral (27 de agosto de 1980), nn. 1, 4: Ensinamentos III, 2 (1980), 451, 453-454.

[93] Id., Audiência geral (24 de setembro de 1980), n. 5: Ensinamentos III, 2 (1980), 719-720.

[94] Id., Exort. ap. Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 19: AAS 74 (1982), 102.

[95] Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 11: AAS 98 (2006), 227.

[96] Ibid., n. 6: AAS 98 (2006), 222.

[97] Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 92: AAS 108 (2016), 348.

[98] Ibid., n. 93: AAS 108 (2016), 348.

[99] Ibid., n. 99: AAS 108 (2016), 350.

[100] Ibid., n. 100: AAS 108 (2016), 351.

[101] Cf. Ibid., nn. 101-102: AAS 108 (2016), 351-352.

[102] Ibid., n. 103: AAS 108 (2016), 352.

[103] Ibid., n. 108: AAS 108 (2016), 354.

[104] Ibid., n. 110: AAS 108 (2016), 354.

[105] Ibid., n. 115: AAS 108 (2016), 356.

[106] Ibid., n. 116: AAS 108 (2016), 356.

[107] Ibid., n. 122: AAS 108 (2016), 359, que cita Giovanni Paolo II, Exort. ap. Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), 9: AAS 74 (1982), 90.

[108] Francesco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 130: AAS 108 (2016), 362.

[109] Cf. Leão XIV, Mensagem por ocasião do 10º aniversário da canonização dos pais de Santa Teresa do Menino Jesus (18 de outubro de 2025): L’Osservatore Romano (18 de outubro de 2025), 5.

[110] Cf. Agostinho, Comentários aos Salmos (Enarrationes in psalmos), Salmos 101-150, Paulus, 127, 3: PL 37, 1679: «non ille unus et nos multi, sed et nos multi in illo uno unum».

[111] Leão XIV, Homilia para a Missa do Jubileu das Famílias, dos Avós e dos Idosos (1º de junho de 2025): L’Osservatore Romano (2 de junho de 2025), 2; que cita Paulo VI, Carta enc. Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 9: AAS 60 (1968), 486-487.

[112] Can. 1055, § 1 CIC (grifo nosso). Cf. can. 776, § 1-2 CCEO.

[113] Catecismo da Igreja Católica, n. 1645.

[114] Ibid., n. 1646.

[115] Ibid., n. 2381.

[116] Ibid., n. 2387.

[117] Tomás de Aquino, Suma contra os gentios, tr. de D. O. Mourão, III, cap. 123, n. 4, Vozes, Porto Alegre 1990.

[118] Id., Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira, I, q. 92, a. 3, resp., Loyola, São Paulo 2002; cf. Id., Suma contra os gentios, III, cap. 123, n. 4, Vozes, Porto Alegre 1990.

[119] Id., Suma contra os gentios, III, cap. 124, n. 1, Vozes, Porto Alegre 1990.

[120] Ibid., cap. 123, nn. 3-4.

[121] Ibid., cap. 124, nn. 3-5; que cita Aristóteles, Ética Nicômaca, VIII, c. 5, n. 5; ibid., VIII, c. 6, n. 2.

[122] Tomás de Aquino, Suma contra os gentios, III, cap. 123, n. 6 (grifo nosso).

[123] A.-D. Sertillanges, L’amour chrétien, Librairie Lecoffre, Paris 1918, 163-164.

[124] Ibid., 147.

[125] Ibid., 172.

[126] Ibid., 173.

[127] Ibid., 176.

[128] S. Kierkegaard, “Validità estetica del matrimonio”, in Enten-Eller. Un frammento di vita, IV, tr. a cura di A. Cortese, Piccola Biblioteca Adelphi 120, Adelphi, Milano 1981(4), 154. (N.B. do Enten-Eller, II, no texto original dinamarquês.)

[129] Ibid., 153-154.

[130] S. Kierkegaard, “L’equilibrio fra l’estetico e l’etico nell’elaborazione della personalità”, Enten-Eller. Un frammento di vita, V, tr. a cura di A. Cortese, Piccola Biblioteca Adelphi 232, Adelphi, Milano 1989(6), 207. (N.B. de Enten-Eller, II, no texto original dinamarquês).

[131] S. Kierkegaard, “Validità estetica del matrimonio”, op. cit., 92.

[132] Ibid., 39.

[133] Ibid., 40.

[134] Ibid., 86.

[135] E. Mounier, Manifesto al servizio del personalismo comunitario, tr. a cura di A. Lamacchia, Ecumenica, Cassano (BA) 1975, 66.

[136] Cf. ibid., 82.

[137] Ibid., 130.

[138] Ibid., 131.

[139] J. Lacroix, Force et faiblesses de la famille, Éditions du Seuil, Paris 1948, 56.

[140] Ibid., 54.

[141] Ibid., 58.

[142] Ibid.

[143] Ibid., 61-62.

[144] Ibid., 55.

[145] Cf. E. Lévinas, Totalidade e infinito. Ensaio sobre a exterioridade, tr. de J. P. Ribeiro, Edições 70, Lisboa 1980, 167-225.

[146] Ibid., 236.

[147] K. Wojtyła, Amore e responsabilità, tr. a cura di A. Milanoli, Marietti, Genova–Milano 1980, 161.

[148] Cf. Ibid.

[149] Ibid., 155.

[150] Ibid.

[151] Ibid., 29.

[152] Ibid., 159.

[153] Ibid., 43.

[154] Ibid., 44.

[155] Ibid., 62.

[156] Ibid., 63.

[157] J. Maritain, Riflessioni sull’America, tr. a cura di A. Barbieri, Opere di Jacques Maritain 1, Morcelliana, Brescia 2022(3), 109.

[158] Ibid.

[159] Ibid., 110.

[160] Ibid.

[161] Ibid.

[162] Cf. J. Maritain, Amore e amicizia, Morcelliana, Brescia 1964, 1987(8).

[163] Ibid., passim.

[164] Ibid., 14.

[165] Ibid., 15.

[166] Ibid., 18 (grifo nosso).

[167] Manusmṛti 9, 101-102.

[168] Srimad Bhagavatam IX, 10.54.

[169] Thirukkural, 54 e 56.

[170] Francisco, “Lettera ai poeti”, in Id., Viva la poesia!, A. Spadaro (ed.), Libreria Editrice Vaticana, Roma 2025, 178.

[171] Ibid., 178-179.

[172] W. Whitman, “Nós dois – Quanto tempo fomos enganados”, in Id., Folhas de grama, Nova York 1867, 114: «We have circled and circled till we have arrived home again – we two have».

[173] P. Neruda, «Soneto LXXXI», in Id., Veinte poemas de amor y una canción. Cien sonetos de amor, Coleção Biblioteca Premios Nobel 2, Altaya, Barcelona 1995, 203: «Ninguna más, amor, dormirá con mis sueños. / Irás, iremos juntos por las aguas del tiempo […]».

[174] E. Montale, “Ho sceso, dandoti il braccio, almeno un milione di scale”, in Satura (1962–1970), Mondadori, Milano 1971, 37.

[175] A. Pozzi, “Bellezza”, in Parole. Diario di poesia, Mondadori, Milano 1964, 191-192.

[176] P. Neruda, “Pido silencio”, in Extravagario (1958), in Obras completas, II: De “Odas elementales” a “Memorial de Isla Negra”, 1954–1964, Opera Mundi, H. Loyola (ed.), Galaxia Gutenberg–Círculo de Lectores, Barcelona 1999, 626-628: «Yo voy a cerrar los ojos y solo quiero cinco cosas, cinco raíces preferidas. Una es el amor sin fin… La quinta cosa son tus ojos, Matilde mía, bienamada, no quiero dormir sin tus ojos, no quiero ser sin que me mires».

[177] P. Éluard, “Nous deux”, in Derniers poèmes d’amour, Seghers, Paris 1963, 1965: «Nous deux nous tenant par la main / Nous nous croyons partout chez nous […] / Auprès des sages et des fous / Parmi les enfants et les grands».

[178] R. Tagore, “Cuore (Il Giardiniere, 28)”, tr. a cura di R. Russo, in Parole d’amore, TS Edizioni, Milano 2021.

[179] E. Dickinson, “That Love is all there is” (1765), in The Complete Poems of Emily Dickinson, T.H. Johnson (ed.), Little, Brown and Company, Boston – Toronto 1960, 714: “That Love is all there is, / Is all we know of Love”.

[180] Leão I, Carta Regressus ad nos (21 de março de 458), c. 1: DH 311.

[181] Tomás de Aquino, Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira, II-II, q. 23, a. 1, resp., Loyola, São Paulo 2002. (grifo nosso).

[182] Ritual Romano. Rito do Matrimônio, n. 62: Editora Vozes, Petrópolis 1994, 28-29.

[183] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 48: AAS 58 (1966) 1067. Cf. can. 1057 § 2 CIC; can. 817 § 1 CCEO.

[184] Catecismo da Igreja Católica, n. 1627.

[185] Paulo VI, Carta enc. Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 8: AAS 60 (1968), 485-486 (grifo nosso).

[186] K. Wojtyła, Amore e responsabilità, tr. a cura di A. Milanoli, Marietti, Genova–Milano 1980, 61-62.

[187] João Paulo II, Homilia na Missa para as famílias em Kinshasa (3 de maio de 1980), n. 2: AAS 72 (1980), 425.

[188] Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 100: AAS 108 (2016), 351 (grifo nosso).

[189] Ibid., n. 131: AAS 108 (2016), 362 (grifo nosso).

[190] Ibid., n. 319: AAS 108 (2016), 443 (grifo nosso).

[191] Ibid., n. 163: AAS 108 (2016), 375 (grifo nosso).

[192] Ibid., nn. 163-164: AAS 108 (2016), 375-376 (grifo nosso).

[193] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 24: AAS 58 (1966), 1045.

[194] Cf. Dicastério para a Doutrina da Fé, Decl. Dignitas infinita (8 de abril de 2024), Apresentação e nn. 1, 6.

[195] Catecismo da Igreja Católica, n. 357 (itálico no original).

[196] K. Wojtyła, Amore e responsabilità, tr. a cura di A. Milanoli, Marietti, Genova–Milano 1980, 29.

[197] Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 175: AAS 108 (2016), 381.

[198] Ibid., n. 220: AAS 108 (2016), 399.

[199] Ibid., n. 155: AAS 108 (2016), 371.

[200] Ibid.

[201] Ibid., n. 320: AAS 108 (2016), 443.

[202]Tomás de Aquino, Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira,III, q. 64, a. 1, resp., Loyola, São Paulo 2002: «solus Deus illabitur animae».

[203] Cf. Id., De veritate, q. 28, a. 2, ad 8; Id., Suma contra os gentios, II, cap. 98, n. 18; ibid., III, cap. 88, n. 6; Boaventura, Collationes in Hexaemeron, 21, 18.

[204] Cf. Boaventura, In Sent., I, d. 14, a. 2, q. 2, ad 2: in Id., Opera theologica selecta, I, Quaracchi 1934, 205-206. Cf. Ibid., q. 2, fund. 4 e 8 (Quaracchi 1934, 205).

[205] Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 320: AAS 108 (2016), 443.

[206] Paulo VI, Carta enc. Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 8: AAS 60 (1968), 486 (grifo nosso).

[207] João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 59: AAS 74 (1982), 152.

[208] A.-D. Sertillanges, L’amour chrétien, Librairie Lecoffre, Paris 1918, 183 (grifo nosso).

[209] Cf. J.-L. Marion, Il fenomeno erotico. Sei meditazioni., tr. a cura de L. Tasso, Cantagalli, Siena 2007.

[210] Tomás de Aquino, In Sent., I, d. 15, q. 4, a. 1, co.

[211] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium (7 de dezembro de 1965), n. 41: AAS 57 (1965), 47.

[212] Tomás de Aquino, Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira,II-II, q. 23, a. 1, resp., Loyola, São Paulo 2002.

[213] Catecismo da Igreja Católica, n. 1641.

[214] Ritual Romano. Rito do Matrimônio, n. 64: Editora Vozes, Petrópolis 1994, 29.

[215] João Paulo II, Exort. ap.Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 59: AAS 74 (1982), 152.

[216] Tomás de Aquino, Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira, II-II, q. 27, a. 2, resp., Loyola, São Paulo 2002.

[217] Cf.Ibid., II-II, q. 23, a. 2, resp.: “O amor é, por si mesmo, um ato da vontade”.

[218] Ibid., I-II, q. 26, a. 3, resp.

[219] Ibid., II-II, q. 27, a. 2, resp.

[220] Ritual Romano. Rito do Matrimônio, n. 62: Editora Vozes, Petrópolis 1994, 28-29.

[221] Cf. Ibid., II-II, q. 23, a. 1.

[222] Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 123: AAS 108 (2016), 359. Que cita Tomás de Aquino, Suma contra os gentios, III, cap. 123; Cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco, 8, 12 (ed. Bywater, Oxford 1984, 174).

[223] Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 150: AAS 108 (2016), 369.

[224] Ibid., n. 74: AAS 108 (2016), 340.

[225] Tomás de Aquino, Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira,II-II, q. 142, a. 1, resp., Loyola, São Paulo 2002.

[226] Cf. Ibid., I, q. 98, a. 2, ad 3; II-II, q. 153, a. 2, ad 2.

[227] Ibid., I, q. 98, a. 2, ad 3.

[228] Ibid., II-II, q. 153, a. 2, ad 2.

[229] K. Wojtyła, Amore e responsabilità, tr. a cura di A. Milanoli, Marietti, Genova–Milano 1980, 89.

[230] Bento XVI, Carta Enc. Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 8: AAS 98 (2006), 224.

[231] Ibid., n. 7: AAS 98 (2006), 223-224.

[232] João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 11: AAS 74 (1982), 92.

[233] Cf. Paulo VI, Carta enc. Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 11: AAS 60 (1968), 488.

[234] K. Wojtyła, Amore e responsabilità, tr. a cura di A. Milanoli, Marietti, Genova–Milano 1980, 161.

[235] Ibid., 173 (itálico no original).

[236] Paulo VI, Carta enc. Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 16: AAS 60 (1968), 492.

[237] Ibid.

[238] Pio XI, Carta enc. Casti connubii (31 de dezembro de 1930): AAS 22 (1930): 547-548 [cf. DH 3707].

[239] Agostinho, De bono coniugali, 3, 3: PL 40, 375.

[240] João Crisóstomo, Comentário às Cartas de são Paulo/3, tr. de Cássio Murilo Dias da Silva, Paulus, São Paulo 2014, 385.

[241] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 50: AAS 58 (1966), 1072.

[242] P.J. Viladrich, “Amor conyugal y esencia del matrimonio”, Ius canonicum 12 (1972), 311.

[243] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), n. 53: AAS 101 (2009), 689.

[244] Ibid.

[245] Francisco, Carta enc. Fratelli tutti (3 de outubro de 2020), n. 60: AAS 112 (2020), 990.

[246] Ibid., n. 89: AAS 112 (2020), 1007.

[247] Francesco, Exort. Ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 181: AAS 108 (2016), 383.

[248] Ibid., n. 324: AAS 108 (2016), 445.

[249] Leão XIV, Exort. ap. Dilexi te (4 de outubro de 2025), n. 104.

[250] Ibid., n. 103.

[251] Ritual Romano. Rito do Matrimônio, n. 77: Editora Vozes, Petrópolis 1994, 34.

[252] D. von Hildebrand, Il matrimonio, tr. a cura de B. Magnino, Morcelliana, Brescia 1959, 33 (grifo nosso).

[253] Concílio de Trento, Sessão XXIV (11 de novembro de 1563), Doutrina sobre o Sacramento do Matrimônio: DH 1799; Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 48: AAS 58 (1966), 1068; Catecismo da Igreja Católica, n. 1641.

[254] Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 134: AAS 108 (2016), 364.

[255] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 48: AAS 58 (1966), 1068 (grifo nosso).

[256] Francisco, Exort. ap. Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 135: AAS 108 (2016), 364.