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DICASTÉRIO PARA A DOUTRINA DA FÉ
UNA
CARO
Elogio à monogamia
Nota doutrinal sobre o valor do matrimônio como união exclusiva e pertença recíproca
Índice
Apresentação
I. Introdução
II. A monogamia na Bíblia
A monogamia no capítulo 2 do Génesis
O simbolismo nupcial profético
A literatura sapiencial
O simbolismo nupcial do Novo Testamento
III.Ecos da Escritura na história
Algumas reflexões de teólogos cristãos
Primeiros desenvolvimentos sobre a unidade e a comunhão matrimonial nos Padres
da Igreja Alguns autores medievais e modernos
O desenvolvimento da visão teologal nos tempos recentes
Intervenções magisteriais
Primeiras intervenções
Leão XIII Pio XI
Os tempos do Concílio
São João Paulo II
Bento XVI Francisco
Leão XIV
IV. Algumas reflexões da filosofia e das culturas
No pensamento cristão clássico
Comunhão de duas pessoas
Uma pessoa inteiramente referida a outra
Face a face
O pensamento de Karol Wojtyła
Mais além
Outros olhares
V. A palavra poética
VI.Algumas reflexões a aprofundar
Pertencimento recíproco
A transformação
A não pertenç Ajuda mútua
Caridade conjugal
Uma forma especial de amizade
Em corpo e alma
A fecundidade multiforme do amor
Uma amizade aberta a todos
VII. Conclusão
Apresentação
Este é um texto para a Igreja universal, que pode, no entanto, ser levado em
consideração em qualquer lugar diante dos desafios culturais locais. O
documento, de fato, leva a sério o atual contexto global de desenvolvimento do
poder tecnológico, no qual o ser humano é tentado a pensar a si mesmo como uma
criatura sem limites, que pode obter tudo o que imagina. Dessa forma, o valor de
um amor exclusivo, reservado a uma única pessoa, é facilmente obscurecido, o que
por si só implica uma renúncia livre a muitas outras possibilidades.
Na verdade, a intenção desta Nota é fundamentalmente propositiva: extrair
das Sagradas Escrituras, da história do pensamento cristão, da filosofia e até
mesmo da poesia, razões e motivações que levem a escolher uma união de amor
única e exclusiva, uma pertença recíproca rica e totalizante.
Trata-se de um esforço que permitirá enriquecer a reflexão e o ensino sobre o
matrimônio com um aspecto até o momento não muito desenvolvido. Ao mesmo tempo,
poderá constituir para os movimentos e grupos matrimoniais um material variado e
útil para o estudo e o diálogo. Isso justifica a extensão da Nota e o
número de autores e textos citados: para alguns, essa escolha pode parecer um
excesso de informação, mas acreditamos que de cada um dos autores e textos
citados se pode extrair alguma nuance ou algum destaque diferente que estimule
uma reflexão serena e um aprofundamento prolongado.
Levaremos em consideração os mais importantes pronunciamentos do Magistério e
uma série de autores desde a antiguidade até tempos recentes: teólogos,
filósofos, poetas. Encontramos uma grande riqueza de reflexões que valorizam a
união dos cônjuges, a reciprocidade, o significado totalizante da relação
matrimonial. Desta forma, os diferentes textos irão compor um belo mosaico que
certamente enriquecerá nossa compreensão da monogamia.
Caso se deseje apenas uma breve síntese reflexiva para motivar a escolha de uma
união exclusiva entre uma só mulher e um só homem, bastará ler o último capítulo e a conclusão da presente
Nota, centrados
na pertença recíproca dos cônjuges e na caridade conjugal. De qualquer forma,
permitimo-nos sugerir a leitura paciente da Nota na sua integridade, a
fim de compreender plenamente toda a amplitude dos aspectos que entram em jogo
nesta rica matéria.
Víctor Manuel Card. Fernández Prefeito
I.
Introdução
1.
[Una caro] “Uma só carne” é o modo com o qual a Bíblia exprime a unidade
matrimonial. Ao contrário, na linguagem comum “nós dois” é uma expressão que
aparece quando há um forte sentimento de reciprocidade em um matrimônio, ou
melhor, a percepção da beleza de um amor exclusivo, de uma aliança entre dois
que compartilham a vida em sua totalidade, com todas as suas lutas e esperanças.
“Nós dois” é o que uma pessoa diz quando se refere aos desejos, sofrimentos,
ideias e sonhos compartilhados: em uma palavra, quando se refere às histórias
que apenas os cônjuges viveram. Esta é uma manifestação verbal de algo mais
profundo: uma convicção e uma decisão de pertencerem um ao outro, de serem “uma
só carne”, de percorrerem juntos o caminho da vida. Como disse Papa Francisco:
«Também os esposos deveriam formar uma primeira pessoa do plural, um “nós”.
Estar um diante do outro como um “eu” e um “tu”, e estar perante o resto do
mundo, incluindo os filhos, como um “nós”»[1]. Isso acontece porque, apesar de serem duas pessoas diferentes, duas
individualidades que conservam cada uma sua identidade própria e intransferível,
elas forjaram com seu livre consentimento uma união que as coloca juntas diante
do mundo. É uma união que se abre generosamente aos outros, mas sempre a partir
daquela realidade única e exclusiva do “nós” conjugal.
2.
São João Paulo II, falando da monogamia, afirmou que «merece ser cada vez mais
aprofundada»[2]. Esta sua indicação sobre a necessidade de uma abordagem mais ampla deste tema
é uma das motivações que levaram o Dicastério para a Doutrina da Fé a preparar a
presente Nota doutrinal. Além disso, na origem deste texto estão, por um
lado, os vários diálogos com os Bispos da África e de outros continentes sobre a
questão da poligamia, no contexto de suas visitas ad limina[3], e, por outro lado, a constatação de que diversas formas públicas de união não
monogâmica – às vezes chamadas de “poliamor” – estão crescendo no Ocidente, além
das mais reservadas ou secretas que foram comuns ao longo da história.
3.
Mas essas razões estão subordinadas à primeira, porque a monogamia, sebem
entendida, não resulta simplesmente como o oposto da poligamia. É muito mais do
que isso, e seu aprofundamento permite conceber o matrimônio em toda a sua
riqueza e fecundidade. A questão está intimamente ligada ao fim unitivo da
sexualidade, que não se reduz a garantir a procriação, mas ajuda no
enriquecimento e no fortalecimento da união única e exclusiva e do sentimento de
pertença recíproca.
4.
Como estabelece o próprio Código de Direito Canônico: «as propriedades
essenciais do matrimônio são a unidade e a indissolubilidade»[4]. Em outro lugar, o mesmo afirma que o matrimônio é «um vínculo que, por sua
natureza, é perpétuo e exclusivo»[5]. É importante destacar a existência de uma abundante bibliografia sobre a
indissolubilidade da união conjugal na literatura católica: este tema teve muito
mais espaço no Magistério, particularmente no recente ensinamento de muitos
bispos diante da legalização do divórcio em vários Países. Sobre a unidade do
matrimônio – aqui entendido como união única e exclusiva entre um único homem e
uma única mulher – encontra-se, ao contrário, um desenvolvimento de reflexão
menos amplo em relação ao tema da indissolubilidade, tanto no Magistério como
nos manuais dedicados ao assunto.
5.
Por esse motivo, no presente texto, optou-se por se concentrar na propriedade da unidade
e em seu reflexo existencial: a comunhão íntima e totalizante entre os cônjuges. Portanto, para não esperar desta
Nota algo que ela não pretende desenvolver, é necessário insistir no fato de que, nas
páginas a seguir, ela não tratará da indissolubilidade conjugal – uma união que
dura no tempo até que a morte separe os cônjuges cristãos – nem do fim da
procriação: ambos os temas são amplamente tratados na teologia e no Magistério.
A Nota se concentrará apenas na primeira propriedade essencial do
matrimônio, a unidade, que pode ser definida como a união única e exclusiva
entre uma só mulher e um só homem ou, em outras palavras, como a pertença
recíproca dos dois, que não pode ser compartilhada com outros.
6.
Esta propriedade é tão essencial e primária que o matrimônio é frequentemente
definido simplesmente como “união”. Assim, a Summa Theologiae de Santo
Tomás de Aquino afirma que «o matrimônio é a união (coniunctio)
conjugal do homem com a mulher, contraída por pessoas legítimas, que implica
uma comunhão indivisível e indissolúvel de vida»[6], e que «é evidente que no matrimônio existe uma união pela qual um se diz
marido e a outra esposa; e essa união é o matrimônio»[7]. Uma definição semelhante já se encontrava em Justiniano, que reunia opiniões
pré-existentes: «é a união (coniunctio) do homem e da mulher que contém
uma comunhão de vida inseparável»[8]. Mais próximo de nós, Dietrich von Hildebrand afirma que o matrimônio «é a
união mais profunda e íntima entre pessoas humanas»[9].
7.
Já nessas definições clássicas, vemos que a unidade dos dois cônjuges, como dado
objetivo fundamental e propriedade essencial de todo matrimônio, é chamada a uma
expressão e desenvolvimento constantes como “comunhão de vida”, ou seja, como
amizade conjugal, ajuda recíproca, partilha total que, com a ajuda da graça,
representa cada vez mais outra união que a transcende e a engloba: a união entre
Cristo e sua amada esposa, a Igreja, o Povo de Deus pelo qual Ele deu o seu
sangue (cf. Ef 5, 25-32).
8.
São João Paulo II liga intimamente estes dois aspectos. De fato, se «em virtude
do pacto de amor conjugal, o homem e a mulher “já não são dois, mas uma só
carne” (Mt 19, 6; cf. Gn 2, 24)», ao mesmo tempo «são chamados a
crescer continuamente nesta comunhão [...para] que progridam continuamente numa união cada vez mais rica a
todos os níveis»[10].
9.
Nesta Nota, portanto, serão aprofundadas tanto a unidade como propriedade
essencial, realidade objetiva e constitutiva do matrimônio, característica
primeira e fundadora de todas as suas manifestações, como as diferentes
expressões dessa mesma unidade que enriquecem e fortalecem a aliança conjugal,
tornando assim possível, ao mesmo tempo, a percepção dessa unidade não como um
reflexo monolítico da unidade divina, mas como expressão do único Deus que é
comunhão nas relações trinitárias.
10. Espera-se, finalmente, que esta Nota sobre o valor da monogamia,
destinada antes de tudo aos Bispos, referindo-se a um tema tão importante e, ao
mesmo tempo, muito belo, possa ser de ajuda aos casais já casados, aos noivos e
aos jovens que pensam em uma futura união, a fim de compreender ainda mais a
riqueza da proposta cristã sobre o matrimônio. É verdade que, para muitos, tal
mensagem pode parecer estranha ou contrária à corrente dominante, mas podemos
aplicar a ela as seguintes palavras de Santo Agostinho: «Dê-me um coração que ama e ele compreenderá o que digo»[11]. Ademais, uma verdadeira e própria paixão pela beleza do amor, encontrou
expressão na dedicação de tantas pessoas – homens e mulheres – que acompanharam
muitos casais no caminho do matrimônio e que desenvolveram uma espiritualidade
conjugal. Por todos estes exemplos luminosos, não podemos deixar de expressar um
necessário agradecimento.
II.
A monogamia na Bíblia
11. «Já não são dois, mas
uma só carne» (Mc 10, 8). Esta declaração de Jesus sobre o matrimônio
traduz a beleza do amor, um «cimento que dá solidez a esta comunidade de vida e
o entusiasmo que a arrasta para uma plenitude cada vez mais perfeita»[12]. Institucionalizado “no princípio”, já no momento da Criação, o matrimônio
aparece como uma aliança conjugal desejada por Deus, como «um sacramento do
Criador do universo, inscrito precisamente no próprio ser humano, que está
orientado para este caminho, no qual o homem abandona os pais e se une à sua
mulher para formar uma só carne, para que, desta forma, se tornem uma única
existência»[13]. Embora «é sabido que a história do Antigo Testamento é teatro da sistemática
defecção perante a monogamia»[14], visto, por exemplo, os acontecimentos dos Patriarcas, onde se lê, de acordo
com o costume do tempo, sobre personagens com várias esposas (cf. 2Sm 3,
2-5; 11, 2-27; 15,1 6; 1Re 11, 3), ao mesmo tempo muitos passos do Antigo
Testamento celebram o amor monogâmico e a união exclusiva: «Setenta são as
rainhas e oitenta, as concubinas e não têm número as adolescentes; mas uma só é
a minha pomba, minha perfeita» (Ct 6, 8-9a). Isso é atestado também pelos
exemplos de Isaac (cf. Gn 25, 19-28), José (cf. Gn 41, 50), Rute
(cf. Rt 2-4), Ezequiel (cf. Ez 24, 15-18) e Tobias (cf. Tb
8, 5-8). No entanto, se do ponto de vista factual e normativo a monogamia não
tem bases sólidas no Antigo Testamento, seus fundamentos teológicos se
desenvolvem em profundidade, e este é o caminho fecundo que será percorrido nas
seguintes reflexões[15].
A monogamia no capítulo 2 do Gênesis
12. Na raiz do modelo
monogâmico, o capítulo 2 do livro do Gênesis apresenta-se como um verdadeiro e
próprio manifesto antropológico colocado no início das Escrituras. Ele
descreve o projeto que o Criador propõe como ideal para a liberdade da criatura
humana. A exclamação divina: «Não é bom que o homem esteja só. Vou providenciar
um auxílio (‘ēzer) que lhe corresponda» (Gn 2, 18), destaca
claramente a necessidade em que se encontra o homem recém-saído das mãos de
Deus, ou seja, um estado de solidão-isolamento. Apesar da presença de outros
seres vivos, o homem quer uma ajuda que lhe corresponda (cf. Gn 2, 20),
um aliado vivo, único e pessoal, que ele possa olhar nos olhos, como sugere a
palavra k ͤneḡdô, geralmente traduzida como “semelhante” ou
“correspondente”, para destacar a necessidade de um encontro dialógico de
olhares e rostos. De fato, a «expressão original hebraica faz-nos pensar numa
relação direta, quase “frontal” – olhos nos olhos –, num diálogo também sem
palavras, porque, no amor, os silêncios costumam ser mais eloquentes do que as
palavras: é o encontro com um rosto, um “tu” que reflete o amor divino e
constitui – como diz um sábio bíblico – “o primeiro dos bens, uma ajuda
condizente e uma coluna de apoio” (Sir 36, 24)»[16]. O homem procura, desse modo, um rosto insubstituível diante de si, um “tu”,
com o qual tecer uma verdadeira relação de amor feita de doação e reciprocidade.
13. Em seu comentário a
este trecho do Gênesis, Bento XVI afirma: «a primeira novidade da fé bíblica
consiste na imagem de Deus; a segunda, essencialmente ligada a ela,
encontramo-la na imagem do homem. A narração bíblica da Criação fala da solidão
do primeiro homem, Adão, querendo Deus pôr a seu lado um auxílio. Dentre todas
as criaturas, nenhuma pôde ser para o homem aquela ajuda de que necessita,
apesar de ter dado um nome a todos os animais selvagens e a todas as aves,
integrando-os assim no contexto da sua vida. Então, de uma costela do homem,
Deus plasma a mulher. Agora Adão encontra a ajuda de que necessita: “Esta é,
realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2, 23). Na
narração bíblica, não se fala de punição; porém, a ideia de que o homem de algum
modo esteja incompleto, constitutivamente a caminho a fim de encontrar no outro
a parte que falta para a sua totalidade, isto é, a ideia de que, só na comunhão
com o outro sexo, possa tornar-se “completo”, está sem dúvida presente»[17].
14. A conclusão da
narrativa bíblica: «o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá (dāḇaq)
à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne» (Gn 2, 24), expressa bem essa necessidade de uma união íntima, um apego físico
e interior tal que o Salmista o adota para descrever a união mística com Deus:
«A ti se apega (dabaq) minha alma» (Sl 63, 8; cf. 1Cor 6, 16-17). Como afirma o Papa Francisco: «No
original hebraico, o verbo “unir-se” indica uma estreita sintonia, uma adesão
física e interior, a ponto de se utilizar para descrever a união com Deus, como
canta o orante: “A minha alma está unida(dāḇaq) a Ti” (Sl 63, 8). Deste modo, evoca-se a união matrimonial
não apenas na sua dimensão sexual e corpórea, mas também na sua doação
voluntária de amor. O fruto desta união é “tornar-se uma só carne”, quer no
abraço físico, quer na união dos corações e das vidas e, porventura, no filho
que nascerá dos dois e, em si mesmo, há-de levar as duas “carnes”, unindo-as
genética e espiritualmente»[18]. Com a fórmula “uma
carne”, a doação recíproca e total do casal torna-se
uma relação exclusiva e integral. Portanto, com o sugestivo termo ’iššāh
aplicado à mulher (cf. Gn 2, 23), o autor sagrado quis lembrar que essas
duas pessoas constituem um casal, iguais em sua dignidade radical, mas
diferentes em sua identidade individual. A plenitude da união entre os seres
humanos está nessa igualdade feita de reciprocidade necessária, dialógica e
complementar. Em definitiva, segundo o projeto original do Criador, ao qual o
próprio Jesus se refere usando a expressão “no princípio” no comentário sobre a
indissolubilidade nupcial (cf. Mt 19, 4), o homem e a mulher são chamados
no matrimônio a uma relação única, pessoal, plena e duradoura, a uma aliança
exclusiva de vida e amor, prioritária em relação ao próprio vínculo social de
sangue (cf. Gn 2, 24). Nesta chave de leitura, a aplicação da metáfora
nupcial à relação de Deus com Israel, que emerge com toda a sua força nos textos
proféticos, abre um horizonte ainda mais rico para a compreensão da vida dos
cônjuges na linha de uma pertença mútua.
O simbolismo nupcial profético
15. Nos Profetas, as
categorias do amor conjugal imprimem traços particulares à compreensão da
aliança entre Deus e seu povo, não mais modulada segundo o cânone dos pactos
entre o rei e os príncipes vassalos.
16. Aqui surge, de forma
emblemática, a história pessoal do profeta Oséias (século VIII a.C.), que é
assumida como paradigma teológico para reler a história de amor entre o Senhor e
Israel (cf. Os 2, 4-25). Apesar da traição de Gômer, ele não consegue
extinguir seu amor pela esposa e, na verdade, alimenta a esperança de que ela,
abandonada e decepcionada por seus amantes, “retorne” para casa a fim de
recompor plenamente a relação amorosa, sendo aquela mulher a única de sua vida,
perdoando-lhe as traições (cf. Os 2, 16-17).
17. Essa transposição
nupcial simbólica da fidelidade divina continuará na tradição profética, com
diferentes ênfases: Ezequiel conta como Deus se preocupa com seu povo, como um
homem que estende seu manto sobre uma mulher (cf. Ez 16, 8). Por um lado,
esse gesto indica o pacto conjugal no qual se oferece proteção à esposa; por
outro, visa proteger a mulher do olhar dos outros, evocando assim a
exclusividade do vínculo.
18. O profeta Malaquias
condena a ruptura dos laços matrimoniais entre os membros de Israel e o novo
casamento com mulheres pagãs: «Se alguém, com ódio, repudia sua esposa, diz o
Senhor, Deus de Israel, cobre com violência suas vestes, diz o Senhor dos
exércitos» (Ml 2, 16). Esta passagem teve também outra interpretação
chamada “cultual” ou “tipológica”, como se se referisse a uma única perversão (a
idolatria), estabelecendo um paralelismo implícito entre profanar a aliança com
Deus e enganar o cônjuge (o adultério).
19. Em última análise, o
amor conjugal permite realmente descrever uma dialética de aliança entre Israel
e o Senhor, entre a humanidade e Deus. A ideia de Deus como único esposo de
Israel está também ligada à de Israel como única esposa. A unicidade do amado
transparece também no tema da eleição que faz de Israel o único povo escolhido
(cf. Am 3, 2). Com efeito, a aliança assume uma dimensão adicional, na
medida em que designa o vínculo entre Deus e seu povo, baseado em um vínculo
monogâmico tão real que a adoração de outro deus constitui um adultério.
20. São João Paulo II
oferece, a esse respeito, uma bela síntese: «Em muitos textos, a monogamia
aparece como a única e justa analogia do monoteísmo entendido nas categorias da
Aliança, ou seja, da fidelidade e da confiança no único e verdadeiro Deus-Javé:
Esposo de Israel. O adultério é a antítese dessa relação conjugal, é a antinomia
do casamento (também como instituição), na medida em que o matrimônio monogâmico
realiza em si mesmo a aliança interpessoal entre o homem e a mulher, realiza a
aliança nascida do amor e acolhida pelas duas partes precisamente como
matrimônio (e, como tal, reconhecida pela sociedade). Este tipo de aliança entre
duas pessoas constitui o fundamento daquela união pela qual “o homem... se unirá
à sua mulher e os dois serão uma só carne” (Gn 2, 24)»[19].
A literatura sapiencial
21. Na mesma linha,
encontra-se toda a literatura sapiencial que elogia a união monogâmica como a
verdadeira expressão do amor entre um homem e uma mulher. A passagem do Cântico dos Cânticos: «O meu amado é todo meu e eu sou dele» (Ct
2,
16), representa aqui um verdadeiro ápice. Nesta joia poética, a mulher do
Cântico expressa seu amor, usando o símbolo do selo que, no antigo Oriente
Próximo, designava uma pessoa, a identificava e era usado em uma pulseira ou em
uma corrente no peito: «Guarda-me como o sinete sobre o teu coração, como o
sinete, sobre o teu braço! Porque o amor é forte como a morte» (8, 6). Sendo
assim, a amada declara ser quase a “carteira de identidade” de seu homem: um não
existe sem o outro e vice-versa. Inteligência, vontade, afeto, ação,
personalidade inteira de um se comunica ao outro de forma recíproca e exclusiva,
em plena simbiose. Contra essa unidade vital, a morte se ergue em vão.
22. Além disso, a
afirmação repetida duas vezes no Cântico dos Cânticos: «O meu amado é
todo meu e eu sou dele […]. Eu sou para o meu amado e meu amado é para mim» (Ct
2, 16; 6, 3), expressa essa unidade de doação total, de reciprocidade e de
pertença mútua, como uma reedição da declaração de amor dirigida pelo homem à
sua mulher em Gn 2, 23: «osso dos meus ossos e carne da minha carne».
23. A tradição judaica e a
cristã (especialmente na mística) concordam em interpretar o Cântico dos
Cânticos como uma alegoria da aliança entre Deus e Israel, da relação entre
Deus e a alma. Em sentido simbólico, pode-se afirmar que o livro do Cântico
dos Cânticos exalta o amor entre um homem e uma mulher, enfatizando
justamente a unicidade de uma relação exclusiva. Na história de amor, os dois
enamorados se procuram e desejam, com uma reciprocidade na qual não há espaço
para um tertium. Pois bem este dado antropológico fundamental remete à
profissão de fé de Israel: «Escuta, Israel! O Senhor é nosso Deus, o Senhor é
um» (Dt 6, 4). Trata-se de uma das proclamações a respeito de Deus mais
solenes do Antigo Testamento e é uma proclamação que usa a linguagem da
unicidade ao professar a verdade da fé. Em outras palavras, o Cântico
afirma que, no coração pulsante de uma das mais profundas experiências
antropológicas, que é a relação amorosa, existe uma unicidade análoga àquela que
a fé proclama a respeito de Deus. Portanto, a monogamia está profundamente
ligada à unicidade e à exclusividade do Deus de Israel e anda de mãos dadas com
o monoteísmo.
24. A esse respeito, Bento
XVI afirma: «Deus serviu-se do caminho do amor para revelar o profundo mistério
da sua vida trinitária. Além disso, a íntima relação existente entre a imagem de
Deus-Amor e o amor humano permite-nos compreender que “à imagem do Deus
monoteísta corresponde o matrimônio monogâmico. O matrimônio baseado num amor
exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo
e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano”. Em grande
parte, esta indicação ainda deve ser explorada»[20].
25. A dupla fórmula: «O
meu amado é todo meu e eu sou dele [...] Eu sou para o meu amado e meu amado é
para mim» (Ct 2, 16; 6, 3), remete, portanto, à fórmula teológica da
aliança entre Deus e o Israel bíblico: “O Senhor é o seu Deus e você é o seu
povo” (cf. Dt 7, 6), e permite acessar a categoria teológica da aliança
como compromisso recíproco de fidelidade. A categoria bíblica da aliança
permite, finalmente, delinear a santidade do matrimônio entre marido e mulher em
sua expressão de verdadeira comunidade de vida e amor através de uma doação
mútua e exclusiva. Tudo isso se tornará plenamente evidente nos textos do Novo
Testamento[21].
A simbologia nupcial do Novo Testamento
26. No Evangelho, Jesus
remete explicitamente “ao princípio”, ou seja, às origens do primeiro casal
humano (cf. Gn 1, 27; 2, 24), para reafirmar que o amor monogâmico, fiel
e indissolúvel exalta a relação de casal, concebida pelo Criador numa dimensão
de totalidade e exclusividade (cf. Mt 19, 3-9).
27. Nas narrativas
evangélicas de Marcos e Mateus, Jesus se expressou de forma inequívoca sobre a
monogamia, referindo-se às origens, à vontade do Criador. O debate com os
fariseus sobre a possibilidade do divórcio oferece-lhe a oportunidade de um
pronunciamento com autoridade. Ele reafirma o princípio da monogamia que está na
base do projeto de Deus para a família: «desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem
deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne,
de modo que já não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem não separe» (Mc 10, 6-9; cf.
Mt 19, 4-6). Como base para sua afirmação, Jesus
une dois elementos exegéticos importantes: «fez o homem e a mulher» (Gn 1, 27) e «por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e
[os dois] se tornarão uma só carne» (Gn 2, 24). Por conseguinte, o
primeiro homem e a primeira mulher são unidos pelo próprio Deus, em uma só
carne, no casal. Em outras palavras, Jesus restitui a validade do projeto
original de Deus, indo além da norma dada por Moisés e invocando uma mais
antiga, ao mesmo tempo em que enfatiza uma presença divina na própria raiz dessa
relação: «O que Deus uniu, o homem não separe» (Mt 19, 6).
28. Além disso, o Novo
Testamento, na esteira da teologia profética, introduz repetidamente a
simbologia nupcial nas temáticas cristológicas e eclesiológicas (cf. Ap
19, 7-9): Cristo é chamado pelo Batista de “esposo” por excelência (cf. Jo
3, 29), enquanto a esposa do Cordeiro é a nova Jerusalém (cf. Ap 21,
1ss), mãe fecunda, salva do ataque do dragão (cf. Ap 12, 3-6).
29. São Paulo desenvolve
de forma sistemática o tema do amor nupcial pleno e perfeito entre Cristo e a
Igreja na Carta aos Efésios (cf. Ef 5, 21-33), retomando, entre
outras coisas, a passagem do Gênesis sobre o casal ser “uma só carne”
(cf. Gn 2, 24). O amor monogâmico indissolúvel entre os dois cônjuges –
sempre na linha do tema desenvolvido pelos profetas para definir a aliança entre
o Senhor e Israel – revela-se como o símbolo para descrever o vínculo entre
Cristo e a Igreja. O matrimônio cristão, em sua autenticidade e plenitude, é,
consequentemente, sinal da nova aliança cristã.
30. Merece atenção também
a fórmula do “grande mistério”, tradução do original grego mysterion. Esta foi traduzida por São Jerônimo, na
Vulgata, com o termo sacramentum, o que permitiu à tradição eclesial assumir a fórmula paulina
como proclamação explícita da sacramentalidade do matrimônio. A passagem em sua
integralidade exalta de modo intenso a função teológica desempenhada pelo amor
nupcial exclusivo. Os dois cônjuges que se unem em modo indissolúvel são um
sinal que remete ao abraço com o qual Cristo envolve a Igreja. Os cônjuges
cristãos, portanto, testemunham no mundo não apenas um vínculo humano, eros
e ágape, mas são também a “imagem” viva de um vínculo sagrado e
transcendente, ou seja, aquele que une Cristo à comunidade dos cristãos. Já no
Gênesis, o casal que ama e gera era definido como “imagem” do Deus
criador: «Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem
e mulher os criou» (Gn 1, 27).
31. O Apóstolo, evocando
sobretudo a passagem do Gênesis em que os dois, o homem e a mulher,
“formam uma só carne” (cf. Gn 2, 24), define a intimidade de amor entre
marido e mulher como um emblema luminoso da comunhão de vida e caridade que
existe entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5, 32). Através desta página da Carta aos Efésios, tão cheia de humanidade, mas também tão densa em sua
qualidade teológica, Paulo não se limita a propor um modelo de comportamento
matrimonial cristão, mas indica na união perfeita e única entre Cristo e a
Igreja a fonte originária do matrimônio monogâmico. Este não é apenas uma imagem
dessa união, mas a reproduz e encarna através do amor dos cônjuges. É um sinal
eficaz e expressivo da graça e do amor que sustenta a união entre Cristo e a
Igreja.
32. Por último,
encontramos uma bela exortação na Carta aos Hebreus. Após o apelo à
caridade (cf. Hb 13, 1-3), o Autor trata brevemente do matrimônio,
recomendando a estima por esse vínculo e o respeito pela fidelidade conjugal: «O
matrimônio seja honrado por todos, e o leito conjugal, sem mancha»[22] (Hb 13, 4). O Autor exorta a honrar a instituição matrimonial,
sublinhando o valor das relações conjugais fiéis. E acrescenta uma advertência
solene: Deus julgará os fornicadores e os adúlteros, ou seja, aqueles que não
respeitam a santidade e a unicidade do matrimônio. A exortação à estima do
matrimônio e do leito conjugal era historicamente motivada pelo fato de que
várias tendências ascéticas denegriam essa instituição e a viam como um
compromisso com a matéria, retomando, à sua maneira, o que foi expresso em Col 2, 20-23. A exortação, porém, não é dirigida contra as relações sexuais,
mas contra aqueles que negavam a fidelidade dos cônjuges e a unicidade do
matrimônio.
III.
Ecos da Escritura na história
33. Ao longo da história
da Igreja, a Palavra revelada nas Sagradas Escrituras produziu vários ecos que
tentaremos repassar, ao menos em parte.
Algumas reflexões de teólogos cristãos
34. É útil acolher a
riqueza do pensamento cristão ao longo dos séculos, partindo dos Padres da
Igreja, com sua importância particular, até teólogos de diferentes escolas e
orientações.
Primeiros desenvolvimentos sobre a unidade e a comunhão matrimonial nos Padres
da Igreja
35. São João Crisóstomo
reconhece à unidade matrimonial um valor particular. Diversamente de outros
Padres, ele sustenta que «um tempo o matrimônio tinha dois motivos, agora tem
apenas um». Ele explica, de fato, que São Paulo (cf. 1Cor 7, 2.5.9)
«ordena que se unam, não para que se tornem pais de muitos filhos», mas porque
isso leva os cônjuges à «abolição da libertinagem e do desejo desenfreado»[23]. Em última análise, o santo Doutor considera que a unidade do matrimônio, com a
escolha de uma única pessoa com quem se unir, leva as pessoas a libertarem-se de
uma prática sexual desregrada, sem amor nem fidelidade, orientando adequadamente
a sexualidade.
36. Santo Agostinho,
embora enfatize, em primeiro lugar, a importância da procriação, destaca antes
de tudo o bem da unidade que se expressa na fidelidade: «Pela fidelidade,
cuide-se de não haver comércio carnal com outra ou com outro fora do vínculo
conjugal»[24]. Agostinho também soube expressar a beleza da unidade conjugal como um bem em
si mesmo, descrita dinamicamente como um caminhar juntos, “lado a lado”: «A
primeira sociedade foi constituída por um homem e uma mulher. Deus não os criou
separadamente, unindo-os depois como dois estranhos. Do homem tirou a mulher,
manifestando assim a força da união no lado, do qual foi extraída e formada a
mulher (Gn 2, 21). Pelos lados se unem dois que caminham juntos, e se
dirigem ao mesmo ponto»[25].
37. Já antes de Agostinho,
é bem conhecido o louvor de Tertuliano ao matrimônio entendido como unidade na
carne e no espírito de dois que caminham “em uma única esperança”: «Onde irei
buscar forças para descrever, de modo satisfatório, a felicidade do Matrimônio
que a Igreja une [...]. Que jugo o de dois cristãos, unidos por uma só
esperança, um único desejo, uma única disciplina, um mesmo serviço! Ambos filhos
do mesmo Pai, servos do mesmo Senhor; nada os separa, nem no espírito nem na
carne; pelo contrário, eles são verdadeiramente dois numa só carne. Ora, onde a
carne é só uma, também um só é o espírito»[26].
38. Este fato de serem
“uma só carne” é interpretado pelos Padres de maneira intensamente realista, a
tal ponto que, diante das contradições nos fatos da realidade da unidade
conjugal, eles não temem fazer afirmações como as seguintes: «divide sua carne,
divide seu corpo»[27]; «como a maldade de cortar sua carne»[28]; «Deus não quis que o corpo fosse dividido e separado»[29].
39. De qualquer forma, é
preciso lembrar que a Igreja latina enfatiza particularmente os aspectos
jurídicos do matrimônio, que levaram à bela convicção de que os próprios
cônjuges são ministros do Sacramento[30]. Com o seu consentimento, eles dão origem à união matrimonial única e
exclusiva, dado objetivo que precede qualquer experiência ou sentimento, mesmo
espiritual. Os Padres e as Igrejas orientais enfatizam mais os aspectos
teológicos, místicos e eclesiais de uma união que, graças à bênção da Igreja, se
enriquece ao longo do tempo sob o impulso da graça, enquanto a comunhão entre os
cônjuges é cada vez mais integrada na comunhão eclesial. É por isso que no
Oriente o rito do matrimônio, com todos os seus sinais, a oração e os gestos do
sacerdote, foi mais valorizado. Já São João Crisóstomo fala da coroação dos
noivos (stephánōma) realizada pelo sacerdote e explica o seu significado
mistagógico: «Por esta razão, são colocadas coroas sobre as suas cabeças, como
símbolo de vitória, pois, tendo permanecido invictos, chegam ao leito
matrimonial»[31].
40. Por sua vez, no
Oriente prevalece uma visão mais positiva do aspecto relacional, que se expressa
também na união sexual no matrimônio, sem reduzir sua finalidade apenas à
procriação. Isso é testemunhado, por exemplo, quando São Clemente de Alexandria
se distancia fortemente daqueles que consideram o casamento um pecado, ainda
quando o toleram com o fim de garantir a perpetuação da espécie. Em vez disso,
ele reafirma: «Se o matrimônio é pecado segundo a Lei, não sei como alguém pode
dizer que conhece Deus quando afirma que o mandamento de Deus é pecado! Não, se
a “Lei é santa”, o matrimônio é santo»[32]. Para São João Crisóstomo, além disso, o matrimônio «não deve ser considerado
uma compra e venda, mas uma comunhão de vida»[33], e ressalta que a continência exagerada no casamento poderia colocar em risco a
unidade matrimonial.
41. A unidade e a comunhão
conjugal como reflexo da união entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5, 28-30)
é um tema particularmente desenvolvido pelos Padres orientais, e São Gregório
Nazianzeno tira dele consequências espirituais concretas: «É belo para a mulher
respeitar Cristo através do marido, e é belo para o homem não desprezar a Igreja
através da esposa [...]. Mas que também o marido cuide da esposa: e, de fato,
Cristo cuida da Igreja»[34].
Alguns autores medievais e modernos
42. No pensamento de São
Boaventura sobre o matrimônio, substancialmente homogêneo ao de Santo Tomás,
sobre o qual falaremos mais adiante, podemos identificar uma reflexão, no quadro
de uma visão teologal, que inclui a necessidade da consumação para que o
matrimônio possa significar plenamente a união entre nós e Cristo: «Uma vez que
o consentimento, como consentimento sobre uma ação futura, não é propriamente
consentimento, mas promessa dele; e porque o consentimento, na verdade, antes da
união carnal não produz uma união plena, uma vez que ainda não são uma só carne,
segue-se que, através das palavras sobre o futuro, se diz que o casamento teve
início, é ratificado com palavras referidas ao presente, mas consumado na união
carnal, porque então são uma só carne e tornam-se um só corpo; e com isso se
significa plenamente aquela união que existe entre nós e Cristo. Então, de fato,
o corpo de um é plenamente dado ao corpo do outro»[35].
43. É útil lembrar também
o pensamento teológico-pastoral de Santo Afonso Maria de Ligório, que apresenta
a união e a doação mútua dos cônjuges de forma integral (incluindo as relações
sexuais), apresentando-as como fins intrínsecos essenciais, enquanto
considera a procriação como um fim intrínseco, mas acidental. Portanto,
ele sustenta que «podem-se considerar três fins no casamento: fins
intrínsecos essenciais, intrínsecos acidentais e fins acidentais extrínsecos. Os
fins intrínsecos essenciais são dois: a doação recíproca com a obrigação
de satisfazer a dívida [ou seja, as relações sexuais] e o vínculo indissolúvel.
Os fins intrínsecos e acidentais são igualmente dois: a geração da prole
e o remédio para a concupiscência»[36].
44. Santo Afonso também se
refere a fins extrínsecos, como o prazer, a beleza e muitos outros, que são
lícitos[37]. Desta forma, o santo Doutor da Igreja tenta enriquecer a visão sobre o
matrimônio para poder desenvolver uma abordagem pastoral que ajude os cônjuges a
viver a sua união de uma forma mais rica e estimulante. É permitido desejar o
matrimônio também com base na atração particular por algum destes fins
extrínsecos, porque, desde que não se excluam os fins principais, isso «não é
uma desordem»[38].
45. Mais próximo de nossos
tempos, o teólogo e filósofo personalista Dietrich von Hildebrand retoma a
ênfase na centralidade do amor no matrimônio dada pelo ensinamento do Papa Pio
XI, a fim de aprofundar a compreensão das propriedades e dos significados do
próprio matrimônio[39]. Em relação ao tema em questão, ele distingue duas formas de união que se
complementam e enriquecem a abordagem inicial deste documento: a primeira forma
de união é expressa pelo pronome “nós”, a segunda pelo par “eu-tu”. No “eu-tu”,
os dois se encontram face a face, se entregam um ao outro, de tal forma que «a
outra pessoa age inteiramente como um sujeito, nunca como um mero objeto»[40]. Isso também implica a passagem da consideração do outro como um “ele” para uma
que chega a reconhecê-lo como um “tu”. Em vez disso, quando a união é
considerada como um “nós”, o outro está comigo, está ao meu lado, caminhando
juntos motivados pelas coisas comuns que nos unem[41]. A união conjugal vive de ambas as experiências.
46. Na união matrimonial,
von Hildebrand evidencia duas atitudes indispensáveis. A primeira é a “discretio”,
ou seja, um espaço de intimidade pessoal que preserva a identidade e a liberdade
de cada um, mas que pode ser compartilhado com uma decisão totalmente livre e,
nesse caso, leva a um aprofundamento do vínculo. A segunda atitude é a
“reverência” pelo outro, que manifesta, em particular na união sexual, o fato de
que se ama uma pessoa, sagrada e inviolável, não um objeto qualquer. O dinamismo
interno do vínculo matrimonial – o “nós”, segundo as categorias de von
Hildebrand – leva os cônjuges a manifestar cada vez mais sua íntima comunhão
pessoal.
47. Esta visão é também
partilhada por Alice von Hildebrand, nascida Jourdain, esposa de Dietrich. Em
particular, ela sustenta que a plena realização da humanidade só pode ser
alcançada na união entre homem e mulher, a “invenção divina”: «não só Ele
[Deus] fez o homem composto de alma e corpo – uma realidade espiritual e uma
material –, mas, além disso, para coroar essa complexidade, “homem e mulher os
criou”. Claramente, a plenitude da natureza humana encontra-se na união perfeita
entre homem e mulher»[42]. Portanto, o amor conjugal entre homem e mulher é considerado pela filósofa e
teóloga belga como o ápice da vocação humana, a expressão suprema da imagem
divina como chamado à doação de si mesmo no amor, onde a ternura do afeto entre
os dois desempenha um papel fundamental, desejado pelo próprio Criador: «O
coração é o centro da pessoa»[43], adverte von Hildebrand, diante de certas tentações de antepor o ativismo à
receptividade do amor, entendido justamente no sentido afetivo. Ela, pois,
acrescenta que «onde a ternura reina, a concupiscência se afasta»[44].
48. O caráter de doação
total do amor conjugal também pode ser visto naquilo que ela conota como uma
verdadeira dimensão “sacrificial” do amor – com uma referência evidente ao amor
“até o fim” de Cristo – que consiste em colocar o bem do outro à frente do
próprio, naquilo que se pode chamar de uma “morte” para si mesmo, que em algumas
ocasiões pode levar a renunciar até mesmo às alegrias da vida familiar por amor
a um bem maior: «O que muitos “amantes” esquecem, seja entre amigos ou entre
marido e mulher, é que o sacrifício é a seiva dos grandes amores. Que o
sacrifício seja a vitamina sagrada do amor também se aplica ao matrimônio, que
oferece aos cônjuges inúmeras ocasiões para morrer para si mesmos»[45]. Em outras palavras, isso significa que o amor conjugal mostra sua fecundidade,
simultaneamente humana e espiritual, quando permanece aberto às exigências mais
elevadas da caridade[46].
O desenvolvimento da visão teologal em tempos recentes
49. Hans Urs von Balthasar
atribui uma importância particular ao consentimento matrimonial que cria aquela
nova unidade que transcende os dois indivíduos: «O convir de duas pessoas tão
despojadas de si mesmas só é possível num terceiro elemento, aquele que [...] é
o fator objetivo que se compõe das suas duas liberdades: o seu voto, a sua
promessa solene, na qual cada um dá o seu consentimento definitivo à liberdade
do outro e ao seu mistério e se entrega a esse mistério. É uma realidade que
deve ser chamada de objetiva apenas porque é mais do que a justaposição de suas
duas subjetividades [...] sua vontade tornada uma (de pertencer um ao outro),
que se coloca acima deles e entre eles, porque nenhum dos dois pode reivindicar
para si a unidade que surgiu»[47].
50. Este pacto, em que
cada um transcende a si mesmo e se rende diante da nova realidade que se cria,
não é de forma alguma uma negação de si enquanto indivíduos livres; é, ao
contrário, uma plenitude de liberdade que se realiza na entrega total a outra
pessoa: «o evento de se doarem na posse recíproca, que se realiza somente sob a abóbada
estendida sobre eles pelo Espírito de amor que os guia e inspira, é tudo menos
uma alienação de si mesmo por parte do indivíduo. Este não alcança a si mesmo
senão em virtude do apelo da outra liberdade, que lhe dá a capacidade de
resolver, de decidir a sua própria, e esta resolução torna-se madura, “maior de
idade”, precisamente quando ele não continua a recuperar-se com hesitação, mas
concentra-se, recolhe-se, para se doar de uma vez por todas»[48].
51. Este autor contempla
de uma maneira particular e teologicamente profunda como essa unidade
matrimonial reflete a união entre Cristo e sua Igreja: «A unidade de medida do
amor matrimonial torna-se o amor entre Cristo e sua Igreja [...]. A unidade
original consiste nisto: a Igreja nasce de Cristo como Eva de Adão: brotou do
lado traspassado do Senhor adormecido na cruz, à sombra da morte e do inferno.
Por isso, ela é o seu corpo, como Eva era carne da carne de Adão. Nesse sono
mortal da Paixão, ele “formou para si a Igreja, como esposa maravilhosa, sem
ruga e sem mancha” (Ef 5, 24-27). Ele mesmo se deixa, como homem, cair no
sono da morte, para poder, como Deus, retirar misteriosamente do morto aquela
fecundidade a partir da qual criará sua esposa, a Igreja. Assim, ela é ele
mesmo, e, no entanto, não é ele mesmo: é seu corpo e sua esposa. “Quem ama sua
esposa, ama a si próprio. Ninguém jamais odiou sua própria carne; protege-a e
cuida dela. Assim também faz Cristo com sua Igreja, pois somos membros do seu
corpo” (Ef 5, 28-30)»[49].
52. Tal visão cristológica
e pneumatológica tem consequências concretas na experiência matrimonial: «Se
voltarmos a olhar para a dedicação mútua dos cônjuges, isso mostra claramente,
mais uma vez, que a lei comum do seu amor (em sentido cristológico) brota tanto
da sua atitude própria de se entregarem voluntariamente, e, portanto, não é uma
lei imposta de fora, como realmente se eleva, superando ambos, como uma terceira
entidade fecunda, criativa (em sentido pneumatológico) e os inspira aos atos da
sua dedicação»[50].
53. Também Karl Rahner
pensa a unidade matrimonial como expressão do amor entre Cristo e a Igreja, mas
não como se Cristo e a Igreja fossem iguais um de fronte do outro, dado que o
amor com o qual Cristo ama a Igreja tem sua origem na «vontade misericordiosa de
Deus de se comunicar»[51]. Desta vontade, como causa, brota o primeiro efeito que é a unidade
Cristo-Igreja. No final, o amor, tal como se expressa na vida dos cônjuges,
chega à sua origem em Deus mesmo[52] . É útil deter-nos em dois textos de Rahner suficientemente eloquentes. O
primeiro: «No amor realmente pessoal, há algo de incondicional que remete para
além e acima da causalidade do encontro dos amantes: quando amam realmente, eles
crescem continuamente para além de si mesmos, chegam a um fluxo que não tem mais
seu ponto de chegada no finito e no determinável. O que repousa numa distância
infinita, que é tacitamente evocado num tal amor, pode-se, no fim das contas,
chamar-se com um único nome: Deus»[53]. E o segundo texto: «O matrimônio e o vínculo entre Deus e a humanidade em
Cristo não só podem ser comparados entre si por nós, mas estão
objetivamente em uma relação recíproca tal que o matrimônio representa
objetivamente esse amor que Deus tem em Cristo pela Igreja, a relação e o
comportamento de Cristo com a Igreja prefiguram a relação e o comportamento que
vigem no matrimônio, e nisso encontram sua realização, de modo que compreendem
em si o casamento como um momento de si»[54].
54. A visão
cristológico-trinitária sobre a unidade matrimonial também foi fortemente e
poeticamente enfatizada por vários autores ortodoxos contemporâneos.
Apresentamos três exemplos:
55. Partindo de sua visão
mística, o teólogo ortodoxo Alexander Schmemann afirma: «Em um matrimônio
cristão, de fato, são três as pessoas casadas; e a lealdade unida dos dois para
com o terceiro, que é Deus, mantém os dois em uma unidade ativa entre si e com
Deus. No entanto, é justamente a presença de Deus que marca o fim do matrimônio
como algo puramente “natural”. É a cruz de Cristo que põe fim à autossuficiência
da natureza. Mas “com a cruz, a alegria entrou no mundo inteiro”. A sua presença
é, em virtude disso, a verdadeira alegria do matrimônio»[55].
56. Outro belo testemunho
encontra-se nas seguintes palavras do filósofo e teólogo russo Pavel Evdokimov:
«a unidade consubstancial do matrimônio forma a unidade de duas pessoas que se
colocam em Deus [...]. Assim, a estrutura trinitária inicial é: homem-mulher no
Espírito Santo. A atualização efetiva de sua unidade no matrimônio (onde o
marido, segundo Paulo, é imagem de Cristo e a esposa é imagem da Igreja)
torna-se semelhança conjugal da unidade Cristo-Espírito»[56].
57. Por fim, vale a pena
citar uma passagem esclarecedora do teólogo John Meyendorff: «Um cristão é
chamado – já neste mundo – a experimentar uma vida nova, a tornar-se cidadão do
Reino, e pode fazê-lo no matrimônio […]. É uma união singular de dois seres
apaixonados, dois seres que podem transcender a sua própria humanidade e estar
assim unidos não só “um com o outro”, mas também “em Cristo”»[57].
58. Os autores orientais
de nosso tempo também insistem no aspecto relacional à luz da Trindade. O
teólogo grego Ioannis Zizioulas afirma que «a pessoa é alteridade na comunhão e
comunhão na alteridade. A Pessoa é uma identidade que
emerge através da relação (schesis, na terminologia dos Padres gregos); é
um “eu” que só pode existir enquanto se relaciona com um “tu” que afirma a sua
existência e a sua alteridade. [...] [O “eu”] não pode simplesmente ser sem o
outro. É isso que distingue a pessoa do indivíduo»[58]. No contexto dessa particular avaliação oriental da relação, que é, em última
análise, um reflexo da comunhão trinitária, outro teólogo e filósofo grego,
Christos Yannaras, mostra como a vida conjugal deve ser compreendida no quadro
mais amplo das relações na comunidade eclesial, o que permite entender a
sexualidade como uma relação pessoal transfigurada pela graça trinitária: «A
relação e o conhecimento entre os cônjuges tornam-se eventos eclesiais,
realizam-se não só por meio da natureza, mas também por meio da Igreja [...] no
âmbito das relações que mantêm unida a Igreja como imagem do modelo trinitário»[59]. E imediatamente explica que «isso não significa “espiritualização” do
matrimônio e desvalorização da relação natural, mas transformação dinâmica do
impulso natural em evento de comunhão pessoal, segundo o modo em que a Igreja
realiza a comunhão, ou seja, como graça-dom gratuito da alteridade e da
liberdade pessoais»[60].
Intervenções magisteriais
Primeiras intervenções
59. Até Leão XIII, as
intervenções relacionadas à monogamia foram poucas e essenciais. É importante
mencionar uma breve, mas importante intervenção de Inocêncio III no ano de 1201,
na qual ele se refere aos pagãos que «dividem o afeto conjugal com mais mulheres
ao mesmo tempo» e, com referência ao Gênesis, afirma que isso é
«contrário à fé cristã, dado que a princípio uma só costela foi transformada em
uma só mulher»[61]. Em seguida, ele se refere à Escritura (cf.
Ef 5, 31; Gn 2, 24;
Mt 19, 5) para enfatizar que se diz que «serão dois em uma só carne» (duo
in carne una) e que o homem se unirá “à esposa”, não “às esposas”. Por fim,
interpreta a proibição do adultério (cf. Mt 19, 9; Mc 10, 11) como
referindo-se ao matrimônio monogâmico[62].
60. O Segundo Concílio de
Lyon reafirma que «tem como certo que não é permitido ao homem ter
contemporaneamente várias mulheres, nem à mulher ter vários maridos»[63]. O Concílio de Trento deduz o sentido da monogamia do fato de Cristo Senhor ter
ensinado mais abertamente que por este vínculo somente dois se podem associar e
unir, quando, citando as palavras acima como proferidas por Deus, disse: “Assim
já não são dois, mas uma só carne”[64]. No século XVIII, Bento XIV, levando em consideração a situação dos casamentos
clandestinos, reafirma que «nenhum dos dois pode, enquanto o outro estiver vivo,
contrair outras núpcias»[65].
Leão XIII
61. A respeito do tema da
monogamia, o ensinamento de Leão XIII retorna a argumentação central sobre o
fato de que os cônjuges constituem “uma só carne”: «Isso vemos declarado e
solenemente ratificado pelo Evangelho com a autoridade divina de Jesus Cristo,
que proclamou aos judeus e aos apóstolos que o casamento, por sua própria
instituição, deve ser apenas entre dois, ou seja, entre um homem e uma
mulher; que dos dois se forma como que uma só carne»[66].
62. Em sua reflexão, a
defesa da monogamia constitui igualmente uma defesa da dignidade das mulheres,
que não pode ser negada ou desonrada nem mesmo pelo desejo de procriação. A
unidade do matrimônio implica, portanto, uma escolha livre da mulher, que tem o
direito de exigir uma reciprocidade exclusiva: «Nada era mais miserável do que a
esposa, rebaixada a tal vilania que era considerada quase apenas como um
instrumento destinado a satisfazer a luxúria ou a procriar filhos. Nem se
envergonhava pelo fato de que aquelas que deviam ser colocadas como esposas
fossem compradas e vendidas como coisas corporais, sendo às vezes dada ao pai ou
ao marido a faculdade de condenar a esposa ao extremo suplício»[67].
63. O casamento monogâmico
é a expressão de uma busca mútua e exclusiva do bem do outro: «É necessário,
isto é, que eles tenham sempre o coração tão disposto a compreender que devem um
ao outro um amor muito grande, uma fé constante, uma ajuda solícita e contínua»[68]. Esta realidade de ser “uma só carne” adquire com Cristo uma nova e preciosa
motivação e atinge a sua plenitude no Sacramento do matrimônio: «Acrescente-se
que o matrimônio é Sacramento precisamente por isso: porque é um sinal sagrado,
que produz a graça e torna imagem das núpcias místicas de Cristo com a Igreja. A
forma e a figura destas são expressas pelo mesmo vínculo de união perfeita com o
qual o homem e a mulher se unem entre si, e que não é outra coisa senão o
próprio matrimônio»[69].
Pio XI
64. O Papa Pio XI oferece
um maior desenvolvimento da doutrina sobre a unidade matrimonial na Encíclica Casti connubii. Ele sublinha o valor da «mútua fidelidade dos cônjuges no
cumprimento do contrato matrimonial; de sorte que o que, em vista deste contrato
sancionado segundo a lei divina, compete apenas ao cônjuge, nem lhe seja negado,
nem permitido a uma terceira pessoa». E conclui: «Esta fidelidade, portanto,
exige em primeiro lugar a absoluta unidade do matrimônio, que o próprio
Criador adotou no matrimônio dos nossos primeiros pais, querendo que não fosse
senão entre um só homem e uma só mulher»[70].
65. O Pontífice enriquece,
assim, o ensinamento sobre a unidade do matrimônio, propondo uma reflexão
inédita sobre o amor conjugal, «que pervade todos os deveres da vida conjugal e
que no matrimônio cristão ocupa como que o primado de nobreza»[71]. E o que há de mais nobre em um matrimônio é o amor conjugal, sobretudo quando
alcança, por graça, o nível sobrenatural da caridade. Como consequência, a união
matrimonial torna-se um caminho de crescimento espiritual: «não compreende
somente o auxílio mútuo, mas deve estender-se também, ou melhor, ter em vista
sobretudo que os cônjuges se auxiliem entre si para uma formação e perfeição
interior cada vez mais plena, de modo que na recíproca união de vida progridam
cada vez mais na virtude, principalmente na caridade para com Deus e com o
próximo [...]. Esta mútua formação interior dos cônjuges, com a assídua
aplicação em se aperfeiçoarem reciprocamente, pode ser chamada, com toda a
verdade [...] causa primária e razão de ser do matrimônio»[72]. Esta “ampliação” do sentido do matrimônio, que supera o sentido estrito,
predominante até então, de instituição ordenada à procriação e à educação
correta dos filhos, abriu caminho para um aprofundamento do sentido unitivo do
matrimônio e da sexualidade.
66. Pode-se também lembrar
como, em sua época, o Papa Pio XI se sentiu compelido a destacar as tendências
contrárias à monogamia que hoje se tornaram muito mais comuns: «Por isso,
corrompem a fidelidade em primeiro lugar aqueles que estimam que devem ser
indulgentes com as ideias e os costumes do nosso tempo, em torno da falsa e
prejudicial amizade com terceiros, e sustentam que, nessas relações estranhas,
devem permitir aos cônjuges uma certa maior liberdade de pensar e agir, tanto
mais que (como dizem) muitos têm uma constituição sexual congênita, que não
podem satisfazer dentro dos estreitos limites do casamento monogâmico. Assim
sendo, essa disposição de espírito, pela qual os cônjuges honestos condenam e
rejeitam qualquer afeto e ato libidinoso com terceiros, eles consideram uma
fraqueza antiquada da mente e do coração ou uma inveja abjeta e vil; por esta
razão dizem que as leis penais do Estado sobre a obrigação da fidelidade
conjugal são nulas ou devem ser anuladas»[73].
Os tempos do Concílio Vaticano II
67. Seguindo o caminho
aberto pela Casti connubii, o Concílio Vaticano II apresenta o matrimônio
antes de tudo como uma obra de Deus que consiste em uma comunhão de amor e de
vida que os dois cônjuges compartilham, comunhão que não é orientada apenas para
a procriação, mas também para o bem integral de ambos. O matrimônio é definido
como «íntima comunidade da vida e do amor conjugal»[74]. No matrimônio, o homem e a mulher, que pela aliança conjugal «“já não são
dois, mas uma só carne” (Mt 19, 6), prestam-se recíproca ajuda e serviço
com a íntima união das suas pessoas e atividades, tomam consciência da própria
unidade e cada vez mais a realizam. Esta união íntima, já que é o dom recíproco
de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade
dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união»[75].
68. O próprio Cristo «vem
ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimônio. E permanece com
eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e se entregou por ela, de igual
modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem com perpétua fidelidade. O
autêntico amor conjugal é assumido no amor divino, e dirigido e enriquecido pela
força redentora de Cristo e pela ação salvadora da Igreja»[76]. Desta forma, é possível viver o amor conjugal: «pois vai de pessoa a pessoa
com um afeto voluntário […] compreende o bem de toda a pessoa e, por
conseguinte, pode conferir especial dignidade às manifestações do corpo e do
espírito, enobrecendo-as como elementos e sinais peculiares do amor conjugal. E
o Senhor dignou-se sanar, aperfeiçoar e elevar este amor com um dom especial de
graça e caridade. Unindo o humano e o divino, esse amor leva os esposos ao livre
e recíproco dom de si mesmos, que se manifesta com a ternura do afeto e, com as
obras, e penetra toda a sua vida»[77]. Os atos sexuais no matrimônio, «realizados de modo autenticamente humano,
exprimem e alimentam a mútua entrega pela qual se enriquecem um ao outro na
alegria e gratidão»[78].
69. O Concílio refere-se
explicitamente à unidade matrimonial para expressar que ela, «confirmada pelo
Senhor, manifesta-se também claramente na igual dignidade da mulher e do homem
que se deve reconhecer no mútuo e pleno amor»[79]. A defesa da unidade matrimonial no Concílio baseia-se, assim, em dois pontos
firmes: por um lado, o Concílio reafirma que a união matrimonial é totalizante,
«permeia toda a vida dos cônjuges»[80] e, consequentemente, só é possível entre duas pessoas; por outro lado,
sublinha que tal amor corresponde à igual dignidade de cada um dos cônjuges, os
quais, no caso de uma união “plural”, se encontrariam na situação de ter de
partilhar com outros o que deve ser íntimo e exclusivo, tornando-se assim como
objetos, numa relação que degrada a sua dignidade pessoal[81].
70. São Paulo VI, ao
terminar o Concílio e retomar suas reflexões sobre o casamento, expressa uma
profunda preocupação com as questões do matrimônio e da família. Embora na
Humanae vitae ele deseje enfatizar o significado procriador do matrimônio e
dos atos sexuais quer, ao mesmo tempo, mostrar que esse significado é
inseparável do outro: o caráter unitivo. De fato, ele afirma que «pela sua
estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo tempo que une profundamente os
esposos, torna-os aptos para a geração de novas vidas»[82]. Nesse contexto, ele reafirma o valor da reciprocidade e da exclusividade que
remete à comunhão de amor e ao aperfeiçoamento mútuo[83]. Existe uma «conexão inseparável» entre os dois significados dos atos sexuais:
«Salvaguardando estes dois aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato
conjugal conserva integralmente o sentido de amor mútuo e verdadeiro e a sua
ordenação para a altíssima vocação do homem para a paternidade»[84]. Logo, se dizemos que o significado unitivo é inseparável da procriação,
devemos dizer ao mesmo tempo que a busca da procriação é inseparável do
significado unitivo, como esclareceu posteriormente São João Paulo II: «A doação
física total seria falsa se não fosse sinal e fruto da doação pessoal total»[85].
São João Paulo II
71. São João Paulo II usa
a referência de Cristo “no princípio” para introduzir, na reflexão sobre a
relação conjugal, a hermenêutica do dom[86]. Na Criação se revela a autodoação de Deus e a própria Criação constitui a
doação fundamental e originária. O ser humano é a única criatura que pode
receber o mundo criado como dom e, ao mesmo tempo, como imagem de Deus, fazer da
própria vida um dom. É nessa lógica que o significado esponsal do corpo humano,
em sua masculinidade e feminilidade, revela que o ser humano foi criado para se
doar ao outro e que somente nessa doação de si mesmo realiza o verdadeiro
significado de seu ser e de sua existência[87].
72. Nesse horizonte, em
sua exposição da concepção cristã da monogamia, São João Paulo II defende a
origem semítica e não ocidental de seus fundamentos mais profundos, afirmando
que «aparece como a expressão da relação interpessoal em que cada uma das partes
é reconhecida pela outra, com o mesmo valor e na totalidade da sua pessoa. Esta
concepção monógama e personalista do casal humano é uma revelação absolutamente
original, que traz o selo de Deus, e que merece ser cada vez mais aprofundada»[88].
73. Todavia, o santo
Pontífice deve reconhecer que toda «a tradição da Antiga Aliança indica que a
consciência das gerações que se foram seguindo no povo eleito, ao “ethos” delas,
não se juntou nunca a exigência efetiva da monogamia [...] não se entende, porém
o adultério como aparece do ponto de vista da monogamia estabelecida pelo
Criador»[89]. Por essa razão, ele se esforça para ler o Antigo Testamento não do ponto de
vista normativo, mas do ponto de vista teológico, e o faz a partir de dois
pilares. O primeiro é a vontade de Cristo de retornar ao princípio[90], à origem da Criação, quando o casal original era monogâmico, no sentido de
“dois em uma só carne”: «Deus fez o homem à Sua semelhança, ao criar varão e
mulher. Eis o que surpreende logo de início. A humanidade, para assemelhar-se a
Deus, deve ser um casal de duas pessoas em movimento uma para a outra»[91]. O outro ponto de referência é a reflexão dos profetas sobre o amor exclusivo
entre Deus e seu povo, pelo qual «denunciam muitas vezes o abandono do
verdadeiro Deus-Javé por parte do povo, comparando-o ao “adultério” [...]. O
adultério é pecado porque constitui a ruptura da aliança pessoal do homem e
da mulher [...]. Em muitos textos a monogamia mostra-se a única e justa
analogia do monoteísmo entendido segundo as categorias da Aliança, isto é, da
fidelidade e entrega ao único e verdadeiro Deus-Javé: Esposo de Israel. O
adultério é a antítese daquela relação esponsal, é a antinomia do matrimônio»[92].
74. Seguindo esta linha de
pensamento, São João Paulo II sustenta que esta união não expressa a vontade
original de Deus sobre a monogamia se a outra pessoa, mesmo que a união seja
exclusiva, se torna apenas um objeto usado para satisfazer os próprios
desejos: «A união ou “comunhão” pessoal, a que o homem e a mulher são
reciprocamente chamados “desde o princípio”, não corresponde, pelo contrário,
está em contraste, a possível circunstância de uma das duas pessoas existir só
como sujeito de satisfação da necessidade sexual, e a outra se tornar
exclusivamente objeto de tal satisfação. Além disso, não corresponde a tal
unidade de «comunhão» – pelo contrário, opõe-se-lhe – o caso de ambos, homem e
mulher existirem reciprocamente como objeto de satisfação da necessidade sexual,
e cada um por sua parte ser só sujeito daquela satisfação. Tal “redução” de tão
rico conteúdo na recíproca e perene atração das pessoas humanas [...] apaga o
significado pessoal e “de comunhão”, precisamente do homem e da mulher»[93].
75. O dom do «Espírito
Santo infuso na celebração sacramental oferece aos esposos cristãos o dom de uma
comunidade nova, de amor, que é a imagem viva e real daquela unidade
singularíssima, que torna a Igreja o indivisível Corpo Místico do Senhor [...]
impulso estimulante a que progridam continuamente numa união cada vez mais rica
a todos os níveis – dos corpos, dos caracteres, dos corações, das inteligências
e das vontades, das almas»[94].
Bento XVI
76. Bento XVI retoma este
ensinamento quando recorda, também ele remetendo para o relato da Criação, que
«o eros está de certo modo enraizado na própria natureza do homem; Adão
anda à procura e “deixa o pai e a mãe” para encontrar a mulher; só no seu
conjunto é que representam a totalidade humana, tornam-se “uma só carne”. Não
menos importante é o segundo aspecto: numa orientação baseada na criação, o eros impele
o homem ao matrimônio, a uma ligação caracterizada pela unicidade e para sempre;
deste modo, e somente assim, é que se realiza a sua finalidade íntima»[95].
77. Bento XVI também
ensinou que o casamento não faz senão recolher e levar a cabo aquela força
disruptiva que é o amor, o qual, na sua dinâmica de exclusividade e
definitividade, não quer mortificar a liberdade humana, mas, pelo contrário,
abre a vida a nada menos que um horizonte de eternidade: «Faz parte da evolução
do amor para níveis mais altos, para as suas íntimas purificações, que ele
procure agora o carácter definitivo, e isto num duplo sentido: no sentido da
exclusividade – “apenas esta única pessoa” – e no sentido de ser “para sempre”»[96].
Francisco
78. O Papa Francisco nos
presenteou com uma reflexão original e enraizada na experiência concreta sobre
diversos aspectos da união exclusiva dos cônjuges no quarto capítulo da
Exortação Apostólica
Amoris laetitia, onde pode ser encontrada uma
descrição detalhada do amor conjugal em suas diversas manifestações, tendo como
ponto de partida 1Cor 13, 4-7. Em primeiro lugar, a paciência, sem a qual
«sempre acharemos desculpas para responder com ira, acabando por nos tornarmos
pessoas que não sabem conviver, anti-sociais incapazes de dominar os impulsos»[97]; depois, a benevolência, o “fazer o bem” como «uma reação dinâmica e criativa
perante os outros»[98]; portanto, a amabilidade, porque quem aprendeu a amar «detesta fazer sofrer os
outros»[99] e «é capaz de dizer palavras de incentivo, que reconfortam, fortalecem,
consolam, estimulam»[100]. O amor implica também um certo “distanciamento de si mesmo”, para se doar
gratuitamente até dar a vida[101]. Consequentemente, o amor é capaz de superar a violência interior em relação
aos defeitos alheios, que «nos põe à defesa perante os outros [...] acabando por
nos isolar»[102]. A tudo isso, se soma o perdão, que «pressupõe a experiência de ser perdoados
por Deus»[103], a capacidade de se alegrar com os outros, de modo que «uma pessoa que consegue
algo de bom na vida, sabe que ali se vão congratular com ela»[104] e a confiança, porque o amor «deixa em liberdade, renuncia a controlar
tudo, a possuir, a dominar»[105]. O amor, enfim, espera pelo outro, «sempre espera que seja possível um
amadurecimento, um inesperado surto de beleza, que as potencialidades mais
recônditas do seu ser germinem algum dia»[106].
79. O Papa Francisco nos
ajuda assim a “encarnar” o que é a “caridade conjugal”. Ao mesmo tempo, com
saudável realismo, ele adverte sobre o perigo de idealizar a união matrimonial
com deduções inadequadas, como se os mistérios teológicos devessem encontrar uma
correspondência perfeita na vida do casal, e esta última devesse ser perfeita em
todas as circunstâncias. Na realidade, isso criaria um constante sentimento de
culpa nos cônjuges mais frágeis, que lutam e fazem o seu melhor para manter a
sua união: «convém não confundir planos diferentes: não se deve atirar para cima
de duas pessoas limitadas o peso tremendo de ter que reproduzir perfeitamente a
união que existe entre Cristo e a sua Igreja, porque o matrimônio como sinal
implica “um processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva
integração dos dons de Deus”»[107]. Em vez disso, é preciso avaliar positivamente todos os esforços, os momentos
dolorosos, os desafios que surpreenderam e desestabilizaram os cônjuges, as
mudanças na pessoa amada e também as derrotas superadas, como parte de um
caminho onde o Espírito Santo opera como quer, porque assim, depois «de ter
sofrido e lutado unidos, os cônjuges podem experimentar que valeu a pena, porque
conseguiram algo de bom, aprenderam alguma coisa juntos ou podem apreciar melhor
o que têm. Poucas alegrias humanas são tão profundas e festivas como quando duas
pessoas que se amam conquistaram, conjuntamente, algo que lhes custou um grande
esforço compartilhado»[108].
Leão XIV
80. Entre as primeiras
intervenções do Papa Leão XIV, em referência ao tema desta Nota, pode-se
levar em consideração o que ele exprime na mensagem para a comemoração do 10º
aniversário da canonização dos cônjuges Luís e Zélia Martin, pais de Santa
Teresinha do Menino Jesus. Nessa ocasião, o Santo Padre refere-se ao «modelo de
casal que a Santa Igreja apresenta aos jovens» como «uma aventura tão bonita: um
modelo de fidelidade e atenção ao outro, um modelo de fervor e perseverança na
fé, de educação cristã dos filhos, de generosidade no exercício da caridade e da
justiça social; um modelo também de confiança na provação»[109].
81. Na verdade, o próprio
lema do Papa Leão XIV, «In illo uno, unum» («Naquele que é Um, somos
um»), extraído de um trecho de Santo Agostinho[110], poderia ser aplicado à vida de casal, sugerindo que «ser uma só coisa» é
possível e plenamente realizável em Deus. Nesse sentido, a unidade matrimonial
encontra seu fundamento e sua plenitude na relação com Deus. Por ocasião do
Jubileu das Famílias, dos Avós e dos Idosos, o Papa Leão XIV, dirigindo-se
diretamente aos cônjuges, reiterou que «o casamento não é um ideal, mas a regra
do verdadeiro amor entre o homem e a mulher; amor total, fiel, fecundo [...].
Esse mesmo amor, ao transformar-vos numa só carne, torna-vos capazes de, à
imagem de Deus, doar a vida»[111].
*
82. O Código de Direito
Canônico refere-se ao «pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher
constituem entre si o consórcio íntimo de toda a vida, ordenado por sua
índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole», e lembra
que «entre os batizados foi elevado por Cristo Nosso Senhor à dignidade de
sacramento»[112].
83. Por fim, em sua visão
sintética, o Catecismo da Igreja Católica afirma que: «A
poligamia é contrária a essa igual dignidade e ao amor conjugal, que é
único e exclusivo»[113]. Além disso, «o amor conjugal exige dos esposos uma fidelidade inviolável. Esta
é uma consequência da doação de si mesmos que os esposos fazem um ao outro»[114]. Por este motivo, o «adultério é uma injustiça. Aquele que o comete, falta aos
seus compromissos. Viola o sinal da Aliança, que é o vínculo matrimonial, lesa o
direito do outro cônjuge e atenta contra a instituição do matrimônio, violando o
contrato em que assenta. Compromete o bem da geração humana e dos filhos que têm
necessidade da união estável dos pais»[115]. Isso não exclui que se possa compreender «o drama daquele que, desejoso de se
converter ao Evangelho, se vê obrigado a repudiar uma ou mais mulheres com quem
partilhou anos de vida conjugal. Contudo, a poligamia não está de acordo
com a lei moral. “Opõe-se radicalmente à comunhão conjugal”»[116].
IV. Algumas perspectivas
da filosofia e das culturas
No pensamento cristão clássico
84. Em Santo Tomás de
Aquino, podemos encontrar um pensamento filosófico cristão, que se tornou
clássico, sobre os fundamentos da monogamia. No terceiro livro da Summa
contra Gentiles, sua concepção aparece principalmente sob o ponto de vista
filosófico, com raciocínios extraídos da teologia natural e de seus
conhecimentos da biologia da época. A relação conjugal é apresentada como um
vínculo de ordem natural, uma «união do homem com a mulher»[117] ou uma forma de «vínculo social (socialis coniunctio)»[118], inerente à natureza humana, que une o homem e a mulher.
85. Santo Tomás defende
que a monogamia deriva essencialmente do instinto natural, estando inscrita na
natureza de cada ser humano; este âmbito prescinde, assim, das exigências da fé.
De fato, «o homem quer naturalmente ter certeza da sua prole, certeza esta
que seria totalmente anulada se muitos homens fossem companheiros de uma só
mulher. Logo, provém do instinto natural que uma mulher seja de um só homem»[119]. Essa união, que consolida o equilíbrio recíproco entre o homem e a mulher, é
regida por «uma equidade natural». Portanto, não há espaço para qualquer forma
de poliandria, nem para a poligamia que, aliás, o Aquinate define como uma forma
de escravidão: «Parece também contrariar a equidade a dissolução da sociedade
matrimonial […]. Se, pois, um homem que assumiu a mulher na juventude, quando
fecunda e bela, pudesse abandoná-la quando ela envelhecer, causar-lhe-ia dano
contra a equidade natural […]. Se, portanto, o marido pudesse abandonar a
mulher, a sociedade entre ambos não seria equitativa, mas haveria uma certa
servidão da mulher»[120].
86. Além disso, a equidade
no amor estabelece uma paridade substancial entre os cônjuges, ou seja, uma
igualdade fundamental entre o homem e a mulher: «a amizade consiste em uma certa
igualdade. Se, pois, não é lícito às mulheres ter muitos maridos (porque isto
vai contra a certeza da prole), o fato de ser lícito ao marido ter muitas
mulheres não manteria a amizade livre da mulher para o marido, mas seria uma
amizade quase servil. E isto é também comprovado pela experiência, porque, nos
maridos de muitas mulheres, estas são tratadas como criadas […]. Além disso, não
há amizade intensa para muitos. Como diz o Filósofo. Se, pois, a mulher tiver um
só marido e este, muitas mulheres, não haverá amizade igual em ambas as partes»[121].
87. Por conseguinte, a
fidelidade conjugal tem como fundamento o grau máximo de amizade que se
estabelece entre o homem e a mulher. Essa amizade no grau máximo (maxima
amicitia), como amor de benevolência (amor benevolentiae), diferente
do amor de concupiscência (amor concupiscentiae) que é orientado
mais para o próprio benefício, leva a uma troca íntima e total entre iguais, na
qual cada parceiro se entrega sem reservas, buscando o bem do outro: «Além
disso, quanto maior a amizade, tanto mais durável. Ora, verifica-se que a
amizade entre esposo e esposa é a máxima (maxima amicitia), pois unem-se
não só no ato da cópula carnal, que mesmo entre os animais realiza-se em
agradável convívio, como também para o todo consórcio da convivência familiar.
Donde, em sinal disto, o homem abandona o pai e a mãe por causa da esposa, como
se lê no Gênesis (2, 24)»[122].
Comunhão de duas pessoas
88. No século XX, alguns
filósofos cristãos enfatizam uma visão do matrimônio como união entre pessoas ou
comunhão de vida. No contexto do pensamento tomista clássico, Antonin-Dalmace
Sertillanges apresenta o matrimônio como união de duas pessoas, que nunca
pode ser entendida como uma espécie de fusão ou destruição de si mesmos para
constituir uma unidade superior, nem como puro meio de procriação para o bem da
espécie: «O homem, que é pessoa, ou seja, um fim em si mesmo
[...]; o homem que vale independentemente da raça, enquanto vale por si
mesmo, buscará em sua união, juntamente com o bem da raça, também o seu próprio
bem. Portanto, se o homem e a mulher fundam uma vida cimentada pelo amor, essa
vida se desenvolverá em dois centros como uma elipse em dois focos [...] sem que
ninguém seja sacrificado»[123].
89. Coerente com esse
pensamento, Sertillanges mostra que, no matrimônio, até mesmo a busca do bem
para si mesmo constitui uma forma de levar a sério a outra pessoa, abrindo para
ela a possibilidade de ser fecunda graças ao seu cônjuge: «É melhor dar do que
receber, dizíamos; mas receber é também dar. Ó meu coração, recebe, para que o
amigo encontre em você o testemunho do que ele dá. Seja feliz, para que o amigo
possa dizer: eu trago, portanto, felicidade!»[124]. Desta forma, «as duas vidas enriquecem-se tanto mais quanto a sua aliança se
destina a tornar-se mais estreita e as suas contribuições mútuas se destinam,
por natureza, a complementar-se»[125], porque «este amor que faz com que duas pessoas unidas sejam o que cada uma
delas, por si só, não poderia ser, é o enriquecimento natural mais decisivo»[126]. Desta forma, a comunhão matrimonial implica uma «dupla preferência que se
cruza para formar o mais forte dos laços, e faz de cada um, por sua vez, o mais
amante e o mais querido, e faz com que cada um obtenha o que lhe é devido
precisamente ao mesmo tempo que o proporciona ao outro; a felicidade de ser um
em dois»[127].
Uma pessoa inteiramente referida a uma outra
90. Neste ponto, é útil
relacionar três autores que aprofundaram cada vez mais uma linha de pensamento
sobre a unidade matrimonial. O primeiro é Søren Kierkegaard. É sua convicção que
a pessoa se realiza quando é capaz de sair de si mesma, tornando assim possível
o amor e a união: «O amor é abandono, mas o abandono só é possível graças ao
fato de eu sair de mim mesmo»[128], aceitando o risco e a imprevisibilidade. Só assim se torna possível a decisão
de pertencer plenamente a uma única pessoa, com todos os riscos que essa decisão
pode acarretar: «é preciso dar um passo decisivo e, para isso, é preciso
coragem; no entanto, o amor matrimonial precipita-se no nada quando isso não
acontece, porque é somente graças a isso que se mostra que não se ama a si
mesmo, mas ao outro. E como se deve demonstrar isso, senão pelo fato de se estar
sozinho por outra pessoa?»[129]. Consequentemente, sustenta o filósofo dinamarquês, «percebeu-se a afronta e,
portanto, o quão desagradável é querer amar com uma parte da alma, mas não com
toda ela, reduzir o próprio amor a um momento e, no entanto, tomar todo o amor
de outra pessoa»[130].
91. Assim, encontramos o
fundamento da monogamia precisamente na ideia de pessoa, que permite ao mesmo
tempo compreender o sentido da própria existência e amar a do cônjuge. O chamado
interior para se abandonar diante do outro torna-se, assim, o fundamento de
«amar apenas um»[131]. O próprio Kierkegaard confirma isso quando reconhece que, se existe um amor
verdadeiro que nos faz sair de nós mesmos em direção ao outro, «os amantes estão
intimamente convencidos de que sua relação é um todo perfeito em si mesmo»[132]. Ele também reconhece que essa realidade significa para os cônjuges um chamado
a «transformar o instante do prazer em uma pequena eternidade»[133]. Isso implica, então, a ação da vontade espiritual, mas sobretudo a referência
a Deus, sem separar o matrimônio – compreendido em seu componente de prazer e
sexualidade – do amor de Deus: «os amantes referem seu amor a Deus», que
efetivamente «lhe dará uma marca absoluta de eternidade»[134].
92. Estas fontes também
alimentam o personalismo de Emmanuel Mounier, que parte do «valor absoluto da
pessoa humana»[135], cuja plena realização só pode ocorrer na doação de si mesmo, em um processo
que transfigura todas as tensões da personalidade[136]. Ao contrário, «constituída em sociedade fechada, a família torna-se à imagem
do indivíduo que lhe propôs o mundo burguês»[137], e, dessa forma, constitui apenas a soma de dois particularismos, não uma
união. Se compreendermos sua verdadeira natureza, «os indivíduos devem
sacrificar a ela seu particularismo […]. Ela é uma aventura a ser vivida, um
compromisso a ser fecundado»[138].
Mas com a condição de se empenharem nela com todo o seu esforço. Essa
união totalizante é entre dois e não admite rivais.
93. Também defensor do
personalismo, Jean Lacroix inspira-se mais diretamente em Kierkegaard e expressa
ideias semelhantes sob a figura do reconhecimento mútuo das duas pessoas
(s’avouer l’un à l’autre), que as abre à comunhão com todos: «No momento
em que se reconhecem mutuamente, os cônjuges reconhecem-se ao mesmo tempo
perante uma realidade superior […]. A família, de fato, pode ser sem dúvida o
lugar, a fonte e a origem de toda socialidade [...]. Será, portanto, a própria
análise do reconhecimento que nos permitirá discernir o que há de verdadeiro e o
que há de falso na concepção da família entendida como célula social»[139]. O reconhecimento do outro é o «ato humano que assume plenamente o caráter de
intimidade e o caráter de socialidade» e, deste modo, responde ao desejo
transcendental do amor em seu sentido mais rico[140]. Mas trata-se de reconhecer o outro «como outro»[141]. Desta forma, a tendência para lutar contra o outro «transforma-se em
reconhecimento mútuo»[142]. Neste horizonte, compreende-se que «o fundamento do matrimônio, que é
essencialmente amor, não pode ser outro senão o reconhecimento integral –
reconhecimento do corpo, reconhecimento da alma, reconhecimento total deste
espírito encarnado que é o homem concreto»[143]. Portanto, a monogamia emerge claramente da afirmação de que o matrimônio entre
um homem e uma mulher é uma «unidade superior» a qualquer outra nesta terra: «o
ser familiar é a mais alta realização da unidade humana»[144].
Face a face
94. O filósofo francês
Emmanuel Lévinas, com sua reflexão sobre o rosto do outro, propõe-se a descobrir
a relação pessoal sempre como um «face a face». Graças ao rosto, que sempre
impõe seu reconhecimento, a interioridade pessoal torna-se comunicável e exige a
descoberta sempre nova do outro[145]. O desejo sexual, quando se move dentro desta dinâmica do rosto do outro, pode
manter adequadamente juntas a sensibilidade e a transcendência, a afirmação de
si mesmo e o reconhecimento da alteridade. Neste cara a cara, a carícia age como
expressão do amor que busca a união admirando, respeitando e preservando a
alteridade: «Não é uma intencionalidade de desvelamento, mas de procura: caminho
para o invisível»[146]. O pensamento de Lévinas pode ser um caminho fecundo para aprofundar o
significado do matrimônio como união exclusiva: um face a face que só é possível
entre dois e que, quando se realiza plenamente, reivindica para si a pertença
recíproca exclusiva, incomunicável e intransferível para fora desse “nós dois”.
95. A poligamia, o
adultério ou o poliamor baseiam-se na ilusão de que a intensidade da relação
pode ser encontrada na sucessão de rostos. Como ilustra o mito de Don Juan, o
número dissolve o nome: dispersa a unidade do impulso amoroso. Se Lévinas
mostrou que o rosto do outro convoca a uma responsabilidade infinita, única e
irredutível, multiplicar os rostos numa pretensa união total significa
fragmentar o sentido do amor matrimonial.
O pensamento de Karol Wojtyła
96. Por trás das
conhecidas catequeses sobre o amor oferecidas por São João Paulo II como
Pontífice, podemos encontrar a reflexão filosófica desenvolvida pelo jovem Bispo
Karol Wojtyła. Trata-se de uma reflexão que ajuda a compreender em profundidade
o sentido da união única e exclusiva do matrimônio.
97. O jovem pensador
polonês leva muito a sério o tema objeto da presente Nota. Ele explica
que o matrimônio possui «uma estrutura interpessoal: é uma união e uma
comunidade de duas pessoas»[147]. Este é o «seu caráter essencial», «a razão de ser interior e essencial do
casamento», que é «sobretudo constituir uma união de duas pessoas». Este é o seu
«valor integral», que permanece mesmo para além da procriação[148].
98. Na base de todo o seu
pensamento, encontra-se o que ele mesmo chama de «princípio personalista», que
exige «tratar a pessoa de maneira correspondente ao seu ser» e não «na situação
de um objeto de gozo, a serviço de outra pessoa»[149], como acontece na poligamia. Ser pessoa implica necessariamente que «nunca pode
ser para outra pessoa um objeto de gozo utilitário, mas apenas objeto (mais
exatamente co-sujeito) de amor»[150], porque «não pode ser tratada como objeto de uso, portanto como um meio»[151].
99. O pensamento de
Wojtyła permite compreender por que razão apenas a monogamia garante que a
sexualidade se desenvolva num quadro de reconhecimento do outro como sujeito com
quem se partilha integralmente a vida, sujeito que é um fim em si mesmo e nunca
um meio para as próprias necessidades. A união sexual, que envolve toda a
pessoa, só pode tratar o outro como pessoa, ou seja, como co-sujeito no amor e
não objeto de uso, se se desenvolver no quadro de uma pertença única e
exclusiva. Neste caso, aqueles que se doam plena e completamente ao outro só
podem ser dois. Em qualquer outro caso, seria uma doação parcial de si
mesmo, porque tal doação deve deixar espaço para outros e, consequentemente,
todos seriam tratados como meios e não como pessoas. Por estas razões, ele
conclui que «a monogamia estrita é uma manifestação da ordem personalística»[152].
100. Na mesma obra, Karol Wojtyła amplia a
reflexão sobre a monogamia com um desenvolvimento original sobre a finalidade
unitiva da sexualidade, que se torna uma expressão e uma maturação daquele dado
objetivo que é a unidade matrimonial como propriedade essencial do matrimônio.
Por essa razão, ele nega veementemente a tese rigorista – que ele considera
própria de visões “maniqueístas” ou “ultra-espiritualistas” – segundo a qual «o
Criador se serve do homem e da mulher, assim como de suas relações sexuais, para
assegurar a existência da espécie homo. Assim, ele utiliza as pessoas
como meios»[153]. Somente nesse contexto, o prazer sexual se tornaria tolerável. Wojtyła
sustenta, ao contrário, que «não é de forma alguma incompatível com dignidade
objetiva das pessoas o fato de que seu amor conjugal implique um “prazer” sexual
[...]. Existe uma alegria conforme à natureza da tendência sexual e, ao mesmo
tempo, à dignidade das pessoas; no vasto campo do amor entre o homem e a mulher,
ela brota da ação comum, da compreensão mútua, da realização harmoniosa dos fins
escolhidos em conjunto. Essa alegria, esse gozo, pode provir tanto do
prazer multiforme criado pela diferença dos sexos quanto da voluptuosidade
sexual que as relações conjugais oferecem [...] desde que seu amor se desenvolva
normalmente a partir do impulso sexual»[154].
101. Em seu esforço para evitar o rigorismo
extremo, que acaba por excluir a finalidade unitiva da sexualidade no
matrimônio, Wojtyła explica que o outro pode ser verdadeiramente amado como
pessoa e, ao mesmo tempo, ser plenamente desejado. Estas duas coisas
«diferenciam-se entre si, mas não a ponto de se excluírem», porque «uma pessoa
pode desejar outra como um bem para si mesma, mas pode ao mesmo tempo desejar o
bem para ela, independentemente do fato de ser também um bem para si»[155]. Reconhecendo a integralidade da pessoa e de suas necessidades, deve-se também
admitir que o amor recíproco requer muitas outras expressões, não apenas a
sexualidade: se «o que as duas pessoas trazem para o amor é única ou
principalmente a concupiscência em busca do gozo e do prazer, então a
reciprocidade será privada das características»[156] que oferecem estabilidade ao casamento (o amor virtuoso, a confiança, os
dons desinteressados, etc.).
Mais além
102. O matrimônio de Jacques e Raïssa Maritain
parece ser um caso especial de comunhão intelectual, cultural e espiritual, que
não pode ser apresentado como o único modelo, pois as formas de união conjugal
são certamente tão diversas quanto as pessoas. No entanto, o caso especial deles
tem muito a dizer. Dada a maravilhosa experiência de compartilhar com Raïssa uma
busca interior da verdade e, acima de tudo, de Deus, Jacques relativiza – sem
excluí-la – a importância do desejo, da paixão e da sexualidade: «A verdade é
esta, na minha opinião: em primeiro lugar, o amor como desejo ou paixão, e o
amor romântico – ou pelo menos um elemento dele – deveriam, na medida do
possível, estar presentes no casamento como um primeiro incentivo, como ponto de
partida [...]. Em segundo lugar, o matrimônio, longe de ter como objetivo
principal levar à perfeição o amor romântico, tem de realizar nos corações
humanos uma obra bem diferente: uma operação de alquimia infinitamente mais
profunda e misteriosa»[157]. Ele é fascinado por «um amor verdadeiramente desinteressado, que não exclui o
sexo, é claro, mas que se torna cada vez mais independente do sexo»[158]. Ele não se refere, num sentido gnóstico ou jansenista, a um amor espiritual
completamente desconectado da corporeidade ou das realidades terrenas, porque
tal interpretação seria contrária ao seu pensamento antropológico, mas
precisamente ao ideal de «uma doação completa e irrevogável de um ao outro, por
amor ao outro. É assim que o matrimônio pode ser uma autêntica comunidade de
amor entre homem e mulher: algo construído não sobre areia, mas sobre rocha»[159]. Este ideal da plena doação de si ao cônjuge implica «a árdua disciplina do
auto-sacrifício e a força das renúncias e purificações [...]. Cada um, em outras
palavras, pode então se dedicar realmente ao bem e à salvação do outro»[160]. Neste contexto, ele ressalta a necessidade constante do perdão: «preparado e
pronto, assim como um Anjo da guarda deve ser, para perdoar muito ao outro: de
fato, a lei evangélica do perdão mútuo expressa bem, me parece, uma exigência
fundamental»[161].
103. A visão filosófica de Maritain mostra-se
neste texto completamente transfigurada por uma visão sobrenatural, onde o poder
do amor teologal empurra completamente a pessoa que ama para fora de si mesma,
em busca do bem do outro, até à plenitude desse bem do amado que consiste na sua
salvação, ou seja, na sua união total com Deus. Esta visão profundamente
espiritual de Maritain parece excluir uma abordagem filosófica completa do amor
matrimonial que podemos encontrar em outros autores, mas tem o grande mérito de
guiar a nossa reflexão sobre o amor monogâmico em uma ascensão voltada para os
valores mais elevados, onde tal amor amadurece em um sentido oblativo, que no
matrimônio assume a forma de uma união radical. Essa união admirável se
manifesta na preocupação sincera e constante pelo bem do outro como movimento
sobrenatural, e na busca terna e generosa da realização plena e total da pessoa
amada no amor salvífico de Deus.
104. De qualquer forma, num texto posterior
nota-se uma maior precisão filosófica. Trata-se das anotações que Maritain
desenvolve a partir do Diário da esposa, publicado após a morte desta.
São anotações completadas pelo próprio Maritain e publicadas separadamente[162]. Já nas primeiras páginas retorna o tema daquele amor muito especial que atinge
níveis altíssimos de generosidade e desinteresse. O filósofo francês chama-o de
«amor louco»[163], porque é um amor «considerado na sua forma extrema e completamente absoluta»[164], caracterizado «no poder que tem de alienar a alma de si mesma»[165]. Mas a novidade é que, neste comentário ao
Diário de Raïssa, ele dá um
passo decisivo: integra positivamente a sexualidade também no contexto desse
amor perfeito. Partindo da natureza humana feita de espírito e corpo e da
característica totalizante do amor matrimonial, ele chega a afirmar: «uma pessoa
humana pode se dar a outra ou se extasiar em outra a ponto de fazer dela seu
Tudo, somente se lhe der, ou estiver disposta a lhe dar, seu corpo, ao
mesmo tempo em que lhe dá sua alma»[166]. Nesse amor supremo entre dois seres humanos, a unidade matrimonial encontra
sua expressão terrena mais preciosa.
Outros pontos de vista
105. É útil aqui ter em mente também uma visão
voltada para o Oriente não cristão. Detenhamo-nos, por exemplo, sobre as
tradições da Índia. Nessa região, embora a monogamia tenha sido habitualmente a
norma e considerada um ideal na vida conjugal, ao longo dos séculos a poligamia
continuou presente. De qualquer forma, um dos textos mais antigos extraído das
escrituras hindus, o Manusmṛti, afirma o seguinte: «Que a fidelidade
mútua continue até a morte, isso pode ser considerado como o resumo da lei
suprema para marido e mulher. Que o homem e a mulher, unidos em casamento, se
esforcem constantemente, que (eles não sejam) desunidos (e) não violem sua
fidelidade mútua»[167]. Um texto importante que é frequentemente citado para defender a monogamia é o
do Srimad Bhagavatam ou Bhagavata Purana, no qual se lê: «O Senhor
Rāmachandra fez voto de aceitar uma única esposa e de não ter qualquer vínculo
com outras mulheres. Ele era um rei virtuoso, e tudo em seu caráter era bom, não
contaminado por qualidades como a ira»[168]. Quando Ravana rapta sua esposa Sita, o Senhor Rāmachandra, que poderia ter
tomado qualquer outra mulher como esposa, não toma nenhuma. Além disso, a ênfase
dada à castidade da esposa no Thirukkural (uma coleção clássica de
aforismos em língua tâmil) indica a importância da fidelidade total: «Se a
mulher pudesse preservar a castidade, que tesouro mais precioso poderia conter o
mundo? [...] Aquela que vigia incessantemente para se proteger, cuida do marido
e do bom nome da própria família, dai-lhe um nome de mulher»[169].
106. Em conexão com a reflexão filosófica e
cultural desenvolvida até aqui, é oportuno prestar atenção também ao tema da
educação. De fato, nossa época conhece diversos desvios em relação ao amor:
multiplicação dos divórcios, fragilidade das uniões, banalização do adultério,
promoção do poliamor. Diante de tudo isso, é preciso reconhecer que as grandes
narrativas coletivas (romances, filmes, canções) continuam a exaltar o mito do
“grande amor” único e exclusivo. O paradoxo é evidente: as práticas sociais
minam o que o imaginário celebra. Isso revela que o desejo de um amor monogâmico
permanece inscrito no profundo do ser humano, mesmo quando os comportamentos
parecem negá-lo.
107. Como preservar, então, a possibilidade de um
amor fiel e monogâmico? A resposta está na educação. Não basta denunciar os
fracassos; partindo dos valores que o imaginário popular ainda conserva, é
preciso preparar as gerações para acolher a experiência amorosa como um mistério
antropológico. O universo das redes sociais, onde o pudor desaparece e
proliferam as violências simbólicas e sexuais, mostra a urgência de uma nova
pedagogia. O amor não pode ser reduzido a um impulso: ele sempre convoca à
responsabilidade e à capacidade de esperança de toda a pessoa. O noivado,
entendido em seu sentido tradicional, encarna esse tempo de prova e
amadurecimento, em que o outro é acolhido como promessa de infinito. Assim, a
educação para a monogamia não constitui uma coerção moral, mas uma iniciação à
grandeza de um amor que transcende a imediatez. Ela orienta a energia erótica
para uma sabedoria da durabilidade e para uma abertura ao divino. A monogamia
não é arcaísmo, mas profecia: ela revela que o amor humano, vivido em sua
plenitude, antecipa, em qualquer forma, o próprio mistério de Deus.
V.
A palavra poética
108. A propósito da palavra poética, o Papa
Francisco afirma que «a palavra literária é como um espinho no coração que leva
à contemplação e te põe em caminho. A poesia é aberta, leva você para outro
lugar»[170]. E acrescenta: «O artista é o homem que com seus olhos olha e ao mesmo tempo
sonha, vê mais profundamente, profetiza, anuncia uma maneira diferente de ver e
compreender as coisas que estão diante dos nossos olhos. De fato, a poesia não
fala da realidade a partir de princípios abstratos, mas colocando-se à escuta da
própria realidade»[171]. Dadas estas premissas, não é possível deixar de fazer referência à palavra
poética para melhor compreender aquele mistério do amor de dois que se unem e se
pertencem mutuamente.
109. É útil notar como muitos poetas tentaram expressar a beleza dessa união única e
exclusiva. Reconhecer agora a força de sua poesia certamente não implica
sustentar que sua vida foi perfeita ou que sempre foram fiéis no amor. De
qualquer forma, parece evidente que, quando encontraram o amor e decidiram
pertencer exclusivamente a outra pessoa, ou quando perceberam o valor de uma
união exclusiva, esses poetas precisaram expressá-lo por meio de sua arte, quase
como se indicassem que se trata de algo que vai além da satisfação sexual, da
realização de uma necessidade pessoal ou de uma aventura superficial. Podemos
considerar alguns exemplos:
Passeamos e passeamos, enquanto não voltamos para casa, nós dois[172].
Nenhuma outra, amor, dormirá com meus sonhos. Tu irás, iremos juntos através das águas do tempo...[173].
110. Nestes versos percebe-se que, num caminho de
respeito e liberdade, o tempo consagra a escolha mútua, fortalece o vínculo,
aprofunda a satisfação de pertencer um ao outro, embeleza aquele “nós” que chega
a ser sentido como indestrutível. No contexto dessa união, cada um dos dois sabe
que, assim como deu algo de si ao outro, da mesma forma recebeu muito do amado:
Desci milhões de escadas dando-te o meu braço não porque com quatro olhos talvez se veja mais. Desci-as contigo porque sabia que de nós dois as únicas pupilas verdadeiras, embora tão ofuscadas, eram as tuas[174].
Eu te dou a mim mesma, minhas noites sem dormir, os longos goles de céu e estrelas – bebidos nas montanhas, a brisa dos mares percorridos em direção a auroras distantes. [...] E tu acolhe minha admiração de criatura, meu tremor de haste vivo no círculo dos horizontes, dobrado ao vento limpo – da beleza: e tu deixas que eu olhe esses olhos que Deus te deu, tão densos de céu – profundos como séculos de luz mergulhados além dos picos[175].
111. A relação é vista como insubstituível, de tal
forma que, quando o poeta quer reencontrar suas raízes, ele se concebe como
referido à outra pessoa, com uma força que transcende o tempo:
Eu fecharei os olhos e só quero cinco coisas, cinco raízes preferidas. Uma é o amor sem fim... A quinta coisa são os teus olhos Minha Matilde, bem-amada, Não quero dormir sem o teu olhar, não quero ficar sem que tu me olhes[176].
112. Nos grandes poetas, geralmente não se
encontra um romantismo ingênuo, mas um realismo que reconhece os riscos da
dependência estática, aceita os desafios que estimulam o crescimento e, ao mesmo
tempo, não perde de vista a necessidade de uma abertura além do círculo restrito
dos dois:
Nós dois de mãos dadas Acreditamos que estamos em casa em qualquer lugar [...] Ao lado de sábios e loucos Entre crianças e adultos[177].
113. Isso está enraizado no fato de que a
autenticidade dessa união exclui qualquer forma de fusão fechada em si mesma. A
pertença mútua não é apenas fruto de uma necessidade pessoal, mas de uma decisão
de pertencer ao outro que permite superar a solidão e o abandono: uma decisão
que é ao mesmo tempo intimamente marcada por um grande respeito pelo outro e por
seu mistério pessoal. O amor, que vê no outro um valor único, percebe à sua
maneira que a pessoa humana é “intransferível”, que não pode ser sua
propriedade, e exige para si uma atitude semelhante:
Teus olhos me interrogam tristes. Gostariam de sondar todos os meus pensamentos enquanto a lua sonda o mar [...] Mas é o meu coração, o meu amor. Suas alegrias e suas ansiedades são imensas e infinitos seus desejos e suas riquezas. Este coração está perto de ti como a tua própria vida, Mas tu não podes conhecê-lo por completo[178].
114. Nestes poucos exemplos citados, fica claro
como a palavra poética leva a sério o valor da união exclusiva de duas pessoas
que decidiram livremente ficar juntas e pertencer-se uma à outra, de forma
exclusiva. Pode resumir-se o que foi dito sobre o caráter totalizante do amor
com as palavras de outra grande poetisa, Emily Dickinson: «Que o Amor é tudo
/ é tudo o que sabemos sobre o Amor”[179].
VI.
Algumas reflexões para aprofundar
115. Graças ao caminho percorrido até aqui, agora
é possível reunir uma bagagem consistente de considerações que podem ajudar a
perceber a união matrimonial, única e exclusiva, de forma harmoniosa e
multiforme. Trata-se de considerações úteis para um aprofundamento válido do
significado da monogamia; parece, no entanto, oportuno, nesta última parte da Nota, concentrar a atenção em alguns importantes pontos específicos sobre o
tema em análise. Como vimos, a unidade-união matrimonial poderia ser expressa
sob diferentes figuras filosóficas, teológicas ou poéticas, mas entre tantas
possibilidades duas parecem decisivas: a pertença recíproca e a caridade
conjugal. Ambas surgiram com frequência em vários textos citados na presente Nota.
Pertença recíproca
116. Uma forma de expressar essa união exclusiva
entre duas pessoas resume-se na expressão “pertença recíproca”. Já no século V,
São Leão Magno se refere à pertença recíproca dos cônjuges quando fala da
situação dos soldados que, dados como mortos, voltam da guerra e descobrem que
foram “substituídos” por outros. Então, o Papa ordena que «cada um receba o
que lhe pertence»[180]. Esta ideia nos leva agora a refletir sobre essa pertença recíproca de uma
maneira mais rica e profunda.
117. Santo Tomás de Aquino afirma que, para
estabelecer uma amizade, «a benevolência não é suficiente [...], é preciso que
haja reciprocidade de amor»[181]. A pertença recíproca baseia-se no consentimento livre de ambos. De fato, no
rito latino do casamento, o consentimento é expresso dizendo: «Eu te recebo por
minha esposa», «Eu te recebo por meu esposo»[182]. A este respeito, seguindo o ditame do Concílio Vaticano II, deve dizer-se que
o consentimento é um «ato humano com o qual os cônjuges mutuamente se dão e
recebem»[183]. Este ato «que une os esposos entre si»[184] é um dar-se e receber-se: é o dinamismo que dá origem à pertença
recíproca, chamada a aprofundar-se, a amadurecer e a tornar-se cada vez mais
sólida. Em termos técnicos, o mútuo doar-se é a matéria; o acolhimento
recíproco é a forma.
118. Não por acaso, São Paulo VI relaciona a
«doação pessoal recíproca» no casamento à unidade do vínculo,
caracterizando-a como «própria e exclusiva»[185]. E, ainda a propósito da reciprocidade, Karol Wojtyła sustenta que ela «nos
obriga a considerar o amor do homem e da mulher não apenas como o amor de um pelo
outro, mas sim como algo que existe entre eles […]. O amor não
está apenas na mulher nem apenas no homem, – porque então
teríamos, em definitiva, dois amores –, mas é único, é aquilo que os une […]. O seu ser, na sua plenitude, é interpessoal e não individual […]. É a
reciprocidade que, no amor, decide o nascimento desse “nós”. Ela prova que o
amor amadureceu, tornou-se algo entre as pessoas, criou uma comunidade»[186]. Essa reciprocidade é reflexo da vida trinitária: «duas pessoas que um amor
perfeito reúne na unidade. Este movimento e este amor fá-las semelhantes a Deus,
que é o próprio Amor, a Unidade absoluta das Três Pessoas»[187]. A unidade da relação dos esposos está profundamente enraizado na comunidade
trinitária.
119. O Papa Francisco gostava de falar sobre o
matrimônio em termos de pertença livremente escolhida, porque «sem sentido de
pertença não se pode sustentar uma entrega aos outros, acabando cada um por
procurar apenas as próprias conveniências»[188]. No casamento, cada um dos dois «expressa a firme opção de
se pertencerem um ao outro. Casar-se é uma
maneira de exprimir que realmente se abandonou o ninho materno, para tecer
outros laços fortes e assumir uma nova responsabilidade perante outra pessoa.
Isto vale muito mais do que uma mera associação espontânea para mútua
compensação»[189]. A pertença recíproca e exclusiva torna-se uma forte motivação para a
estabilidade da união: «No matrimônio, vive-se também o sentido de pertencer completamente a uma
únicapessoa. Os esposos assumem o desafio e o anseio de envelhecer e
gastar-se juntos, e assim reflectem a fidelidade de Deus […]. É uma pertença do coração, lá onde só Deus vê (cf.
Mt 5, 28). Cada
manhã, quando se levanta, o cônjuge renova diante de Deus esta decisão de
fidelidade, suceda o que suceder ao longo do dia. E cada um, quando vai dormir,
espera levantar-se para continuar esta aventura»[190].
A transformação
120. Com o passar do tempo, mesmo quando a atração
física e a possibilidade de ter relações sexuais enfraquecem, a pertença
recíproca não está destinada à dissolução. A opção pela união dos dois se
modifica, transforma-se. Naturalmente, não faltarão várias expressões íntimas de
afeto, que, no entanto, também são consideradas exclusivas, pois são expressões
da única união matrimonial, que não poderia ser oferecida a outras pessoas sem
experimentar uma inadequação. Precisamente porque a experiência de pertença
recíproca e exclusiva se aprofundou e se fortaleceu ao longo do tempo, há
expressões que são reservadas apenas àquela pessoa com quem se escolheu
compartilhar o próprio coração de maneira única.
121. Para o Papa Francisco, esta é precisamente
uma das vantagens de entender a união matrimonial como pertença recíproca: «A relação íntima e a mútua pertença devem ser mantidas durante quatro, cinco
ou seis décadas, e isto gera a necessidade de renovar repetidas vezes a
recíproca escolha. Talvez o cônjuge já não esteja apaixonado com um desejo
sexual intenso que o atraia para outra pessoa, mas sente o prazer de lhe
pertencer e que esta pessoa lhe pertença, de saber que não está só, de ter
um «cúmplice» que conhece tudo da sua vida e da sua história e tudo partilha. É
o companheiro no caminho da vida»[191]. Assim, «ainda que muitos sentimentos confusos girem pelo coração, mantém-se viva
dia-a-dia a decisão de amar, de se pertencer, de partilhar a vida inteira
e continuar a amar-se e perdoar-se [...]. No curso de tal caminho, o amor celebra cada passo, cada etapa nova [...]. O vínculo encontra novas modalidades e exige a decisão de reatá-lo
repetidamente; e não só para o conservar, mas para o fazer crescer»[192]. De qualquer forma, é preciso reconhecer que a pertença recíproca é uma forma
de entender a união conjugal que tem sua grande riqueza e, ao mesmo tempo,
limites que é indispensável esclarecer.
A não pertença
122. Uma característica da pessoa é que ela é um
fim em si mesma. O ser humano é a «única criatura sobre a terra a ser querida
por Deus por si mesma»[193]. Assim, pode-se dizer que o homem é um
fim em si mesmo, e, portanto, não
pode ser reduzido a ser meramente o objetivo de outros. A pessoa não pode ser
tratada de uma forma que não corresponda a esta dignidade, que pode ser chamada
de “infinita”[194], tanto pelo amor ilimitado que Deus nutre por ela, quanto porque é uma
dignidade absolutamente inalienável. Cada «indivíduo humano possui a dignidade
de pessoa; não é somente alguma coisa, mas alguém»[195]. Consequentemente, a pessoa «não pode ser tratada como objeto de uso, portanto
como um meio»[196].
123. Quando não existe esta convicção, própria do
amor verdadeiro que se detém diante da dimensão sagrada do outro, desenvolvem-se
facilmente as doenças de uma posse indevida do outro: manipulações, ciúmes,
perseguições, infidelidades. Por outro lado, a mútua pertença própria do amor
recíproco exclusivo implica um cuidado delicado, um santo temor de profanar a
liberdade do outro, que tem a mesma dignidade e, portanto, os mesmos direitos.
Quem ama sabe que o outro não pode ser um meio para resolver suas insatisfações,
sabe que seu vazio deve ser preenchido de outras maneiras, nunca através do
domínio do outro. Isso é o que não acontece em muitas formas de desejo doentio
que resultam em várias manifestações de violência explícita ou sutil, de
opressão, pressão psicológica, controle e, finalmente, asfixia. Essa falta de
respeito e reverência pela dignidade do outro também se encontra nas pretensões
de complementaridade, nas quais um dos dois é obrigado a desenvolver apenas
algumas de suas possibilidades, enquanto o outro encontra amplos espaços de
expansão pessoal. Para evitar tudo isso, é preciso reconhecer que não existe um
modelo único de reciprocidade matrimonial. Em uma relação saudável e generosa,
«há funções e tarefas flexíveis, que se adaptam às circunstâncias concretas de cada
família»[197]. Consequentemente, «no lar, as decisões não se tomam unilateralmente, e ambos compartilham a
responsabilidade pela família; mas cada lar é único e cada síntese conjugal é
diferente»[198].
124. Quando, em vez de uma saudável pertença
recíproca – mesmo que isso exija sempre paciência e generosidade –, surgem no
cônjuge sinais de irritação e até mesmo algumas faltas de respeito, é preciso
reagir a tempo, antes que apareçam formas de manipulação ou violência. Nesses
casos, a pessoa deve fazer valer sua dignidade, estabelecer os limites
necessários e iniciar um caminho de diálogo sincero, de modo a expressar uma
mensagem clara: “Você não me possui, você não me domina”. E isso não apenas para
se defender, mas também pela dignidade do outro, porque «na lógica do domínio, o
dominador acaba também negando a sua própria dignidade»[199].
125. O saudável e belo “nós dois” só pode ser a
reciprocidade de duas liberdades que nunca são violadas, mas que se escolhem
mutuamente, deixando sempre segura uma fronteira que não pode ser ultrapassada,
que não pode ser transposta com a desculpa de alguma necessidade, de uma
ansiedade pessoal ou de um estado psicológico. Como destaca o Papa Francisco, os
cônjuges «são chamados a uma união cada vez mais intensa, mas correm o risco de pretender
apagar as diferenças e a distância inevitável que existe entre os dois. Com
efeito, cada um possui uma dignidade própria e irrepetível»[200]. Respeitar plenamente este princípio «exige um despojamento interior»[201].
126. Levando realmente a sério o que foi dito até
agora, a palavra “pertença” só pode ser aplicada ao casamento de forma análoga.
De fato, uma forma de pertença diferente daquela de um amor que sente o outro
como sagrado em sua liberdade, intransferível em seu núcleo pessoal e autônomo,
seria apenas uma forma egocêntrica de subjugar o cônjuge aos próprios fins ou
projetos. A pessoa não se dispersa na relação nem se funde com a pessoa amada,
permanece sempre um núcleo intransferível. Isso não deve ser entendido como um
limite ou uma pobreza do amor recíproco; pelo contrário, permite manter intacto
aquele nível de respeito e admiração que fazem parte de todo amor saudável, que
nunca pretende absorver o outro.
127. Isto é confirmado pelo fato de que existe uma
dimensão da pessoa que, sendo a mais profunda, transcende todas as outras –
incluindo a corporal – e onde somente Deus pode entrar sem violá-la. Há um
núcleo do ser humano no qual somente o amor infinito de Deus pode reinar.
Somente Ele tem o amor onipotente e criador que torna possível a própria
existência da liberdade. Portanto, se Ele a toca, só pode fortalecê-la,
promovê-la, exaltá-la em sua própria natureza, sem qualquer possibilidade de
mutilá-la, dominá-la, enfraquecê-la ou sobrepor-se a ela. De fato, «só Deus
penetra [illabitur] na alma»[202]: somente Deus pode entrar no profundo do coração humano, pois somente Ele pode
fazê-lo sem perturbar a liberdade e a identidade da pessoa[203]. Deus, através da graça, torna-se plenamente próximo, com uma identificação no
mais profundo do ser humano que só Ele pode alcançar[204]. Portanto, «ninguém pode pretender possuir a intimidade mais pessoal e secreta
da pessoa amada»[205].
128. À medida que o amor amadurece, o casal poderá
compreender e aceitar pacificamente que a preciosa pertença recíproca que
caracteriza o casamento não é uma posse, mas deixa abertas muitas
possibilidades. Por exemplo, que um dos dois peça um momento de reflexão, ou
algum espaço habitual de solidão ou autonomia, ou que recuse a intrusão do outro
em algum âmbito de sua intimidade, ou que conserve algum segredo pessoal
guardado no sancta sanctorum de sua consciência sem ser seguido ou
observado.
129. Quando o amor amadurece, esse “nós dois”
possui toda a força da união livremente escolhida por ambos, toda a alegria de
uma memória comum, toda a satisfação do caminho e dos sonhos compartilhados,
toda a segurança que deriva de sentir que não se está e não se estará sozinho.
Mas essa beleza é exaltada por uma magnífica liberdade que nenhum amor
verdadeiro seria capaz de ferir.
130. Portanto, o matrimônio também exclui um
controle que possa dar segurança, certeza absoluta, ausência de qualquer
surpresa. Em um amor maduro, se o outro precisa de espaço para redescobrir o
mundo, só há lugar para a confiança, não para a pretensão de tranquilidade
absoluta, desprovida de qualquer medo secreto, incapaz de enfrentar novos
desafios. Nesse sentido, o casamento não nos liberta completamente da solidão,
porque o cônjuge não pode alcançar um espaço que só pode ser de Deus, nem
preencher um próprio vazio interior que nenhum ser humano é capaz de preencher.
O fato de seu afeto não ser perfeito não significa que seja falso, que seja
totalmente egoísta, que não seja autêntico, mas simplesmente que é terreno,
limitado, que não se pode esperar que satisfaça todas as nossas necessidades.
Ajuda mútua
131. Certamente, esta capacidade de aceitar o
risco da liberdade não implica que um cônjuge muito sensível à defesa de seus
espaços de autonomia cultive uma indiferença em relação aos medos do outro, uma
confiança excessiva em si mesmo, uma pretensão de total independência que o
limitado coração humano da outra parte, sobretudo se o ama, não poderá aceitar
sem grande sofrimento. Não pode sentir-se salvo em sua autossuficiência
autônoma, porque uma aliança de amor implica também o reconhecimento de que o
outro precisa dele.
132. Juntamente com a salvaguarda de uma liberdade
saudável, a Palavra de Deus, embora aprove o pedido de espaços de autonomia e
solidão por um certo período, também exige: «não se recusem um ao outro» (1Cor
7, 5). Quando a distância se torna muito frequente, o “nós dois” se expõe ao seu
possível eclipse, ao enfraquecimento do desejo do outro. Em todo caso, se a
atração mútua enfraquece, é sempre possível encontrar um espaço de diálogo
sincero para sanar o que provoca o afastamento recíproco. Em última análise, é
sempre possível buscar caminhos alternativos que consolidem e enriqueçam o “nós”
de uma maneira inédita. Trata-se de um equilíbrio saudável, mas difícil, que
cada casal alcança à sua maneira, através do diálogo sincero e da doação
recíproca.
133. A pertença recíproca torna-se ajuda mútua,
que não busca só a felicidade do cônjuge e o alívio de suas dores, mas também o
ajudar-se um ao outro para amadurecer como pessoas, até chegar ao fim último da
vida de ambos diante de Deus, no banquete do céu. São Paulo VI lembra que
mediante «a doação pessoal recíproca, que lhes é própria e exclusiva, os esposos
tendem para a comunhão dos seus seres, em vista de um aperfeiçoamento mútuo
pessoal»[206]. A oração como casal é certamente um meio precioso para crescer no amor e para
se santificarem juntos, oração que «tem como conteúdo original a própria vida
de família»[207]. Neste caminho de santificação – diz Sertillanges – não se deve excluir a
sexualidade vivida como expressão santa de uma plena doação de si ao outro, como
Cristo e sua Igreja se doam mutuamente: «O ato assim realizado não é somente
lícito, como efeito de uma instituição natural e legal; ele não é apenas
virtuoso, como útil e implicado nos fins úteis; ele é santo pela santidade do
sacramento no qual é empregado, da santidade da união sagrada de toda a
humanidade com seu Redentor»[208].
134. Uma reflexão sobre a monogamia implica o
reconhecimento do fato de que a singularidade do cônjuge reflete, na ordem
“horizontal” das relações humanas, a singularidade da relação da pessoa humana
com o Infinito divino. Pensar na monogamia significa questionar a relação do
amor humano com sua realização última. Toda relação amorosa invoca
silenciosamente a presença de um Terceiro infinito, que é o próprio Deus[209]. Sem esse Terceiro, o amor facilmente se fecha em sua finitude e desmorona. A
exclusividade conjugal aparece então não como uma limitação, mas como a condição
de possibilidade de um amor sobrenatural que, além da carne, abre-se para o
eterno. De fato, Santo Tomás de Aquino ensina que o próprio «Espírito Santo
procede invisivelmente à alma pelo dom do amor»[210], pelo que, consequentemente, na experiência do amor autêntico nos associamos
àquele Amor infinito que é o Espírito Santo. É precisamente a experiência de um
amor tão próximo, como o do matrimônio, que faz surgir no coração humano o
desejo de um amor não só para sempre, mas sem fim. Então, o amor dos cônjuges
torna-se epifania do destino transcendente e eterno da pessoa humana. Porque
somente um amor capaz de transcender o amor humano, um Amor eterno e infinito,
pode responder a esse desejo de amor “para sempre” e “sem fim” que suscita o
amor conjugal. E é por isso que a experiência dessa proximidade
particular e intensa, oferecida pelo vínculo conjugal, está destinada, em
última análise, a revelar ao coração de cada homem e cada mulher o desejo
daquela proximidade incomparável que só Deus pode oferecer de forma plena
e definitiva. E o próprio Deus, tornando-se homem, começa a responder a esse
desejo, conferindo também à proximidade que nasce do vínculo matrimonial o selo
da unicidade, que é precisamente sinal e garantia da comunhão de Deus com cada
um de nós numa aliança de amor sem fim. Consequentemente, como não pensar no
casamento como um caminho de ajuda mútua para nos santificarmos juntos e para
alcançarmos os cumes da união com Deus?
135. A ajuda recíproca para a santificação, na
qual os dois se apoiam «mutuamente na graça»[211], realiza-se sobretudo no exercício da caridade conjugal, porque só a caridade
exercida concretamente para com o outro nos permite crescer na vida da graça, e
sem a caridade qualquer esforço para a santificação «de nada me serviria» (1Cor
13, 3). Por esta razão, as últimas páginas deste documento são dedicadas àquela
força unificadora que é a caridade conjugal.
Caridade conjugal
136. Já se discutiu sobre o caráter recíproco da
união conjugal, que pode ser considerada como uma forma de amizade íntima e
totalizante. A esse respeito, é útil lembrar que o próprio Santo Tomás
especifica que a amizade é «fundada em alguma comunhão»[212]. Mais do que algumas afinidades ideológicas ou estéticas, que podem ser muito
importantes, trata-se da comunhão que cria o amor, que com sua força unificadora
torna os cônjuges semelhantes entre si, aumenta as coisas que compartilham, cria
um tesouro de vida entre os dois. Portanto, antes de tudo, é preciso dizer que,
para falar de amizade, é preciso haver amor.
Uma forma particular de amizade
137. Não se pode compreender bem o matrimônio sem
falar do amor, que para os cristãos é sempre chamado a atingir os picos da
caridade, o amor sobrenatural que «tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo
suporta» (1Cor 13, 7). De fato, a «graça própria do sacramento do
Matrimônio destina-se a aperfeiçoar o amor dos cônjuges»[213]. Esse amor sobrenatural é um dom divino, que se pede na oração e se alimenta na
vida sacramental, e convida os cônjuges a lembrar que Deus é o principal autor
da unidade do matrimônio e que, sem a sua ajuda, a união deles nunca poderá
alcançar a sua plenitude. Quando no rito latino do matrimônio se relatam as
palavras do Senhor: «Ninguém separe o que Deus uniu»[214] (cf.
Mt 19, 6; Mc 10, 9), nota-se que a unidade conjugal não é
constituída apenas pelo consentimento humano, mas é obra do Espírito Santo. O
mesmo se deve dizer do crescimento na comunhão dos cônjuges, animados pela graça
e pela caridade. Essa comunhão se desenvolve correspondendo a uma «vocação de
Deus e [é]actuada como resposta filial ao seu apelo»[215]. Mas o crescimento da caridade não ocorre sem a cooperação humana: neste caso,
a colaboração dos cônjuges que buscam todos os dias uma comunhão cada vez mais
intensa, rica e generosa.
138. A caridade – incluindo a caridade conjugal –
é uma união afetiva, entendendo-se aqui por “afetivo” algo mais do que
sentimentos e desejos: «comporta certa união afetiva entre o que ama e o que é
amado, enquanto considera a este como, de certo modo, unido a si»[216]. Ela se expressa na ação da vontade[217] que quer, escolhe alguém, decide entrar em íntima comunhão com ele, une-se
a essa pessoa livremente, com todos os efeitos mais ou menos intensos que isso
pode implicar na sensibilidade sob a forma de desejo, emoções, atração sexual,
sensualidade. Mesmo quando esses efeitos sobre a sensibilidade ou o corpo
enfraquecem ou se transformam nas várias fases da vida, a união afetiva
permanece, às vezes com grande intensidade, na vontade. É a vontade que deseja
permanecer em união com o outro ser humano, apreciando o seu «grande valor»[218] e constituindo com ele «uma única coisa consigo mesmo»[219].
139. Só assim é possível sustentar a fidelidade
nos momentos adversos ou na tentação, porque a caridade nos mantém agarrados a
um valor mais alto do que a satisfação das necessidades pessoais. Neste sentido,
não podemos transcurar os vários testemunhos de casais, segundo os quais os
cônjuges se sustentam mutuamente nas várias dificuldades da vida, às vezes em
provações que duram anos, testemunhando assim a relevância profética da
monogamia. Isso é bem expresso na fórmula do consentimento do rito do
matrimônio: «te prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na
tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida»[220]. A caridade conjugal, precisamente, com a sua força unitiva, torna possível que
esta promessa se cumpra verdadeiramente. Esta união afetiva, fiel e total,
configura-se no matrimônio como uma amizade, porque a caridade é uma forma de
amizade[221]. E o Papa Francisco, citando Santo Tomás de Aquino, sustenta que «depois do
amor que nos une a Deus, o amor conjugal é a “amizade maior”»[222].
140. No Antigo Testamento há uma afirmação
peremptória, referida à necessidade de amar: «Amarás o teu próximo como a ti
mesmo» (Lv 19, 18). Trata-se de uma afirmação que aparece ao final de um
trecho em que são continuamente lembradas as obrigações do piedoso israelita
para com aqueles que são o seu “próximo”. Esta é uma afirmação muito conhecida,
pois Jesus a retoma e relança (cf. Mt 22, 39; Mc 12, 31; Lc
10, 29-37). Ele estabelece, assim, uma ligação muito especial entre a realidade
do amor, fenômeno tão universal, e a categoria de “próximo”. Dessa forma, o
próprio amor, quando é autêntico, não se dirige apenas àqueles que estão ao
nosso lado, mas é também capaz de gerar uma “proximidade”. Resulta assim
que o “próximo” é aquele com quem se realiza uma particular partilha de vida.
Nesse sentido, justamente o amor conjugal revela e encarna uma “proximidade”
especial, que faz ressoar de maneira particularmente convincente o que está
contido no mandamento. O amor dos cônjuges, efetivamente, realiza e evoca uma
proximidade única e singular entre dois corações que se amam, gerando uma
afinidade especial que se nutre de uma tal partilha de si mesmo, dos bens e de
toda a vida, que a profundidade do amor conjugal é capaz de realizar com
intensidade incomparável. À medida que o amor amadurece e cresce no casamento, o
coração da pessoa amada percebe que nenhum outro coração é capaz de fazê-la
sentir-se “em casa” como o da pessoa que ela ama.
Em corpo e alma
141. Essa amizade conjugal, repleta de
conhecimento mútuo, apreço pelo outro, cumplicidade, intimidade, compreensão e
paciência, de busca do bem do outro ede gestos sensíveis, na medida em que
supera a sexualidade, ao mesmo tempo a abraça e lhe dá seu significado mais
bonito, profundo, unitivo e fecundo. A este respeito, o Papa Francisco recorda
que o «próprio Deus criou a sexualidade, que é um presente maravilhoso»[223]. Paralelamente, a união sexual, «vivida de forma humana e santificada pelo
sacramento […] é, por sua vez, um caminho de crescimento na vida da graça para
os esposos»[224]. Por isso, colocar a sexualidade no quadro próprio de um amor que une os
cônjuges numa única amizade, que busca o bem do outro, não implica uma
desvalorização do prazer sexual. Orientando-o para a doação de si mesmo, ele não
só é valorizado, mas também pode ser potencializado. Santo Tomás de Aquino
explica-o muito bem quando lembra que «a natureza ajuntou o prazer às atividades
necessárias à vida do homem» e que «pecaria quem evitasse os prazeres sensíveis
a ponto de desprezar o que é necessário à conservação da natureza contrariando a
ordem natural. Nisso consiste o vício da insensibilidade»[225]. Dentro dessa lógica, Santo Tomás sustenta que, antes do pecado original, o
prazer sensível era maior, pois a natureza era mais pura, mais íntegra e,
consequentemente, o corpo era mais sensível. Isso impede a ansiosa
licenciosidade que acaba prejudicando o prazer, privando-o das possibilidades de
uma experiência autenticamente humana[226]. Nas capacidades especificamente humanas, que permitem ao espírito humano
permear a sensibilidade, orientá-la e levá-la à plenitude, não se pode dizer que
«o prazer sensível aí teria sido menor», mas sim torna-se possível em toda a sua
plenitude e riqueza, «porque a potência concupiscível não se teria elevado com
tal desordem acima do prazer »[227]. Viver a sexualidade como ação de todo o ser humano, em sua corporeidade e
interioridade, graças também ao poder transfigurador da caridade, significa que
ela não é vivida passivamente, como um simples deixar-se levar pelos impulsos,
mas como a ação da pessoa que escolhe unir-se plenamente ao outro.
142. Vista dessa maneira, a sexualidade não é mais
a satisfação de uma necessidade imediata, mas é uma escolha pessoal que expressa
a totalidade da própria pessoa e assume o outro como uma totalidade pessoal.
Esta verdade, em vez de comprometer a intensidade do prazer, pode aumentá-lo,
torná-lo mais intenso, rico e gratificante. O simples fato de ser tratado como
uma pessoa e de tratar o outro da mesma forma pode libertar o coração de
traumas, medos, angústias, ansiedades, sentimentos de solidão, abandono,
incapacidade de amar, que certamente prejudicam o prazer. Além disso, o
desenvolvimento do amor como virtude humana e teologal ajuda a libertar o melhor
de cada pessoa em sua identidade única, tornando-a capaz de uma alegria maior e
mais humana, a ponto de dar graças a Deus que criou tudo «para que possamos
desfrutar» (1Tm 6, 17). Tudo isso não tira da união sexual aquela
«abundância de prazer que está no ato venéreo ordenado segundo a razão» e que
«não contradiz o meio da virtude»[228]. Em vez disso, se nos fechamos em nós mesmos e em nossas necessidades
imediatas, e usamos o outro apenas como meio para satisfazê-las, o prazer
deixa-nos mais insatisfeitos e o sentimento de vazio e solidão torna-se mais
amargo.
143. Falando sobre a caridade conjugal, Karol
Wojtyła convida a superar toda dialética inútil, explicando que «o amor-virtude
se refere ao amor efetivo, assim como ao amor da concupiscência»[229]. O Papa Bento XVI, em
Deus caritas est, reitera que o amor oblativo (amor
benevolentiae) e o amor possessivo (amor concupiscentiae) não podem
ser separados um do outro, porque «no fundo, o “amor” é uma única realidade,
embora com distintas dimensões; caso a caso, pode uma ou outra dimensão
sobressair. Mas, quando as duas dimensões se separam completamente uma da outra,
surge uma caricatura ou, de qualquer modo, uma forma redutiva do amor»[230]. Quando falamos do amor de concupiscência, não devemos entender apenas o desejo
sexual, mas também qualquer forma de buscar o outro como “um bem para mim”, para
superar a solidão, para receber ajuda nas dificuldades, para ter um espaço de
total confiança, etc. Essa forma de amor, que não é descartada do casamento, é
uma maneira de expressar que eu não sou o salvador do outro nem um onipotente e
inesgotável doador de bens, mas sou um ser necessitado, que também preciso do
outro, que também sou incompleto e frágil e que, portanto, o outro é importante
para mim e eu lhe dou a possibilidade de se tornar fecundo, fazendo-me bem.
Fazer o contrário seria uma espécie de autossuficiência que pode ser facilmente
transformada em um egocentrismo disfarçado, porque Satanás «se disfarça em anjo
de luz» (2Cor 11, 14). Bento XVI explica assim que «o homem também não
pode viver exclusivamente no amor oblativo, descendente. Não pode limitar-se
sempre a dar, deve também receber. Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo
em dom»[231].
144. Nesse sentido, não podemos ignorar que, nas
últimas décadas, no contexto do individualismo consumista pós-moderno, surgiram
diversos problemas originados por uma busca excessiva e descontrolada por sexo,
ou pela simples negação do fim procriador da sexualidade. Como peculiaridade das
últimas décadas, pode-se destacar a negação explícita do fim unitivo da
sexualidade e do próprio casamento. Isto ocorre especialmente devido à sensação
de ansiedade, de estar sempre ocupado, de querer ter mais tempo livre para si
mesmo, de estar sempre obcecado por viajar e conhecer outras realidades.
Consequentemente, desaparece o desejo de troca afetiva, das próprias relações
sexuais, mas também de diálogo e cooperação, coisas que são vistas como
“estressantes”.
A fecundidade multiforme do amor
145. Uma visão integral da caridade conjugal não
nega a sua fecundidade, a possibilidade de gerar uma nova vida, porque esta
«totalidade, pedida pelo amor conjugal, corresponde também às exigências de uma
fecundidade responsável»[232]. A união sexual, como forma de expressão da caridade conjugal, deve
naturalmente permanecer aberta à comunicação da vida[233], mesmo que isso não signifique que este deva ser um objetivo explícito de cada
ato sexual. Com efeito, podem ocorrer três situações legítimas:
a) Que um casal não possa ter filhos. Karol Wojtyła explica isso magnificamente,
quando lembra que o casamento possui «uma estrutura interpessoal, é uma união e
uma comunidade de duas pessoas [...]. Por muitas razões, o casamento pode não se
tornar família, mas a falta desta não o priva de seu caráter essencial. De fato,
a razão de ser interior e essencial do matrimônio não é apenas transformar-se em
família, mas sobretudo constituir uma união de duas pessoas, uma união duradoura
e fundada no amor [...]. Um matrimônio em que não há filhos, sem culpa dos
cônjuges, conserva o valor integral da instituição [...] não perde nada de sua
importância»[234].
b) Que um casal não procure conscientemente um determinado ato sexual como meio
de procriação. Wojtyła também o afirma, sustentando que um ato conjugal, que «sendo
em si mesmo um ato de amor que une duas pessoas, pode não ser necessariamente
considerado por elas como um meio consciente e desejado de procriação»[235].
c) Que um casal respeite os períodos naturais de infertilidade. Seguindo esta
linha de reflexão, como afirma São Paulo VI: «a Igreja ensina que então é lícito
ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do
matrimônio só nos períodos infecundos»[236]. Isso pode servir não só para «regular a natalidade», mas também para escolher
os momentos mais oportunos para acolher uma nova vida. Enquanto isso, o casal
pode aproveitar esses períodos «como manifestação de afeto e como salvaguarda da
fidelidade mútua. Procedendo assim, eles dão prova de amor verdadeira e
integralmente honesto»[237].
146. Tudo isso mostra a importante novidade que o
Papa Pio XI oferece quando afirma que o amor conjugal «permeia todos os deveres
da vida conjugal e, no matrimônio cristão, tem como primazia a nobreza»[238]. Desta forma, ele ajuda a superar a discussão sobre a relação entre os fins ou
significados do matrimônio (procriador e unitivo) e a ordem que existe entre
eles, colocando a caridade conjugal acima desta dialética dos fins e dos bens
como questão central da vida conjugal, o que, por sua vez, lhe confere uma
fecundidade multiforme. Os cônjuges, mesmo nos momentos mais difíceis, podem
dizer: “Somos amigos, nos amamos, nos valorizamos, decidimos compartilhar toda a
nossa vida, pertencemos um ao outro e escolhemos livremente esta união que o
próprio Deus abençoou e consolidou. Se em um momento não há filhos, permanecemos
unidos e somos fecundos de outras maneiras; se em um momento não há sexo,
continuamos a viver esta amizade única, exclusiva e totalizante, que é também o
nosso melhor caminho de amadurecimento e santificação”.
147. O próprio Santo Agostinho, que enfatiza tão
fortemente o fim da procriação, ensina que o matrimônio em si mesmo, mesmo não
havendo filhos, éum bem «pelo convívio social de ambos os sexos. Porque se assim
não fosse, não poderíamos falar de matrimônio entre idosos, particularmente se
já perderam os filhos ou se nunca os tiveram»[239]. Uma posição semelhante, expressa com outras palavras, é defendida por São João
Crisóstomo: «Mas o que acontece quando não houver uma criança? Não serão dois?
Serão; mas a cópula faz isso: funde e mistura o corpo de ambos, e, como quem
mistura unguento com o óleo, faz uma coisa só, assim também aqui»[240]. Substanciamente, isto é afirmado também pelo Concílio Vaticano II: «mesmo que
faltem os filhos, tantas vezes ardentemente desejados, o matrimônio conserva o
seu valor e indissolubilidade, como comunidade e comunhão de toda a vida»[241].
148. Um autor ilustra bem que, além dos
“objetivos” que os cônjuges podem estabelecer, que não constituem a essência do
matrimônio, «a união-unidade que o casamento implica, explica-se e justifica-se
por si mesma, com prioridade à sua tensão teleológica, porque é uma
união-unidade que possui em si mesma a sua própria e completa razão de bem, da
qual derivam, sem dúvida, determinadas obras próprias, mas como consequências,
nunca como causas»[242]. Dessa união-unidade, que pertence à essência do matrimônio, a caridade
conjugal é a principal e mais perfeita expressão moral e espiritual que dá ao
matrimônio diversas formas de fecundidade.
Uma amizade aberta a todos
149. Do que foi dito, conclui-se que uma união
exclusiva gerada e sustentada pelo amor verdadeiro, mesmo que ainda imaturo e
frágil, não pode ser fechada em si mesma; ela não é a prolongação do
individualismo na vida do casal, mas está aberta a outras relações, disposta à
doação de si, aos projetos compartilhados pelos dois para fazer algo de bom para
a comunidade e para o mundo.
150. Se o matrimônio já é, por si só, um quadro de
relacionamento que amadurece ambos os cônjuges, isso é ainda mais verdadeiro
quando ele é generosamente aberto aos outros, superando assim «uma originária e
trágica reclusão do homem em si próprio»[243] que leva a pensar que, isolando-se, a pessoa é mais livre e mais feliz.
Porque de «natureza espiritual, a criatura humana realiza-se nas relações
interpessoais: quanto mais as vive de forma autêntica, tanto mais amadurece a
própria identidade pessoal. Não é isolando-se que o homem se valoriza a si
mesmo, mas relacionando-se com os outros e com Deus»[244].
151. Como ensina o Papa Francisco em seu apelo à
fraternidade universal em sua Encíclica Fratelli tutti, a caridade é
chamada a um crescimento intensivo, mas também extensivo, que «tende a abraçar a
todos»[245]. A caridade, portanto, nos leva a ampliar o “nós” conjugal: «Mas não posso
reduzir a minha vida à relação com um pequeno grupo, nem mesmo à minha própria
família, porque é impossível compreender-me a mim mesmo sem uma teia mais ampla
de relações […]. O vínculo de casal e de amizade está orientado para abrir o
coração em redor, para nos tornar capazes de sair de nós mesmos até acolher a
todos. Os grupos fechados e os casais autorreferenciais, que se constituem como
um «nós» contraposto ao mundo inteiro, habitualmente são formas idealizadas de
egoísmo e mera autoproteção»[246].
152. O risco da “endogamia”, ou seja, de um “nós”
fechado, contradiz a própria natureza da caridade e pode feri-la mortalmente.
Quatro fatores podem prevenir essa “endogamia” que desvirtua e empobrece o
sentido da união conjugal:
a) Os espaços que cada um dos cônjuges vive no trabalho, nas iniciativas
pessoais, nos momentos de aprendizagem e desenvolvimento fora da vida
matrimonial. Se um dos dois não tem um emprego, torna-se necessário criar esses
espaços para o bem do casamento, enriquecendo o diálogo e a relação em geral.
b) O significado procriador do casamento, que manifesta a fecundidade do amor
que não se fecha à transmissão da vida. Para aqueles que não podem ter filhos, a
adoção ou outras formas de apoio estável aos filhos de outros casais podem ser
uma forma de realizar esta fecundidade.
c) O tempo que se compartilha com outros amigos casados, durante o qual, além de
aprender com as experiências dos outros e receber apoio deles, há uma
disponibilidade constante para auxiliar nos momentos difíceis, ajudando ao mesmo
tempo o casal a tomar consciência de si mesmo como união, graças à amizade com
outros casais.
d) O sentido social do casal, que, fiel à dimensão social da vida cristã, busca
maneiras de prestar um serviço à sociedade e à Igreja, comprometendo-se juntos
na busca do bem comum: «Mesmo a família com muitos filhos é chamada a deixar a
sua marca na sociedade onde está inserida, desenvolvendo outras formas de
fecundidade que são uma espécie de extensão do amor que a sustenta [...]. Não
fica à espera, mas sai de si mesma à procura de solidariedade»[247]. «O amor social, reflexo da Trindade, é o que unifica o sentido espiritual da
família e a sua missão fora de si mesma»[248].
153. Uma prova particular da abertura da amizade
do casal para com os outros e da fecundidade da sua caridade manifesta-se na sua
atenção para com os pobres. A propósito, recorda o Papa Leão XIV que «o cristão
não pode considerar os pobres apenas como um problema social: eles são uma
“questão familiar”. Pertencem “aos nossos”»[249]. Além disso, «o amor aos pobres – seja qual for a forma dessa pobreza – é a
garantia evangélica de uma Igreja fiel ao coração de Deus»[250]. Esta realidade reflete-se em uma das opções para a bênção final no rito latino
do matrimônio, que termina com a oração: «Sede no mundo um sinal do amor de
Deus, abri vossas portas aos pobres e infelizes, que um dia vos receberão,
agradecidos, na casa do Pai»[251].
VII.
Conclusão
154. Em suma, embora cada união matrimonial seja
uma realidade única, encarnada nos limites humanos, todo matrimônio autêntico é
uma unidade composta por dois indivíduos, que requer uma relação tão íntima e
totalizante que não pode ser compartilhada com outros. Ao mesmo tempo, por
ser uma união entre duas pessoas que têm exatamente a mesma dignidade e os
mesmos direitos, exige aquela exclusividade que impede que o outro seja
relativizado em seu valor único e seja usado apenas como um meio entre outros
para satisfazer necessidades. Esta é a verdade da monogamia que a Igreja lê na
Escritura, quando afirma que dois se tornam “uma só carne”. É a primeira
característica essencial e inalienável daquela amizade tão peculiar que é o
casamento, e que requer como manifestação existencial uma relação totalizante –
espiritual e corporal – que amadurece e cresce cada vez mais para uma união que
reflete a beleza da comunhão trinitária e da união entre Cristo e seu amado
Povo. Isso se verifica a tal ponto que podemos reconhecer «na íntima união
conjugal, pela qual duas pessoas se tornam um só coração, uma só alma, uma só
carne, o primeiro sentido original do matrimônio»[252].
155. O caminho percorrido ao longo desta Nota
permite agora destacar uma evolução do pensamento cristão sobre o
matrimônio, desde a antiguidade até os dias de hoje, sendo evidente que das suas
duas propriedades essenciais – unidade e indissolubilidade – a unidade é a
propriedade fundante. Por um lado, porque a indissolubilidade deriva como
uma característica de uma união única e exclusiva;por outro lado, porque a
unidade-união, aceitada e vivida com todas as suas consequências, torna possível
a permanência e a fidelidade que a indissolubilidade exige. De fato, vários
documentos magisteriais descreveram a união matrimonial simplesmente como
«unidade indissolúvel»[253].
156. Esta união exige o crescimento constante do
amor: «O amor matrimonial não se estimula falando, antes de mais nada, da
indissolubilidade como uma obrigação, nem repetindo uma doutrina, mas
robustecendo-o por meio dum crescimento constante sob o impulso da graça. O amor
que não cresce, começa a correr perigo; e só podemos crescer correspondendo à
graça divina com mais actos de amor, com actos de carinho mais frequentes, mais
intensos, mais generosos, mais ternos, mais alegres»[254]. A unidade matrimonial não é apenas uma realidade que deve ser cada vez melhor
compreendida em seu sentido mais belo, mas também uma realidade dinâmica,
chamada a um desenvolvimento contínuo. Como afirma o Concílio Vaticano II, o
marido e a esposa «tomam consciência da própria unidade e cada vez mais a
realizam»[255]. Porque «o melhor ainda não foi alcançado, o vinho sazonado com o tempo»[256].
O Sumo Pontífice Leão XIV, na Audiência concedida ao subscrito Prefeito e ao
Secretário para a Seção Doutrinal do Dicastério para a Doutrina da Fé, no dia 21
de novembro de 2025, Memória Litúrgica da Apresentação da Beata Virgem Maria,
aprovou a presente Nota, deliberada na Sessão Ordinária deste Dicastério no dia
19 de novembro de 2025 e ordenou sua publicação.
Dado em Roma, na sede do Dicastério para a Doutrina da Fé, a 25 de novembro de
2025.
Víctor Manuel Card. Fernández
Prefeito
Mons. Armando Matteo
Secretário
para a Seção
Doutrinal
Ex Audientia Die 21 novembris 2025
Leo PP. XIV
[1] Francisco,
Audiência geral (23 de outubro de 2024): L’Osservatore Romano
(23 ottobre 2024), 2.
[2] João Paulo II,
Homilia na Missa para as famílias em Kinshasa
(3 de maio de 1980), n. 2: AAS 72 (1980), 425.
[3] O “Symposium of Episcopal Conferences of Africa and Madagascar” (SECAM) assumiu o compromisso de redigir um relatório para o Sínodo dos Bispos
sobre os desafios da poligamia. Enquanto se aguarda esse documento, parece
oportuno salientar que, segundo uma opinião comum, o matrimônio monogâmico na
África seria considerado uma exceção, dada a difusão da prática da poligamia
nessas regiões. No entanto, estudos aprofundados sobre as culturas africanas
mostram que as diferentes tradições atribuem uma importância especial ao
primeiro matrimônio entre um homem e uma mulher e, sobretudo, ao papel que a
primeira esposa é chamada a desempenhar em relação às outras esposas. Com
efeito, as pesquisas indicam que a poligamia é uma prática tolerada devido às
necessidades da vida (ausência de filhos, levirato, mão de obra para a
sobrevivência, etc.). Por isso, muitas tradições promovem o modelo monogâmico
como o ideal de matrimônio que corresponde aos desígnios divinos. A primeira
esposa, casada regularmente de acordo com os costumes tradicionais, é
frequentemente apresentada como aquela dada por Deus ao homem, embora este possa
acolher outras mulheres. No caso da poligamia, à primeira esposa é reconhecido
um lugar especial na realização dos rituais sagrados relacionados com os
funerais ou na educação dos filhos nascidos de outras mulheres da família. É
interessante notar que, nas últimas décadas, em alguns Estados, o legislador
civil estabeleceu a monogamia como regime matrimonial ordinário (cf. Société Africaine de Culture,
Les religions africaines comme source de valeurs de civilisation. Colloque de Cotonou, 16-22 août 1970,
Présence Africaine, Paris 1972; Isidore de Souza, “Mariage et famille”, in
Revue de l’Institut Catholique de l’Afrique de l’Ouest 5-6 [1993],
164; Id., “Notion et réalité de la famille en Afrique et dans la Bible”, in Savanes Forêts 30 [1984], 145-146).
[4] Can. 1056 CIC (grifo nosso). Cf. can. 776, § 3
CCEO.
[5] Can. 1134 CIC (grifo nosso). Cf.
Catecismo da Igreja Católica,
n. 1638.
[6] O Suplemento da Summa Theologiae
(Suppl., q. 44, a. 3) afirma a
definição de matrimônio dada por Pedro Lombardo in Id., Sent. IV, d. 27,
c. 2 (164): «Sunt igitur nuptiae vel matrimonium viri mulierisque coniunctio
maritalis, inter legitimas personas, individuam vitae consuetudinem retinens».
[7] Tomás de Aquino, Summa Theologiae,
Suppl., q. 44, a. 1. resp. (grifo nosso).
[8] Justiniano, Institutas,
I, 9, 1: Institutas do Imperador Justiniano, tr. de A. Coelho Rodrigues,
Typographia Mercantil, Recife 1879, 23.
[9] D. von Hildebrand, L’enciclica Humanae vitae: segno di contraddizione,
Paoline,
Roma, 1968, 43.
[10] João Paulo II, Exort. ap.
Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 19: AAS
74 (1982) 101-102 (grifo nosso).
[11] Agostinho,
In Ioannis Evangelium, tract. XXVI, 4 (“Da amantem, et sentit quod
dico”): PL 35, 1608.
[12] Paulo VI,
Discurso aos casais do movimento “Equipes de Nossa Senhora” (4 de maio de 1970), n. 6:
AAS 62 (1970) 430.
[13] Bento XVI,
Encontro com os jovens da Diocese de Roma em preparação para a XXI Jornada
Mundial da Juventude (6 de abril de 2006), n. 2: AAS 98 (2006), 351. Cf. João Paulo II, Exort. ap.
Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 68: AAS 74
(1982), 163-165.
[14] João Paulo II,
Audiência geral
(13 de agosto de 1980), n. 2: Insegnamenti
III, 2 (1980), 397.
[15] Cf.
Pontificia Commissione Biblica,
Che cos’è l’uomo? (Sal 8,5). Un itinerario di antropologia biblica
(30 settembre 2019), n. 173: Libreria Editrice Vaticana, Città del
Vaticano 2019, 148-149.
[16] Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 12: AAS 108 (2016), 315-316.
[17] Bento XVI, Carta enc.
Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 11: AAS
98 (2006), 226-227.
[18] Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 13: AAS 108 (2016), 316.
[19] João Paulo II,
Audiência geral
(27 de agosto de 1980), n. 4: Ensinamentos III, 2 (1980), 454.
[20] Bento XVI,
Discurso por ocasião do XXV aniversário da fundação do Pontifício Instituto
“João Paulo II” para estudos sobre o matrimônio e a família (11 de maio de 2006):
Ensinamentos II, 1 (2006), 579. Cf. Id., Carta enc.
Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 11: AAS 98 (2006), 226-227.
[21] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 48: AAS 58 (1966), 1067; Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 67: AAS 108 (2016), 338.
[22] Em grego: «Τίμιος
ὁ γάμος ἐν πᾶσιν καὶ ἡ κοίτη ἀμίαντος» (Hb 13, 4).
[23] João Crisóstomo,
De virginitate, 19: PG 48, 547.
[24] Agostinho, Comentário ao Gênesis,
tr. de Fr. A. Belmonte, IX, cap. 7, n. 12, in Patrística/21, Paulus, São
Paulo 2005, 322: PL 34, 397.
[25] Id., Dos Bens do Matrimônio, 1, 1: PL 40, 373.
[26] Tertuliano, Ad uxorem,
II, 8, 6-7: CCSL 1, 393, como citado no Catecismo da Igreja Católica,
n.
1642 (cf. PL 1, 1302A-B). Observa-se, à margem, que Tertuliano tratou do tema da
monogamia em uma obra específica: De monogamia (PL 2, 929-954). Além
disso, outro Padre que abordou diretamente o assunto foi Jerônimo. Cf. Epistula 123, ad Geruchiam de monogamia
(PL 22, 1046-1059).
[27] Ambrósio, Expositio Evangelii secundum Lucam,
VIII, 7: PL 15, 1767.
[28] João Crisóstomo,
Commentarium in Matthaeum, hom. 62, 2: PG 58, 597.
[29] Lactâncio, Divinae institutiones, VI, 23: PL 6, 720.
[30] Cf. Pio XII, Carta enc.
Mystici Corporis Christi (29 de junho de
1943), «Matrimonio enim, quo coniuges sibi invicem sunt ministri gratiae,
externo Christianae consortionis providetur ordinateque incremento»: AAS
35 (1943), 202.
[31] João Crisóstomo,
Homilias sobre a primeira carta a Timóteo, tr. de Mosteiro de Maria Mãe do Cristo, hom. 9, in
Patrística/27:
Comentário às Cartas de São Paulo/3, 80: PG 62, 546. A Comissão
Teológica Internacional procurou acolher a visão do Oriente cristão, explicando
que é preciso evitar que o valor do consentimento dos cônjuges «faça do
sacramento uma pura e simples emanação do seu amor. O sacramento, como tal,
pertence totalmente ao mistério da Igreja, na qual eles são introduzidos, de
modo privilegiado, pelo seu amor conjugal» (Comissão Teológica Internacional, A doutrina católica sobre o sacramento do matrimônio
[1977], B. As
“dezesseis teses cristológicas” de Gustave Marthelet, S.I., aprovadas “em forma
genérica” pela Comissão Teológica Internacional, tese 10).
[32] Clemente de Alexandria,
Stromata III, 12: PG 8, 1185B, que cita Rm 7, 12.
[33] João Crisóstomo,
Quales ducendae sint uxores, 3: PG 51, 230 (grifo nosso).
[34] Gregório Nazianzeno,
Oratione 37, 7: PG 36, 291.
[35] Boaventura, Breviloquium,
VI, 13, 3, tr. a cura de M. Aprea, in Opuscoli
teologici/2. Breviloquio, Opere di San Bonaventura 5/2, Città Nuova,
Roma 1996, 293-295.
[36] A.M. de Ligório, Theologia moralis (Editio nova Leonardi Gaudé),
Typis Polyglottis
Vaticanis, Roma 1912, lib. VI, tract. VI, cap. II, dub. I, n. 882.
[37] Cf. Ibid., n. 882: «Em vez disso, os fins acidentais extrínsecos
podem ser muitos, como a conquista da paz, a busca do prazer, etc.».
[38] Ibid., n. 883.
[39] Cf. D. von Hildebrand,
Il matrimonio, tr. a cura de B. Magnino, Morcelliana, Brescia
1959.
[40] Id., Metaphysik der Gemeinschaft. Untersuchungen über Wesen und Wert der Gemeinschaft,
Kirche und Gesellschaft 1, Haas & Grabherr, Augsburg 1930, 40.
[41] Ibid., 45.
[42] A. von Hildebrand,
Man and Woman: A Divine Invention, Sapientia
Press, Ave Maria (FL) 2010, xiii.
[43] Ibid., 58.
[44] Ibid., 10.
[45] Ibid., 135-136.
[46] Cf. Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 181: AAS 108 (2016), 383.
[47] H.U. von Balthasar,
“Pneuma e istituzione”, in Spirito e istituzione. Saggi teologici IV,
Jaca Book, Milano 2019, 232.
[48] Ibid., 236-237.
[49] H.U. von Balthasar,
Gli stati di vita del Cristiano, Jaca Book, Milão 2017(3),
202-203.
[50] Id., “Pneuma e
istituzione”, op. cit., 234.
[51] K. Rahner, Schriften zur Theologie,
Band VIII, Benzinger, Einsiedeln–Zürich–Köln 1967, 539.
[52] Cf. Id., Sul
matrimonio, tr. a cura di G. Ruggieri, Meditazioni teologiche 6,
Queriniana, Brescia 1966, 10.
[53] Ibid.
[54] Id., Chiesa e
sacramenti, tr. a cura de A. Bellini, Morcelliana, Brescia 1969(3),
106.
[55] A. Schmemann, For the Life of the World. Sacraments and Orthodoxy,
St. Vladimir’s Seminary Press, Crestwood (NY) 1998(2), 90-91.
[56] P.N. Evdokimov, Le mariage, sacrement de l’amour,
Editions du Livre Français, Lyon 1944, 199.
[57] J. Meyendorff, Marriage, An Orthodox Perspective,
St. Vladimir’s
Seminary Press, Crestwood (NY) 2000(3), 16.
[58] I. Zizioulas, Comunione e alterità,
tr. a cura de M. Campatelli – G. Cesareo,
Lipi, Roma 2016, 11.
[59] C. Yannaras, La
libertà dell’ethos, tr. a cura de B. Petrà, Sequela oggi, Qiqajon,
Magnano (BI) 2015, 164ss.
[60] Ibid.
[61] Inocêncio III,
Carta Gaudemus in Domino (1201): DH 778.
[62] Cf. Ibid.: DH 779.
[63] Concílio de Lyon II, Sessão IV (6 de julho de 1274),
Profissão de fé do Imperador Miguel VIII
Paleólogo: DH 860.
[64]Cf. Concílio de Trento, Sessão XXIV (11 de novembro de 1563),
Doutrina
sobre o Sacramento do Matrimônio: DH 1798.
[65] Bento XIV, Declaração
Matrimonia quae in locis (4 de novembro de 1741), n. 2: DH
2517.
[66] Leão XIII, Carta enc.
Arcanum divinae Sapientiae (10 de fevereiro de 1880): ASS
12 (1879), 386-387 (grifo nosso).
[67] Ibid., 387.
[68] Ibid., 389.
[69] Ibid., 394.
[70] Pio XI, Carta enc.
Casti connubii (31 de dezembro de 1930): AAS 22 (1930), 546.
[71] Ibid., AAS 22 (1930), 547-548 (grifo nosso); cf. Agostinho,
Os bens do matrimônio,
tr. de Pe. V. Rabanal OSA, 24, 32: PL 40, 394D.
[72] Pio XI, Carta enc.
Casti connubii (31 de dezembro de 1930): AAS 22 (1930),
548 (grifo nosso).
[73] Ibid.: AAS 22 (1930), 566.
[74] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 48: AAS 58 (1966), 1067.
[75] Ibid.,
n. 48: AAS 58 (1966), 1068 (grifo nosso).
[76] Ibid.
[77] Ibid.,
n. 49: AAS 58 (1966), 1070.
[78] Ibid.
[79] Ibid.
[80] Ibid.
[81] Este mesmo argumento foi retomado por São João Paulo II quando explicou
que a poligamia «é contrária à igual dignidade pessoal do homem e da mulher, que
no matrimônio se doam com um amor total e, por isso mesmo, único e exclusivo» (João Paulo II,
Exort. ap.
Familiaris consortio [22 de novembro de 1980], n. 19: AAS
74 [1982], 102; cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
Gaudium et spes [7
de dezembro de 1965], n. 47: AAS 58 [1966], 1067).
[82] Paulo VI, Carta enc.
Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 12: AAS 60
(1968), 488-489. [83] Cf. ibid.,
n. 8: AAS 60 (1968), 485-486.
[84] Ibid., n. 12:
AAS 60 (1968), 489.
[85] João Paulo II, Exort. ap.
Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 11: AAS 74 (1982), 92.
[86] Cf. Id.,
Audiência geral
(2 de janeiro de 1980): Ensinamentos
III, 1 (1980), 11-15; Id.,
Audiência geral (9 de janeiro de 1980): Ensinamentos
III, 1 (1980), 88-92; Id.,
Audiência geral (16 de
janeiro de 1980): Ensinamentos III, 1 (1980), 148-152.
[87] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 24: AAS 58 (1966), 1045.
[88] João Paulo II,
Homilia na Missa para as famílias em Kinshasa
(3 de maio de 1980 ), n. 2:
AAS 72 (1980), 425.
[89] João Paulo II,
Audiência geral
(13 de agosto de 1980), nn. 3-4: Ensinamentos III, 2 (1980), 398-399.
[90] Cf. Id.,
Audiência geral
(20 de agosto de 1980 ): Ensinamentos III, 2 (1980), 415-419.
[91] Id.,
Homilia na Missa para as famílias em Kinshasa
(3 de maio de 1980), n. 2: AAS 72 (1980), 425.
[92] Id.,
Audiência geral
(27 de agosto de 1980), nn. 1, 4: Ensinamentos III, 2 (1980), 451,
453-454.
[93] Id.,
Audiência geral
(24 de setembro de 1980), n. 5: Ensinamentos III, 2 (1980), 719-720.
[94] Id., Exort. ap.
Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 19: AAS 74 (1982), 102.
[95] Bento XVI, Carta enc.
Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 11: AAS
98 (2006), 227.
[96] Ibid., n. 6:
AAS 98 (2006), 222.
[97] Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 92: AAS 108 (2016), 348.
[98] Ibid., n. 93:
AAS 108 (2016), 348.
[99] Ibid., n. 99:
AAS 108 (2016), 350.
[100] Ibid., n. 100:
AAS 108 (2016), 351.
[101] Cf. Ibid., nn. 101-102:
AAS 108 (2016), 351-352.
[102] Ibid., n. 103:
AAS 108 (2016), 352.
[103] Ibid., n. 108:
AAS 108 (2016), 354.
[104] Ibid., n. 110:
AAS 108 (2016), 354.
[105] Ibid., n. 115:
AAS 108 (2016), 356.
[106] Ibid., n. 116:
AAS 108 (2016), 356.
[107] Ibid., n. 122:
AAS 108 (2016), 359, que cita Giovanni Paolo II, Exort. ap.
Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), 9:
AAS 74 (1982), 90.
[108] Francesco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 130: AAS 108 (2016), 362.
[109] Cf. Leão XIV, Mensagem por ocasião do 10º aniversário da canonização
dos pais de Santa Teresa do Menino Jesus (18 de outubro de 2025): L’Osservatore Romano
(18 de outubro de 2025), 5.
[110] Cf. Agostinho,
Comentários aos Salmos (Enarrationes in psalmos),
Salmos 101-150, Paulus, 127, 3: PL 37, 1679: «non ille unus et nos multi, sed
et nos multi in illo uno unum».
[111] Leão XIV,
Homilia para a Missa do Jubileu das Famílias, dos Avós e dos Idosos
(1º de junho de 2025): L’Osservatore Romano (2 de junho de 2025), 2; que
cita Paulo VI, Carta enc.
Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 9: AAS 60 (1968), 486-487.
[112] Can. 1055, § 1
CIC (grifo nosso). Cf. can. 776, § 1-2 CCEO.
[113] Catecismo da Igreja Católica,
n. 1645.
[114] Ibid., n. 1646.
[115] Ibid., n. 2381.
[116] Ibid., n. 2387.
[117] Tomás de Aquino,
Suma contra os gentios, tr. de D. O. Mourão, III, cap. 123, n. 4, Vozes, Porto Alegre 1990.
[118] Id., Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira,
I, q. 92, a. 3, resp., Loyola, São Paulo 2002; cf. Id., Suma contra os
gentios, III, cap. 123, n. 4, Vozes, Porto Alegre 1990.
[119] Id., Suma contra os gentios,
III, cap. 124, n. 1, Vozes, Porto Alegre 1990.
[120] Ibid., cap. 123, nn. 3-4.
[121] Ibid., cap. 124, nn. 3-5; que cita Aristóteles,
Ética Nicômaca, VIII, c. 5, n.
5; ibid., VIII, c. 6, n. 2.
[122] Tomás de Aquino,
Suma contra os gentios, III, cap. 123, n. 6 (grifo nosso).
[123] A.-D. Sertillanges,
L’amour chrétien, Librairie Lecoffre, Paris
1918, 163-164.
[124] Ibid., 147.
[125] Ibid., 172.
[126] Ibid., 173.
[127] Ibid., 176.
[128] S. Kierkegaard,
“Validità estetica del matrimonio”, in Enten-Eller. Un frammento di
vita, IV, tr. a cura di A. Cortese, Piccola Biblioteca Adelphi 120,
Adelphi, Milano 1981(4), 154. (N.B. do Enten-Eller, II, no texto original dinamarquês.)
[129] Ibid.,
153-154.
[130] S. Kierkegaard,
“L’equilibrio fra l’estetico e l’etico nell’elaborazione della
personalità”, Enten-Eller. Un frammento di vita, V, tr. a cura di
A. Cortese, Piccola Biblioteca Adelphi 232, Adelphi, Milano 1989(6),
207. (N.B. de Enten-Eller, II, no texto original dinamarquês).
[131] S. Kierkegaard,
“Validità estetica del matrimonio”, op. cit., 92.
[132] Ibid., 39.
[133] Ibid., 40.
[134] Ibid., 86.
[135] E. Mounier, Manifesto al servizio del personalismo comunitario,
tr. a cura di A.
Lamacchia, Ecumenica, Cassano (BA) 1975, 66.
[136] Cf. ibid., 82.
[137] Ibid., 130.
[138] Ibid., 131.
[139] J. Lacroix, Force et faiblesses de la famille,
Éditions du Seuil,
Paris 1948, 56.
[140] Ibid., 54.
[141] Ibid., 58.
[142] Ibid.
[143] Ibid., 61-62.
[144] Ibid., 55.
[145] Cf. E. Lévinas,
Totalidade e infinito. Ensaio sobre a exterioridade,
tr. de J. P. Ribeiro, Edições 70, Lisboa 1980, 167-225.
[146] Ibid., 236.
[147] K. Wojtyła,
Amore e responsabilità, tr. a cura di A. Milanoli, Marietti,
Genova–Milano 1980, 161.
[148] Cf. Ibid.
[149] Ibid., 155.
[150] Ibid.
[151] Ibid., 29.
[152] Ibid., 159.
[153] Ibid., 43.
[154] Ibid., 44.
[155] Ibid., 62.
[156] Ibid., 63.
[157] J. Maritain, Riflessioni sull’America, tr. a cura di A. Barbieri, Opere di
Jacques Maritain 1, Morcelliana, Brescia 2022(3), 109.
[158] Ibid.
[159] Ibid., 110.
[160] Ibid.
[161] Ibid.
[162] Cf. J. Maritain,
Amore e amicizia, Morcelliana, Brescia 1964, 1987(8).
[163] Ibid., passim.
[164] Ibid., 14.
[165] Ibid., 15.
[166] Ibid., 18 (grifo nosso).
[167] Manusmṛti 9, 101-102.
[168] Srimad Bhagavatam
IX, 10.54.
[169] Thirukkural, 54 e 56.
[170] Francisco,
“Lettera ai poeti”, in Id., Viva la poesia!, A. Spadaro (ed.),
Libreria Editrice Vaticana, Roma 2025, 178.
[171] Ibid., 178-179.
[172] W. Whitman, “Nós dois – Quanto tempo fomos enganados”, in Id.,
Folhas
de grama, Nova York 1867, 114: «We have circled and circled till we have
arrived home again – we two have».
[173] P. Neruda, «Soneto LXXXI», in Id.,
Veinte poemas de amor y una canción. Cien sonetos de amor, Coleção Biblioteca Premios Nobel 2, Altaya, Barcelona 1995, 203:
«Ninguna
más, amor, dormirá con mis sueños. / Irás, iremos juntos por las aguas del
tiempo […]».
[174] E. Montale, “Ho
sceso, dandoti il braccio, almeno un milione di scale”, in Satura
(1962–1970), Mondadori, Milano 1971, 37.
[175] A. Pozzi,
“Bellezza”, in Parole. Diario di poesia, Mondadori, Milano 1964,
191-192.
[176] P. Neruda, “Pido silencio”, in
Extravagario (1958), in Obras
completas, II: De “Odas elementales” a “Memorial de Isla Negra”,
1954–1964, Opera Mundi, H. Loyola (ed.), Galaxia Gutenberg–Círculo de
Lectores, Barcelona 1999, 626-628: «Yo voy a cerrar los ojos y solo quiero
cinco cosas, cinco raíces preferidas. Una es el amor sin fin… La quinta cosa son tus ojos, Matilde mía, bienamada, no
quiero dormir sin tus ojos, no quiero ser sin que me mires».
[177] P. Éluard,
“Nous deux”, in Derniers poèmes d’amour, Seghers, Paris 1963, 1965: «Nous
deux nous tenant par la main / Nous nous croyons partout chez nous […] / Auprès
des sages et des fous / Parmi les enfants et les grands».
[178] R. Tagore,
“Cuore (Il Giardiniere, 28)”, tr. a cura di R. Russo, in Parole d’amore, TS Edizioni, Milano 2021.
[179] E. Dickinson, “That Love is all there is” (1765), in
The
Complete Poems of Emily Dickinson, T.H. Johnson (ed.), Little, Brown and
Company, Boston – Toronto 1960, 714: “That Love is all there is, / Is all we
know of Love”.
[180] Leão I, Carta Regressus ad nos
(21 de março de 458), c. 1: DH 311.
[181] Tomás de Aquino,
Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira, II-II, q. 23, a. 1,
resp., Loyola, São Paulo 2002. (grifo nosso).
[182] Ritual Romano. Rito do Matrimônio,
n. 62: Editora Vozes, Petrópolis 1994, 28-29.
[183] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 48: AAS 58 (1966) 1067. Cf. can. 1057 § 2
CIC; can. 817 § 1
CCEO.
[184] Catecismo da Igreja Católica,
n. 1627.
[185] Paulo VI, Carta enc.
Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 8: AAS 60
(1968), 485-486 (grifo nosso).
[186] K. Wojtyła,
Amore e responsabilità, tr. a cura di A. Milanoli, Marietti,
Genova–Milano 1980, 61-62.
[187] João Paulo II,
Homilia na Missa para as famílias em Kinshasa
(3 de maio de 1980), n. 2:
AAS 72 (1980), 425.
[188] Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 100: AAS 108 (2016), 351 (grifo nosso).
[189] Ibid., n. 131:
AAS 108 (2016), 362 (grifo nosso).
[190] Ibid., n. 319:
AAS 108 (2016), 443 (grifo nosso).
[191] Ibid., n. 163:
AAS 108 (2016), 375 (grifo nosso).
[192] Ibid., nn. 163-164:
AAS 108 (2016), 375-376 (grifo nosso).
[193] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 24: AAS 58 (1966), 1045.
[194] Cf. Dicastério para a Doutrina da Fé, Decl.
Dignitas infinita (8 de
abril de 2024), Apresentação e nn. 1, 6.
[195] Catecismo da Igreja Católica,
n. 357 (itálico no original).
[196] K. Wojtyła,
Amore e responsabilità, tr. a cura di A. Milanoli, Marietti,
Genova–Milano 1980, 29.
[197] Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 175: AAS 108 (2016), 381.
[198] Ibid., n. 220:
AAS 108 (2016), 399.
[199] Ibid., n. 155:
AAS 108 (2016), 371.
[200] Ibid.
[201] Ibid., n. 320:
AAS 108 (2016), 443.
[202]Tomás de Aquino,
Suma teológica,
tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira,III, q. 64, a. 1, resp., Loyola, São Paulo 2002: «solus Deus illabitur
animae».
[203] Cf. Id., De veritate,
q. 28, a. 2, ad 8; Id., Suma contra os gentios, II, cap. 98, n. 18;
ibid., III, cap. 88, n. 6; Boaventura, Collationes in Hexaemeron, 21,
18.
[204] Cf. Boaventura,
In Sent., I, d. 14, a. 2, q. 2, ad 2: in Id., Opera theologica
selecta, I, Quaracchi 1934, 205-206. Cf. Ibid., q. 2, fund. 4 e 8 (Quaracchi 1934, 205).
[205] Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 320: AAS 108 (2016), 443.
[206] Paulo VI, Carta enc.
Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 8: AAS 60
(1968), 486 (grifo nosso).
[207] João Paulo II, Exort. ap.
Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 59: AAS 74 (1982), 152.
[208] A.-D. Sertillanges,
L’amour chrétien, Librairie Lecoffre, Paris
1918, 183 (grifo nosso).
[209]
Cf. J.-L. Marion, Il fenomeno erotico. Sei meditazioni., tr. a
cura de L. Tasso, Cantagalli, Siena 2007.
[210] Tomás de Aquino,
In Sent., I, d. 15, q. 4, a. 1, co.
[211] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
Lumen gentium (7 de dezembro de 1965), n. 41: AAS 57 (1965), 47.
[212] Tomás de Aquino,
Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira,II-II, q. 23, a. 1,
resp., Loyola, São Paulo 2002.
[213] Catecismo da Igreja Católica,
n. 1641.
[214] Ritual Romano. Rito do Matrimônio,
n. 64: Editora Vozes, Petrópolis 1994, 29.
[215] João Paulo II, Exort. ap.Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 59: AAS 74 (1982), 152.
[216] Tomás de Aquino,
Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira, II-II, q. 27, a. 2,
resp., Loyola, São Paulo 2002.
[217] Cf.Ibid., II-II, q. 23, a. 2,
resp.: “O amor é, por si
mesmo, um ato da vontade”.
[218] Ibid., I-II, q. 26, a. 3,
resp.
[219] Ibid., II-II, q. 27, a. 2,
resp.
[220] Ritual Romano. Rito do Matrimônio,
n. 62: Editora Vozes, Petrópolis 1994, 28-29.
[221] Cf. Ibid., II-II, q. 23, a. 1.
[222] Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 123: AAS 108 (2016), 359. Que cita Tomás de Aquino,
Suma contra os gentios, III, cap. 123; Cf. Aristóteles, Ética a
Nicômaco, 8, 12 (ed. Bywater, Oxford 1984, 174).
[223] Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 150: AAS 108 (2016), 369.
[224] Ibid., n. 74:
AAS 108 (2016), 340.
[225] Tomás de Aquino,
Suma teológica, tr. de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira,II-II, q. 142, a. 1,
resp., Loyola, São Paulo 2002.
[226] Cf. Ibid., I, q. 98, a. 2, ad 3; II-II, q. 153, a. 2, ad 2.
[227] Ibid., I, q.
98, a. 2, ad 3.
[228] Ibid., II-II, q. 153, a. 2, ad 2.
[229] K. Wojtyła,
Amore e responsabilità, tr. a cura di A. Milanoli, Marietti,
Genova–Milano 1980, 89.
[230] Bento XVI, Carta Enc.
Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 8: AAS 98 (2006), 224.
[231] Ibid.,
n. 7: AAS 98 (2006), 223-224.
[232] João Paulo II, Exort. ap.
Familiaris consortio (22 de novembro de 1981), n. 11: AAS 74 (1982), 92.
[233] Cf. Paulo VI, Carta
enc.
Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 11: AAS 60 (1968), 488.
[234] K. Wojtyła,
Amore e responsabilità, tr. a cura di A. Milanoli, Marietti,
Genova–Milano 1980, 161.
[235] Ibid., 173 (itálico no original).
[236] Paulo VI, Carta enc.
Humanae vitae (25 de julho de 1968), n. 16: AAS 60
(1968), 492.
[237] Ibid.
[238] Pio XI, Carta enc.
Casti connubii (31 de dezembro de 1930): AAS 22 (1930):
547-548 [cf. DH 3707].
[239] Agostinho, De bono coniugali, 3, 3: PL 40, 375.
[240] João Crisóstomo, Comentário às Cartas de são Paulo/3, tr. de Cássio Murilo Dias da Silva, Paulus, São Paulo 2014, 385.
[241] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 50: AAS 58 (1966), 1072.
[242] P.J. Viladrich, “Amor conyugal y esencia del matrimonio”,
Ius canonicum 12 (1972), 311.
[243] Bento XVI, Carta enc.
Caritas in veritate (29 de junho de 2009), n. 53: AAS
101 (2009), 689.
[244] Ibid.
[245] Francisco, Carta enc.
Fratelli tutti (3 de outubro de 2020), n. 60: AAS 112
(2020), 990.
[246] Ibid.,
n. 89: AAS 112 (2020), 1007.
[247] Francesco, Exort. Ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 181:
AAS
108 (2016), 383.
[248] Ibid., n. 324:
AAS 108 (2016), 445.
[249] Leão XIV, Exort. ap.
Dilexi te (4 de outubro de 2025), n. 104.
[250]
Ibid., n. 103.
[251] Ritual Romano. Rito do Matrimônio,
n. 77: Editora Vozes, Petrópolis 1994, 34.
[252] D. von Hildebrand,
Il matrimonio, tr. a cura de B. Magnino,
Morcelliana, Brescia 1959, 33 (grifo nosso).
[253] Concílio de Trento, Sessão XXIV (11 de novembro de 1563),
Doutrina sobre o Sacramento do
Matrimônio: DH 1799; Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n.
48: AAS 58 (1966), 1068; Catecismo da Igreja Católica, n.
1641.
[254] Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 134: AAS 108 (2016), 364.
[255] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Pastoral
Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965), n. 48: AAS 58 (1966), 1068 (grifo nosso).
[256] Francisco, Exort. ap.
Amoris laetitia (19 de março de 2016), n. 135: AAS 108 (2016), 364.
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